(Às voltas com alguma crise de
inspiração para dar conteúdo minimamente relevante a esta página, dei comigo em
busca de temas numa paleta de domínios cuja alimentação continua a depender fortemente
da combinação de alguma investigação, nos últimos tempos algo errática, e os
desafios da consultadoria. Conclui que tenho dedicado pouco tempo às questões
da formação e das competências. O post de hoje é uma tentativa de recuperar
esse tempo perdido)
Há dias em
Xabregas, já na Lisboa oriental a caminhar para os terrenos da EXPO, o
Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP.IP), que protagoniza o
serviço público de emprego em Portugal, comemorou os seus 40 anos. Tinha sido
convidado em tempos a escrever para uma publicação de testemunhos sobre a
experiência da formação profissional em Portugal e tomei conhecimento que,
nessa sessão, a que não pude assistir (quem trabalha a norte não pode ir
instantaneamente a Lisboa como se vai à pastelaria tomar um café) essa publicação
seria publicamente apresentada. Pensei que o mínimo de agradecimento institucional
devido a quem colabora gratuitamente com um artigo para uma publicação desse
tipo seria o envio atempado da obra, mas pelos vistos estou fora de tempo,
esperando por tais comportamentos. Talvez seja um problema de correios, sabe-se
lá.
Os temas da
formação e das competências integraram desde cedo os meus desafios profissionais
em torno das políticas de emprego. O meu interesse por tais temas teve um
impulso extraordinário quando tive oportunidade de privar de perto e conviver
intelectualmente com um dos grandes especialistas europeus e mundiais dos temas
da engenharia da formação e das competências, o Professor Guy Le Boterf. Não fora
Le Boterf identificado com a escola francesa destas coisas e a sua notoriedade mundial
seria incomparavelmente maior, embora do Chile e Argentina à Europa desenvolvida
há muitas grandes empresas que conhecem a filigrana do método como Le Boterf
conceptualiza estas questões.
Com ele aprendi
a compreender conceptualmente o que devemos entender por um profissional
competente. Em tempos em que os consumidores nunca foram tanto exigentes em termos
de segurança, qualidade dos produtos e dos processos, que deram, aliás, origem
a uma poderosa e diversificada engenharia da qualidade e de uma crescente
intensidade dos processos de automatização, a verdade é que a questão “o que são
profissionais competentes?” tem cada vez mais sentido. O que parece um paradoxo
no mundo da qualidade dos processos e equipamentos, Le Boterf explica-o pela
necessidade que todos nós exprimimos de ter cada vez mais confiança, inabalável,
diga-se, em profissionais muito competentes.
Ora, a
resposta a essa questão tem conduzido a uma deriva sagazmente criticada por Le
Boterf e que consiste numa espécie de milagre de multiplicação não dos pães mas
antes de listas cada vez mais sofisticadas de competências, adjetivadas do modo
mais diverso, das cognitivas às chamadas “soft skills” passando por uma vasta plêiade
de outras variedades. É óbvio que todas essas listagens são declinações mais ou
menos imaginativas de saberes, saberes-fazer e de saber-estar.
A multiplicação
das listagens de competências é uma espécie de praga com a qual teremos de viver
do modo mais inteligente e sensato possível.
Os contributos
do meu amigo Guy concentram-se sobretudo em demonstrar que, por mais sofisticadas
e finas que sejam essas listagens, o seu domínio não garante necessariamente
que estaremos perante um profissional competente. Ou, por outras palavras, o
que é necessário assegurar adicionalmente para atingirmos o “profissionalismo” que
restaura a nossa confiança em quem nos presta serviços? O que Le Boterf nos diz
é que na miríade de contactos que mantém na sua atividade de consultor de
formação junto de uma vastíssima variedade de gestores de proximidade com os
trabalhadores se apercebeu que a esmagadora maioria desses gestores e
supervisores afirma que precisam que os trabalhadores e quadros saibam
trabalhar.
O que estes gestores
e supervisores nos dizem é que o profissionalismo é uma espécie e competência
dual. Somos competentes na dupla função do saber agir em determinado contexto
de trabalho mas também em função da nossa capacidade de mobilizar os recursos pertinentes
para melhorar a qualidade desse saber-agir.
Estão os
meus amigos a compreender a vastidão imensa e poderosa das implicações que esta
abordagem apresenta do ponto de vista da conceção e operacionalização de
processos de formação para assegurar profissionais competentes, ou seja a
formação profissional capaz de gerar o profissionalismo.
Há por aí muito
boa alma, purista e indignada com os nexos entre os mundos das competências e
da produtividade, logo uma conceção demasiado instrumental e produtivista da
formação. Há quem tenha “ataques de alergia” quando ouve a palavra competências.
Mas é, caros amigos, de uma revolução que estamos a falar. Formar para o
profissionalismo, não para o diletantismo estilo o nosso ex-ministro da Defesa,
não consiste apenas em fornecer os recursos que o futuro “trabalhador”
mobilizará nas situações concretas de trabalho. O saber-agir em situação concreta
também faz parte da equação. Dir-me-ão que é impossível em qualquer processo de
formação profissional exaurir o universo das situações de trabalho em que
seremos confrontados ao longo da nossa vida ativa. É verdade. Mas a transformação
digital dos contextos de aprendizagem e formação proporciona-nos hoje um
potencial ainda desconhecido das nossas metodologias de formação. Para além disso,
é de uma formação permanente que ocupará o nosso futuro universo dos processos
de formação.
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