(1972)
(Em tempo de foco mediático nunca visto no tema das
alterações climáticas, talvez seja oportuno desmontar a hipocrisia dos que
acolhem o tema e não deixam, por isso, de se encarniçarem na manutenção dos
ritmos de crescimento económico sem questionar o modelo de suporte. Não deixa de registar-se um regresso de certo
modo recorrente a temas do passado.)
É inequívoco que, por força da ação política
de António Guterres na ONU e graças ao despertar dos jovens para o tema, as
alterações climáticas transformaram-se nos tempos mais recentes em foco
mediático. O que alguns tenderão a considerar como um ponto de viragem no
abanar de consciências que os processos de adaptação e mitigação do tema
exigirão.
Entretanto, o capitalismo, particularmente as
suas economias mais avançadas, enfrentam um claro resfriamento das suas
perspetivas de crescimento económico a longo prazo. Seja porque o progresso
tecnológico se tem revelado bem menos efetivo em termos de crescimento
económico proporcionado, seja por um conjunto mais abrangente de fatores que
Lawrence Summers cunhou de “estagnação secular” recuperando o termo de Alvin
Hansen dos anos 30, a verdade é que o capitalismo tem vindo a assistir à quebra
de potência dos seus motores de crescimento. Algumas economias emergentes
quebram aparentemente esses constrangimentos, mas isso faz parte da própria
dinâmica dos emergentes. Ou seja, a sua afirmação na economia mundial traduz-se
regra geral em ritmos de crescimento superiores.
Causa-me estranheza que estes dois temas não
tenham sido até agora interrelacionados. Não se trata de regressar ao
catastrofismo que fez moda no início dos anos 70 em tornos dos chamados Limites
do Crescimento. Muita gente da minha geração se recorda do debate em torno dos
Limites do Crescimento, induzido por um relatório do Clube de Roma ou Relatório
Meadows (1972), que discuti com colegas em tempos de fim de curso na FEP. Esse
relatório permanece hoje por aqui numa fila mais recuada da estante (longe da
vista …). A finitude dos recursos que o relatório tratava assentava então em
premissas que se revelaram bastante mais pessimistas então do que o potencial
da tecnologia o determinaria posteriormente. Mas em 1972 não havia pensamento
nem reflexão sobre efeitos da emissão de gases com efeito de estufa e de
mudanças climáticas também. O crescimento zero foi então bandeira, mas a
economia e os economistas, com larga evidência passada de que as teorias
malthusianas não tinham encontrado expressão na evolução do capitalismo, nunca
aderiram com interesse a tais hipóteses de trabalho. A crítica demolidora que
se fazia na época à esquerda era a de que o Relatório Meadows não entrava em
linha de conta com as desigualdades de desenvolvimento entre os países. As
projeções de esgotamento de recursos tinham apenas em conta o futuro do
crescimento na fronteira do capitalismo, ou seja, nas economias mais avançadas.
A verdade é que não tenciono recuperar das
fileiras de livros em segundo plano tal relatório. O tema interessa-me porque a
economia e os economistas têm manifestado extrema relutância de, por si sós e
no seu mundo, reconsiderar os conteúdos do crescimento económico. Assistimos,
hoje, em Portugal, à presença dual e quase esquizofrénica das tensões geradas pela
adaptação e mitigação das alterações climáticas e da defesa aguerrida de
projetos considerados nevrálgicos para o crescimento económico, seja o processo
de dragagem do porto de Setúbal, a colocação em segundo plano dos impactos
ambientais do aeroporto do Montijo, a defesa da proximidade do aeroporto da
Portela à cidade, a exploração do lítio e tantos outros processos marcados pela
sanha do crescimento a todo o custo. Como é óbvio, tais projetos são
provavelmente marcantes em termos de crescimento económico, embora tenhamos de
ter cautela pois há literatura marcante que revela que os megaprojetos tendem
sempre a exacerbar certas previsões e um exemplo é seguramente o dos efeitos
sobre o crescimento económico. Não são esses efeitos que estão em causa. O problema
é que a defesa de tais projetos é concretizada como se não existissem os tais
objetivos da descarbonização ou como se o tema das alterações climáticas não
tivesse implicações nos modelos de crescimento.
Mas a hipocrisia não fica por aqui. Entre a gente
que anda com o tema das alterações climáticas na boca haverá seguramente os
que, com desdém, referem que o crescimento em Portugal tem sido poucochinho.
A que ponto quero eu chegar?
O meu argumento é que devemos reconhecer que
o tema da adaptação e mitigação das alterações climáticas tem de interpelar os
modelos de crescimento que temos seguido por inércia e porque as atividades
depredadoras de recursos e fortemente influenciadoras do efeito estufa têm um
poder de mercado poderoso. Em meu entender, não é seguro que a economia e os
economistas sejam capazes de por si só concretizarem essa interpelação. É tempo
de regressar e reinventar velhos debates que apontavam nesse sentido. No
passado centravam-se na finitude dos recursos. Hoje, o contexto é diferente e
são as alterações climáticas que o determinam.
A ideia de regressar a este tema foi-me
sugerida por dois acontecimentos vindos do universo da arquitetura: a trienal
de arquitetura de Oslo hoje amplamente documentada pelo IPSÍLON do Público (link aqui) e a
exposição na garagem sul do Centro Cultural de Belém que se foca nas relações
entre a agricultura e a arquitetura (link aqui). São duas interpelações à economia e aos
economistas. Pela parte que me toca gosto muito de ser interpelado.
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