segunda-feira, 21 de outubro de 2019

“UM BANHO DE SANGUE ORÇAMENTAL”

(Zemgus Zaharans, https://voxeurop.eu a partir de https://www.diena.lv)

Vamos então à questão orçamental europeia contada em breves parágrafos. Recorro para tal à inspiração que me foi dada por um recente “Brussels Briefing”, assinado por Mehreen Khan nas páginas do “Financial Times”. Então: trata-se de uma matéria de sempre difícil debate e negociação a cada sete anos em que se preparam as grandes linhas do MFF (Multiannual Financial Framework), como está agora a ocorrer com vista ao período de médio prazo 2021-2027. No caso vertente, a proposta inicial da Comissão Europeia já vem sendo preparada de há muito, tendo começado por ser adotada internamente em maio de 2018 e tendo sido apresentada ao Conselho nas suas grandes linhas em dezembro do mesmo ano, com o Parlamento Europeu a fazer igualmente o seu trabalho tradicionalmente mais orientado para pressionar um maior volume de recursos dedicados às grandes prioridades e, portanto, para um maior comprometimento financeiro dos vários parceiros da União. As desinteligências tornam-se agora mais e mais explícitas, à medida que se aproxima o deadline de início de 2021 e que se assumem como adquiridos o Brexit (queda de 10 a 15 mil milhões de euros de rombo) e a necessidade de resposta a novos desafios (clima, migrações, defesa, etc.) – o Conselho realizado esta semana tornou-as cristalinamente evidentes, já que “o único consenso alcançado no Luxemburgo foi o de que quase todos os governos abominam o plano da Finlândia” (apresentado a título de país que ocupa a Presidência e traduzido numa proposta de cortes adicionais em cima dos da proposta em cima da mesa, a da Comissão).


Mehreen Khan, apresentando um gráfico (ver acima) que reporta a evolução temporal das principais áreas de política europeia com reflexo no respetivo orçamento (perda da PAC, quase constância da Política de Coesão nas últimas duas décadas e ganhos de outros programas), cita um diplomata sediado em Bruxelas para antever como altamente provável para os meses que aí vêm um “banho de sangue orçamental” (PAC e Coesão a resistirem a maiores perdas e peso maior de outros programas, tudo num quadro de crescente restrição por parte dos países financiadores líquidos). E explica-se em três grandes pontos de maior divisão e dificuldade (mantenho os chamativos títulos utilizados):

· Quanto aos montantes: há cinco países [the One Percenters aka (also known as) the Frugal Five] que se encontram num extremo mais conservador (Alemanha, Holanda, Áustria, Suécia e Dinamarca), defendendo que o orçamento deve limitar-se a um teto equivalente a 1% do rendimento nacional bruto da União (a proposta do Parlamento Europeu corresponde a 1,3%,, uma diferença de centenas de milhares de milhões de euros); numa posição mediana encontra-se a Comissão Europeia (1,1%), enquanto outros países beneficiários líquidos (Hungria, Roménia e Croácia) apontam 1,16% e a presidência finlandesa propõe um intervalo entre 1,03% e 1,08%.

· Quanto a rebates (rebates aka correction mechanisms): trata-se de outro ponto de conflito entre países mais e menos ricos, com aqueles (designadamente a Alemanha no seio dos frugal five) a sustentarem como linha vermelha a manutenção de um tal tipo de mecanismo compensatório ou de reembolso (a que acedem desde a imposição conseguida por Thatcher em Fontainebleau há 35 anos) e estes a proporem a respetiva abolição (com o apoio da França e, ao que parece, o beneplácito da Comissão).

· Quanto a recursos próprios (new cash aka own resources): toda a lógica indica que, perante a recusa da maioria dos pagadores líquidos em aumentarem a sua comparticipação, seja chegado o momento de olhar de frente a questão de um financiamento complementar alternativo das políticas comunitárias, nomeadamente através de um qualquer tipo de imposição fiscal a definir – sendo um dos mais badalados o de uma plastics recycling tax, aliás em estudo por parte da Comissão (que estima poder arrecadar cerca de 6,6 mil milhões de euros anuais em cobrança a obter dos países pelos resíduos não reciclados de embalagens de plástico); não obstante, há resistências absolutas de alguns países a qualquer iniciativa neste sentido (a Hungria, por exemplo, encabeçou ontem um grupo que veio avisar-se disposto a bloquear qualquer recurso próprio, considerando a ideia de grande prejuízo para os países mais pobres da União).

E aqui estamos, bem longe de qualquer entendimento à vista. Um quadro que não deixa de ser expectável e que me faz trazer novamente à colação aqueles eurodeputados (sobretudo nacionais) que enchem a boca com inaceitabilidades de toda a ordem (por exemplo, de perdas no tocante à dimensão da Política de Coesão) e que acabarão a falar sozinhos ou para os seus apaniguados mais próximos; pelas responsabilidades que tem, as posições que Paulo Rangel tem vindo a proclamar (eleitoralmente e não só) são, neste plano, a mais risível das ilustrações. Mas adiante, preocupemo-nos com o que verdadeiramente releva e, como decorre do que acima se refere, a matéria é bastante e vai seguramente conduzir a carradas de horas extraordinárias pela noite dentro no “Ovo”.

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