quinta-feira, 3 de outubro de 2019

PROFISSIONAIS COMPETENTES




Há dias em Xabregas, já na Lisboa oriental a caminhar para os terrenos da EXPO, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP.IP), que protagoniza o serviço público de emprego em Portugal, comemorou os seus 40 anos. Tinha sido convidado em tempos a escrever para uma publicação de testemunhos sobre a experiência da formação profissional em Portugal e tomei conhecimento que, nessa sessão, a que não pude assistir (quem trabalha a norte não pode ir instantaneamente a Lisboa como se vai à pastelaria tomar um café) essa publicação seria publicamente apresentada. Pensei que o mínimo de agradecimento institucional devido a quem colabora gratuitamente com um artigo para uma publicação desse tipo seria o envio atempado da obra, mas pelos vistos estou fora de tempo, esperando por tais comportamentos. Talvez seja um problema de correios, sabe-se lá.

Os temas da formação e das competências integraram desde cedo os meus desafios profissionais em torno das políticas de emprego. O meu interesse por tais temas teve um impulso extraordinário quando tive oportunidade de privar de perto e conviver intelectualmente com um dos grandes especialistas europeus e mundiais dos temas da engenharia da formação e das competências, o Professor Guy Le Boterf. Não fora Le Boterf identificado com a escola francesa destas coisas e a sua notoriedade mundial seria incomparavelmente maior, embora do Chile e Argentina à Europa desenvolvida há muitas grandes empresas que conhecem a filigrana do método como Le Boterf conceptualiza estas questões.

Com ele aprendi a compreender conceptualmente o que devemos entender por um profissional competente. Em tempos em que os consumidores nunca foram tanto exigentes em termos de segurança, qualidade dos produtos e dos processos, que deram, aliás, origem a uma poderosa e diversificada engenharia da qualidade e de uma crescente intensidade dos processos de automatização, a verdade é que a questão “o que são profissionais competentes?” tem cada vez mais sentido. O que parece um paradoxo no mundo da qualidade dos processos e equipamentos, Le Boterf explica-o pela necessidade que todos nós exprimimos de ter cada vez mais confiança, inabalável, diga-se, em profissionais muito competentes.

Ora, a resposta a essa questão tem conduzido a uma deriva sagazmente criticada por Le Boterf e que consiste numa espécie de milagre de multiplicação não dos pães mas antes de listas cada vez mais sofisticadas de competências, adjetivadas do modo mais diverso, das cognitivas às chamadas “soft skills” passando por uma vasta plêiade de outras variedades. É óbvio que todas essas listagens são declinações mais ou menos imaginativas de saberes, saberes-fazer e de saber-estar.

A multiplicação das listagens de competências é uma espécie de praga com a qual teremos de viver do modo mais inteligente e sensato possível.

Os contributos do meu amigo Guy concentram-se sobretudo em demonstrar que, por mais sofisticadas e finas que sejam essas listagens, o seu domínio não garante necessariamente que estaremos perante um profissional competente. Ou, por outras palavras, o que é necessário assegurar adicionalmente para atingirmos o “profissionalismo” que restaura a nossa confiança em quem nos presta serviços? O que Le Boterf nos diz é que na miríade de contactos que mantém na sua atividade de consultor de formação junto de uma vastíssima variedade de gestores de proximidade com os trabalhadores se apercebeu que a esmagadora maioria desses gestores e supervisores afirma que precisam que os trabalhadores e quadros saibam trabalhar.

O que estes gestores e supervisores nos dizem é que o profissionalismo é uma espécie e competência dual. Somos competentes na dupla função do saber agir em determinado contexto de trabalho mas também em função da nossa capacidade de mobilizar os recursos pertinentes para melhorar a qualidade desse saber-agir.

Estão os meus amigos a compreender a vastidão imensa e poderosa das implicações que esta abordagem apresenta do ponto de vista da conceção e operacionalização de processos de formação para assegurar profissionais competentes, ou seja a formação profissional capaz de gerar o profissionalismo.

Há por aí muito boa alma, purista e indignada com os nexos entre os mundos das competências e da produtividade, logo uma conceção demasiado instrumental e produtivista da formação. Há quem tenha “ataques de alergia” quando ouve a palavra competências. Mas é, caros amigos, de uma revolução que estamos a falar. Formar para o profissionalismo, não para o diletantismo estilo o nosso ex-ministro da Defesa, não consiste apenas em fornecer os recursos que o futuro “trabalhador” mobilizará nas situações concretas de trabalho. O saber-agir em situação concreta também faz parte da equação. Dir-me-ão que é impossível em qualquer processo de formação profissional exaurir o universo das situações de trabalho em que seremos confrontados ao longo da nossa vida ativa. É verdade. Mas a transformação digital dos contextos de aprendizagem e formação proporciona-nos hoje um potencial ainda desconhecido das nossas metodologias de formação. Para além disso, é de uma formação permanente que ocupará o nosso futuro universo dos processos de formação.

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