terça-feira, 1 de outubro de 2019

LA PEOR PARTE



(Quem não foi tocado em seu tempo por livros como a “Ética para um Jovem”, “O Valor de Educar”, “O Conteúdo da Felicidade” ou “Contra as Pátrias”, por exemplo, todos eles editados em português? Poucos filósofos como Fernando Savater, inspirado em autores como Espinosa, Nietzsche e Ciorán, chegaram a tantos leitores. La Peor Parte será provavelmente o seu livro testamento literário)

Fernando Savater é um filósofo escritor (ou um escritor filósofo?) que ocupa na vida cultural espanhola e europeia um papel de notoriedade incomum para um intelectual com esse perfil. Isso deve-se à sua capacidade de escrever sobre grandes temas da filosofia ou revisitáveis através das suas lentes. Mas essa notoriedade é indissociável também do seu ativismo público contra os nacionalismos em Espanha, primeiro sofrendo a perseguição dos independentistas violentos bascos e assumindo-se como um feroz adversário das tendências opressivas e antidemocráticas de grandes franjas do nacionalismo basco e, segundo, destacando-se também na desconstrução das falácias do independentismo catalão.

CONTRA EL SEPARATISMO, uma pequena obra que sistematiza essencialmente as suas muito visitadas crónicas no El País, publicada em 2017 pela ARIEL, é uma denúncia quase panfletária dos nacionalismos divisionistas e tem a particularidade de ser a única obra publicada depois da morte da sua mulher e companheira de sempre Sara Torres (Pelo Cohete de seu nome e inicialmente militante independentista basca, mais propriamente da ETA, ainda na ditadura de Franco), em 15 de março de 2015 num hospital de San Sebastian, em resultado de um tumor cerebral fulminado, detetado num hospital de Pontevedra.

Pois, contra o que era esperado, Savater acaba de publicar um testemunho pungente sobre as memórias de amor da sua mulher e companheira de 35 anos, no que pode ser interpretado simultaneamente como uma catarse pessoal e uma última homenagem a Sara. A leitura de La Peor Parte transporta-nos para uma solidão irredutível do autor e há passagens verdadeiramente pungentes pelo modo como é recordada a felicidade, a dor e a irredutibilidade violenta da doença terminal. Não conheço na literatura nenhum outro documento desta natureza, com a exceção da pequena obra de André Gorz alicerçado num tema com alguma proximidade, Lettres à D. - Histoire d"un amour (Éditions Galilée), mas no caso de Gorz é de um suicídio conjunto do marxista francês e da sua mulher Dorine.

Não vou especular se La Peor Parte será definitivamente a última obra de Savater, não me custa a crer que o seja, como se nada mais importasse e se a energia se tivesse esgotado nesta última prova de amor.

Numa recente entrevista ao El Mundo (link aqui), em que Savater refere que está refugiado nas suas rotinas lúdicas, e perante uma pergunta do jornalista sobre o que irá fazer a seguir aquela entrevista, Savater respnde:

Pondré a Barbara, la cantante francesa que tanto le gustaba a Sara. Cuando estaba con ella no la escuchaba, no hacía caso a Sara, y ahora...

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