(Oliver Schoff, https://www.standaard.be)
Impossível não marcar aqui o dia em que Mario Draghi abandona a liderança do Banco Central Europeu (BCE), após um mandato histórico de oito anos em que foi parte decisiva no processo de salvação da moeda europeia – o seu whatever it takes (26 de julho de 2012) ficará para sempre como um ponto de viragem e de coragem absolutamente essencial nesse quadro – em face da brutal aflição com que o Euro se confrontou no dramático período que se seguiu à grande crise económica 2007/08, designadamente refletida na crise das dívidas soberanas que abalou a Europa no seu todo e as suas economias mais frágeis em especial (a Grécia foi o elo mais fraco desse lamentável momento de desconstrução europeia). Sinteticamente, e para não referenciar por demais o passado (mesmo que assinalável), limito-me a recorrer aos gráficos seguintes para insistir no impacto enorme e sem precedentes da gestão de Draghi sobre o balanço e os ativos do BCE – e, diga-se ainda, perante uma resistência tenaz de todo um mundo de “falcões” doutrinários (“austeritários”) ou autoritários (nomeadamente de base alemã, entre políticos armados em “poderosos chefões” e constitucionalistas armados em donos exclusivos de interpretações autênticas). Citando-o e ao “Financial Times” a propósito: “Nesta era de inflação baixa, austeridade e alto desemprego na periferia da Região, assim como de um sistema financeiro fragmentado, Draghi acredita que o BCE tinha que intervir, com ou sem total apoio dos Estados membros. ‘Teria sido muito melhor se tivéssemos tido unanimidade desde o início. Como compreendi que não ia ser o caso, foi um preço necessário a pagar’.”
(James Ferguson, http://www.ft.com)
Derivando para o futuro próximo, associável desde já à chegada da substituta Christine Lagarde, prevalecem hoje algumas dúvidas fundamentais cuja resolução concreta será determinante para a definição das configurações europeias e internacionais com que nos vamos deparar. Aponto três:
(i) um novo levantar da cabeça dos ortodoxos, tornado ilustrativamente bem visível (entre várias outras manifestações) com a prematura demissão da representante alemã no BCE (Sabine Lautenschläger) em aberta manifestação de desacordo com a política de Draghi;
(ii) a forma como este se foi paulatinamente despedindo da função com tomadas de posição fortes e recados sonantes (veja-se abaixo uma incompleta súmula de títulos marcantes extraídos de duas grandes entrevistas que concedeu ao “Financial Times”, sendo de sublinhar as questões decisivas (mas não exclusivas) da defesa de um novo papel a esperar da política orçamental em complemento da política monetária e da necessidade de reforçar a Zona Euro através do terceiro pilar da União Bancária);
(iii) a evidência que se começa a impor quanto aos limites a que chegou uma política de compra de títulos do BCE que absorveu 2,6 biliões de euros de dívida pública em quatro anos, sabendo-se que o BCE não pode comprar mais de 33% de obrigações soberanas de cada país da Zona Euro (gráfico mais abaixo) se o first move da sua nova administração não vier a ser o de sustentar um polémico aumento desse teto – mas esta é, afinal, apenas uma das muitas componentes do problema sério que Lagarde vai ter de enfrentar em condições que, tudo indica, serão altamente complexas.
Novos tempos, novas dificuldades, pois! Sendo que, desta vez, não contaremos com a presença tranquila e segura de Mario Draghi ao leme.
(Kak, http://www.lopinion.fr)
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