(As pequenas crónicas de Daniel Bessa na primeira página
do Expresso Economia assemelham-se cada vez mais às de um pregador que vai
destilando as suas obsessões, estáveis e formadas a partir de um certo momento
do tempo, sem que se vislumbre incorporação de novo conhecimento relevante que
justifique a renovação de presença no espaço que lhe é concedido. O cronista continua lamentavelmente preso a
velhas dicotomias políticos, sem acompanhar o fervilhar de novas dicotomias que
o pensamento económico renovado vai propondo à nossa reflexão.)
Talvez traumatizado por tempos idos (os da
FEP do pós 1974) em que esteve próximo do PCP e pela sua experiência de
governação com o PS, Daniel Bessa tem prosseguido com certa coerência (há que o
reconhecer) a sua cruzada contra os ventos de uma certa esquerda, despesista,
longe do universo empresarial, com a invocação do Estado sempre na ponta da língua
para a resolução de qualquer problema nacional. Está no seu direito e quem sou
eu para lhe cercear essa liberdade de expressão. O problema é a cristalização
de tal pensamento em torno de um discurso de uma nota só, ainda por cima sem a
elegância de um Tom Jobim, para seguir tal orientação. No Expresso Economia
deste fim-de-semana lá regressou a mesma dicotomia desta vez na variante da “obsessão
pelo défice”. Bastaria que o cronista prestasse melhor atenção às suas próprias
palavras para poder, se o entendesse, ir por outros rumos, abandonando a cristalização
das suas obsessões. Lá no meio do que ele considera uma alternativa à missa da crítica
da “obsessão pelo défice” a questão da produtividade passa de repente pelo
argumento mas sem se deter no mesmo e, por isso, incapaz de explorar todas as novas
nuances que essa evidência que salta aos olhos de um qualquer analista da
economia portuguesa com um mínimo de agilidade.
O cronista não é capaz de perceber que uma das
grandes clivagens hoje ainda existentes entre as categorias abstratas da “esquerda”
e da “direita” (que cada vez mais têm de ser declinadas em projetos políticos
concretos para se compreender as clivagens mas também os traços mais “fuzzy”) é
a questão da desigualdade. Sim, de facto, não podemos ignorar que DB faz parte
dos que pensam que, de modo mais ou menos pio consoante o estilo e as convicções,
a desigualdade poderá apenas ser atenuada através de uma sequência que coloca o
crescimento económico e o aumento da produtividade como motores (“Gerar mais rendimento,
distribuído de forma mais solidária” nas palavras de DB). Ora, uma das dicotomias
e clivagens do nosso tempo mais moderno em termos de pensamento económico
considera a desigualdade como um constrangimento estrutural do próprio sistema,
com uma carga diversificada de penalizações incluindo os do próprio crescimento
a longo prazo.
DB certamente não tem acompanhado os escritos
de Lawrence Summers sobre a matéria ou talvez não lhe interesse dar o flanco. Poderia,
por exemplo, também, ler o testemunho que a economista Heather Boushey, CEO do Washngton
Center for Equitable Growth, prestou num grupo de trabalho animado pelo
Governador da Califórnia Gavin Newson no âmbito de uma Comissão para o Futuro
do Trabalho (link aqui).
Destaco do seu testemunho a explicitação dos constrangimentos
que em seu entender a desigualdade provoca no crescimento económico:
- "Obstruindo a oferta de pessoas e de ideias à economia e limitando as oportunidades para os que já não estão no topo, o que tende a tornar o crescimento da produtividade mais lento ao longo do tempo;
- · Subvertendo as instituições que gerem o mercado, tornando o nosso sistema político inefetivo e o nosso mercado de trabalho disfuncional;
- · Distorcendo a procura através dos seus efeitos sobre o consumo e sobre o investimento, o que penaliza e destabiliza o crescimento do produto a curto e a longo prazo”.
E poderíamos falar também da consequência de tudo
isso em termos de formação e de concentração de poderes de monopólio na
economia em geral e no mercado de trabalho em particular, com a formação de
verdadeiros monopsónios da procura de trabalho com as conhecidas consequências
em termos de uma progressão de salários bem abaixo do crescimento da
produtividade.
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