(Enquanto espero que a
volta do correio me traga a nova obra de Daron Acemoglu e James Robinson, The Narrow Corridor: States, Societies, and
the Fate of Liberty, há tempo para refletir sobre o que significa analisar
o crescimento económico não como um resultado isolado, mas em estreita articulação
com o modelo de democracia que com ele coexiste. Outros economistas como Dani Rodrik já o tinham anteriormente sublinhado.)
Vai-se instalando por aí uma perigosa deriva de louvores
ao crescimento económico sem tomar atenção aos custos que ele exige para se
concretizar. Entre esses custos está seguramente o do grau de degradação das
instituições democráticas provocado por considerar o crescimento económico um
fim em si. Em post recente (link aqui),
tive a oportunidade de exemplificar essa deriva hipócrita e contraditória de louvar
hoje o crescimento económico sem ter em conta o cenário da necessidade de
adaptação e mitigação das alterações climáticas, como se houvesse escolhas a
fazer nesse domínio e como se tais escolhas fossem absolutamente neutrais em
termos dos louvores ao crescimento económico sem discutir o seu conteúdo.
A nova reflexão dos autores de Why Nations Fail? traz ao debate esse tema no tempo mais certo possível.
Mas a ideia não é nova, embora a formalização de Acemoglu e Robinson o possa
ser. Dani Rodrik quando enunciou o seu paradoxo da globalização e demonstrou
que a globalização tal como estava a evoluir (a situação de hoje não é
substancialmente diferente a não ser que o populismo económico veio trazer o
seu recuo não pelas vias mais aconselháveis) não conseguia em simultâneo
aprofundar a integração económica, respeitar o estado-nação e garantir a
liberdade da barganha social estava a contribuir decisivamente para o tema. O
que Rodrik nos queria dizer com a ideia do trilema da globalização era que a
referida impossibilidade poderia quebrar por uma de três situações: parar a
integração económica, varrer o estado-nação ou suspender garantias democráticas
de respeito pela livre barganha social que pressupõe a liberdade dos sindicatos.
Os populismos económicos capitaneados por Trump encarregaram-se de mostrar que a
queda ou recuo da integração era uma possibilidade real. A suspensão das garantias
democráticas da livre barganha social está por esse mundo disseminada e é frequente
não lhe concedermos a devida atenção, o que constitui a mais perigosa deriva de
degradação das instituições democráticas, ou seja, condescender com a sua privação.
Há dias, entrei (pasme-se) pela primeira vez num daqueles
grandes entrepostos de produtos chineses para comprar coisas que só lá é possível
encontrar, um tipo de lâmpada que não entra nos cânones do que nos habituamos a
ver no mercado, berlindes de vidro nos quais recentemente o meu neto Francisco anda
vidrado para as suas brincadeiras de escola e outras coisas do tipo. Não pude
deixar de pensar que toda aquela oferta ali reunida só terá vindo à luz do dia no
quadro de um modelo económico em que a organização do trabalho não é
propriamente um modelo de doçura ou de brandos costumes. A China, sobretudo,
mas também outros países asiáticos que seguem um modelo similar, ainda que não
necessariamente conduzido sob o lema um partido único – um governo, colocam questões
bem complexas à relação entre crescimento económico e modelo de democracia.
Olhamos embevecidos como papalvos para os ritmos de crescimento
económico chinês como se tais números representassem tão só um milagre de
crescimento económico. Mas deveríamos ter um outro olhar. A China contrariou
todos os manuais de bom comportamento que emanavam do chamado Consenso de
Washington, ou seja, a trapaça mundial para disseminar o modelo de economia de
mercado com o menor grau de regulação possível. O fascínio primeiro pelo
crescimento a dois dígitos e depois para crescimento a um dígito elevado impediu
muita gente de questionar em que contexto de garantias democráticas e de modelo
de democracia aquele crescimento era atingido. A corrida à deslocalização da
produção para usufruir não só dos baixos salários e da mão-de-obra com oferta
regular e fluidamente alimentada por abundantes excedentes de mão-de-obra rural,
mas sobretudo dos contextos de organização da produção e dos contextos de
trabalho, ilustra bem que a equação crescimento – democracia é bem mais
relevante do que pensamos.
Desde muito cedo, sucederam-se os discursos relativamente
otimistas quanto à influência endógena dos constrangimentos sociais e políticos
do modelo chinês. A corrupção instalada e particularmente a emergência de
classes médias com uma procura mais exigente de garantias democráticas tenderiam
segundo essas perspetivas a implodir o próprio modelo de “um partido único – um
governo”. Tais fundos de otimismo têm vindo a cair fortemente em bolsa à medida
que o modelo chinês vai gerindo com mão de ferro essas contradições. Mas mais
do que isso, como o mostra Rodrik em artigo muito recente (link aqui), a evolução do modelo
económico e político americano está a tornar a questão ainda mais complexa. Onde
vai o tempo da glorificação do modelo americano em termos de instituições
inclusivas e de ascensão social? O que temos hoje nos EUA, apesar da valia de
algumas das suas instituições democráticas, é um crescimento económico em
regime de plutocracia o mais despudorada possível.
Estou com curiosidade em ver como é que Acemoglu e Robinson
tratam esta questão, na volta do correio.
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