(Quem não foi tocado em seu tempo
por livros como a “Ética para um Jovem”, “O Valor de Educar”, “O Conteúdo da
Felicidade” ou “Contra as Pátrias”, por exemplo, todos eles editados em português?
Poucos filósofos como Fernando Savater, inspirado
em autores como Espinosa, Nietzsche e Ciorán, chegaram a tantos leitores. La Peor Parte
será provavelmente o seu livro testamento literário)
Fernando
Savater é um filósofo escritor (ou um escritor filósofo?) que ocupa na vida
cultural espanhola e europeia um papel de notoriedade incomum para um intelectual
com esse perfil. Isso deve-se à sua capacidade de escrever sobre grandes temas
da filosofia ou revisitáveis através das suas lentes. Mas essa notoriedade é
indissociável também do seu ativismo público contra os nacionalismos em
Espanha, primeiro sofrendo a perseguição dos independentistas violentos bascos e
assumindo-se como um feroz adversário das tendências opressivas e antidemocráticas
de grandes franjas do nacionalismo basco e, segundo, destacando-se também na desconstrução
das falácias do independentismo catalão.
CONTRA EL
SEPARATISMO, uma pequena obra que sistematiza essencialmente as suas muito visitadas
crónicas no El País, publicada em 2017 pela ARIEL, é uma denúncia quase panfletária
dos nacionalismos divisionistas e tem a particularidade de ser a única obra
publicada depois da morte da sua mulher e companheira de sempre Sara Torres
(Pelo Cohete de seu nome e inicialmente militante independentista basca, mais propriamente
da ETA, ainda na ditadura de Franco), em 15 de março de 2015 num hospital de
San Sebastian, em resultado de um tumor cerebral fulminado, detetado num hospital
de Pontevedra.
Pois, contra
o que era esperado, Savater acaba de publicar um testemunho pungente sobre as
memórias de amor da sua mulher e companheira de 35 anos, no que pode ser
interpretado simultaneamente como uma catarse pessoal e uma última homenagem a
Sara. A leitura de La Peor Parte transporta-nos para uma solidão irredutível do
autor e há passagens verdadeiramente pungentes pelo modo como é recordada a
felicidade, a dor e a irredutibilidade violenta da doença terminal. Não conheço
na literatura nenhum outro documento desta natureza, com a exceção da pequena obra
de André Gorz alicerçado num tema com alguma proximidade, Lettres à D. - Histoire d"un amour (Éditions
Galilée), mas no caso de Gorz é de um suicídio conjunto do marxista
francês e da sua mulher Dorine.
Não vou
especular se La Peor Parte será definitivamente a última obra de Savater, não
me custa a crer que o seja, como se nada mais importasse e se a energia se
tivesse esgotado nesta última prova de amor.
Numa recente
entrevista ao El Mundo (link aqui), em que Savater refere que está refugiado nas suas
rotinas lúdicas, e perante uma pergunta do jornalista sobre o que irá fazer a
seguir aquela entrevista, Savater respnde:
Pondré a Barbara, la cantante francesa que tanto le gustaba a Sara. Cuando
estaba con ella no la escuchaba, no hacía caso a Sara, y ahora...
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