(Depois de um fim de semana por Terras de Basto em família, com uma
cobertura de internet que é uma vergonha em tudo que é aldeia um pouco mais afastada
do centro de Cabeceiras de Basto, o feudo de Joaquim Barreto, deu-me a modorra
na noite eleitoral, ouvi pacatamente toda aquela algarviada, e só hoje me senti
capaz de escrever alguma coisa sobre o que o 6 de outubro pode vir a representar
na política nacional. Sentimentos contrastados, alguma retribuição nos resultados e evidências de
que o sistema político vai-se mexendo, apesar do irritante desconhecimento
sobre a real dimensão do efeito abstenção e as suas principais causas
explicativas.)
Os sinais que obtive de manhã ainda em Cabeceiras
de Basto e ao fim da tarde nas mesas de voto da renovada António Sérgio de Vila
Nova de Gaias mesmo ao pé da minha casa não apontavam para o nível de abstenção
que os resultados permitem calcular. Nomeadamente o ambiente que se viveu entre
as 16 e as 18 na António Sérgio, com filas de espera entre meia hora e uma hora
e picos, apontariam para um grau de participação mais elevado. Uma das televisões
apresentou pelo menos as projeções da abstenção separando as eleições para os círculos
da emigração e o facto é que continuamos a não ter uma real dimensão da abstenção,
sobretudo agora que os cadernos eleitorais foram administrativamente, sobretudo
os do estrangeiro, aumentados de modo substancial. São duas limitações que
temos: primeiro, não sabemos a verdadeira dimensão do problema e segundo continuamos
a não compreender para a ação.
Quando vi todo aquele entusiasmo e euforia na
intervenção de Ana Catarina Mendes no Altis compreendi imediatamente duas
coisas: primeiro, pareceu-me um entusiasmo demasiado precoce e sobretudo muito influenciado
por apenas uma das sondagens à boca das urnas e a noite eleitoral haveria de me
dar razão; segundo, percebi também que a última semana de campanha eleitoral tinha
causado estragos nas hostes do PS e que aquele entusiasmo era o resultado de
alguns cenários mais negros estimulados por uma campanha menos boa e com alguns
erros táticos que afinal as sondagens à boca da urna não validavam e daí aquela
espontânea reação.
- À medida que a noite eleitoral foi avançando e que os resultados do apuramento foram reduzindo o número de freguesias por apurar, começou a ser possível construir um quadro interpretativo:
- O descalabro do CDS-PP consumou-se, fruto de um dos comportamentos mais erráticos da história político-partidária em Portugal e de uma ilusão autárquica que terá dado origem a uma revelação que desceu sobre a cabecinha de Assunção Cristas depois do resultado em Lisboa; a revelação afinal não era verdadeira e lá teremos provavelmente mais um reforço para um escritório de advogados de prestígio;
- Lá tivemos que aguentar os maus fígados de Rui Rio, o eterno ostracizado que aí constrói a sua motivação política, num discurso de fim de noite eleitoral que, em termos de agigantamento psicológico das hostes internas, é um exemplo de verdadeira nulidade e que anuncia tempos altamente conturbados para a vida interna do PSD;
- A evidência de que a retribuição da geringonça beneficiou sobretudo o PS, embora o eleitorado tenha aceite participar no jogo de sombras que António Costa e todo o PS encenaram não explicitando o pedido de maioria absoluta e desancando à esquerda sobretudo no Bloco, não lhe concedendo tal maioria; a queda do PCP está a transformar-se em tendência estrutural em linha com o envelhecimento do seu eleitorado e da não confirmação do rejuvenescimento de quadros que o partido parecia revelar; o Bloco conseguiu suster o número de deputados apesar da queda de cerca de 60.000 votos sabe-se lá para quem e confirma o seu estatuto de terceira força política mas não tem um ganho líquido do risco que assumiu (e bem em meu entender) de patrocinar ativamente a geringonça;
- Causa dó assistir ao eclipse político de Santana Lopes na sequência de um erro de cálculo político;
- O fenómeno PAN continua em crescendo até à revelação da sua vacuidade;
- O sistema político move-se e três novas formações políticas emergem no novo parlamento, uma retribuidora da minha simpatia pelo seu líder (o Livre de Rui Tavares e agora da aguerrida Joacine), outra que suscita curiosidade pela questão de saber (o futuro o dirá) se há espaço em Portugal para uma formação política liberal no sentido económico, a Iniciativa Liberal e uma terceira, uma maçã podre que terá o seu pasquim de eleição, o Correio da Manhã, a tentar inflacionar o seu poder, o Chega.
No fim de contas, é uma boa vitória do PS
sobretudo a pensar nos riscos que correu na campanha eleitoral e que apressadamente
António Costa classificou como a evidência de que o eleitorado gostou da experiência
da geringonça, devendo por isso justificar uma espécie de geringonça 2.0.
Creio que a situação tenderá a evoluir para
uma legislatura de governo minoritário com acordos pontuais em matéria
orçamental e em termos de alguns pacotes legislativos, em torno dos quais António
Costa negociará uma navegação à vista, com um outro suporte que as eleições não
permitiam de todo. Em termos de acordos mais substanciais e analisando o que
fica depois dos resultados de ontem, só o Bloco de Esquerda tem programaticamente
consistência para justificar uma cooperação desse tipo. O PCP depois de não
suportar o embate e, mais do que isso, pelo facto de se encontrar no centro de
um declínio estrutural, muito dificilmente resistirá à sereia de regressar ao
contrapoder.
António Costa vai precisar de toda a competência
negocial para lograr concluir uma nova legislatura. Alguns iluminados atiraram
com a ideia de que Marcelo terá sido um grande vencedor da noite. Com estes
resultados e com uma recomposição à direita que adiará a seguramente a emergência
de uma alternativa de governo liderada pelo PSD? É preciso de facto muito
diletantismo para este tipo de análise política. Com a agitação política
interna no PSD à solta e acirrada pela própria personalidade de Rio e com a
direita em recomposição acelerada, estará Marcelo à vontade para acenar com o
patrocínio de alternativas? Não o creio.
O que parece indiscutível é que vamos ter
espaço para uma maior atenção da política nacional aos meandros da
instabilidade mundial. Já seria o tempo para não sermos apanhados de calcinhas
na mão.
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