Mesmo para os que, como eu, não partilham a sua crença nem perfilham alguma da essência da sua sensibilidade, José Tolentino de Mendonça (JTM) surge como uma personagem notável, como um fora de série de inúmeros pontos de vista. Estando longe de ser um conhecedor profundo da sua obra, tenho amigos próximos que o são e alguns, e uma em particular, a ponto de dele quase fazerem uma referência intelectual e do seu próprio governo de vida, alguém que procuram seguir e acompanhar de perto e em permanência como uma espécie de guia espiritual (à falta de melhor expressão). A mim, que pessoalmente nunca tinha lido JTM para além daqueles brilhantes textos que semanalmente nos oferece na Revista do Expresso, iniciou-me na leitura mais aprofundada do teólogo, do pensador e do poeta. Em noite eleitoral, e sem grande tempo para buscas pormenorizadas, fico-me por dois apontamentos de “A Mística do Instante” aqui mais à mão: (i) “As nossas sociedades ocidentais estão a viver uma silenciosa mudança de paradigma: o excesso (de emoções, de informação, de expectativas, de solicitações...) está a atropelar a pessoa humana e a empurra-la para um estado de fadiga, de onde é cada vez mais difícil retornar. O risco é o aprisionamento permanente nesse cansaço.”; (ii) “Faltam-nos hoje não apenas mestres da vida interior, mas simplesmente da vida, de uma vida total, de uma existência digna de ser vivida. Faltam cartógrafos e testemunhas do coração humano, dos seus infindos e árduos caminhos, mas também dos nossos quotidianos, onde tudo não é e é extraordinariamente simples. Falta-nos uma nova gramática que concilie no concreto os termos que a nossa cultura tem por inconciliáveis: razão e sensibilidade, eficácia e afetos, individualidade e compromisso social, gestão e compaixão, espiritualidade e sentidos, eternidade e instante. Será que do instante dos sentidos podemos fazer uma mística? Não tenhamos dúvidas: o que está dito permanece ainda por dizer.” Pois é esta figura, aqui simplesmente evocada sem grande critério, que ontem se tornou cardeal e que assim passará seguramente a contar ainda mais fortemente para o futuro da Igreja reformada e aberta aos tempos que o Papa Francisco vai pacientemente tentando construir.
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