sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A DUALIDADE CRESCIMENTO VERSUS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

(1972)

(Em tempo de foco mediático nunca visto no tema das alterações climáticas, talvez seja oportuno desmontar a hipocrisia dos que acolhem o tema e não deixam, por isso, de se encarniçarem na manutenção dos ritmos de crescimento económico sem questionar o modelo de suporte. Não deixa de registar-se um regresso de certo modo recorrente a temas do passado.)

É inequívoco que, por força da ação política de António Guterres na ONU e graças ao despertar dos jovens para o tema, as alterações climáticas transformaram-se nos tempos mais recentes em foco mediático. O que alguns tenderão a considerar como um ponto de viragem no abanar de consciências que os processos de adaptação e mitigação do tema exigirão.

Entretanto, o capitalismo, particularmente as suas economias mais avançadas, enfrentam um claro resfriamento das suas perspetivas de crescimento económico a longo prazo. Seja porque o progresso tecnológico se tem revelado bem menos efetivo em termos de crescimento económico proporcionado, seja por um conjunto mais abrangente de fatores que Lawrence Summers cunhou de “estagnação secular” recuperando o termo de Alvin Hansen dos anos 30, a verdade é que o capitalismo tem vindo a assistir à quebra de potência dos seus motores de crescimento. Algumas economias emergentes quebram aparentemente esses constrangimentos, mas isso faz parte da própria dinâmica dos emergentes. Ou seja, a sua afirmação na economia mundial traduz-se regra geral em ritmos de crescimento superiores.

Causa-me estranheza que estes dois temas não tenham sido até agora interrelacionados. Não se trata de regressar ao catastrofismo que fez moda no início dos anos 70 em tornos dos chamados Limites do Crescimento. Muita gente da minha geração se recorda do debate em torno dos Limites do Crescimento, induzido por um relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows (1972), que discuti com colegas em tempos de fim de curso na FEP. Esse relatório permanece hoje por aqui numa fila mais recuada da estante (longe da vista …). A finitude dos recursos que o relatório tratava assentava então em premissas que se revelaram bastante mais pessimistas então do que o potencial da tecnologia o determinaria posteriormente. Mas em 1972 não havia pensamento nem reflexão sobre efeitos da emissão de gases com efeito de estufa e de mudanças climáticas também. O crescimento zero foi então bandeira, mas a economia e os economistas, com larga evidência passada de que as teorias malthusianas não tinham encontrado expressão na evolução do capitalismo, nunca aderiram com interesse a tais hipóteses de trabalho. A crítica demolidora que se fazia na época à esquerda era a de que o Relatório Meadows não entrava em linha de conta com as desigualdades de desenvolvimento entre os países. As projeções de esgotamento de recursos tinham apenas em conta o futuro do crescimento na fronteira do capitalismo, ou seja, nas economias mais avançadas.

A verdade é que não tenciono recuperar das fileiras de livros em segundo plano tal relatório. O tema interessa-me porque a economia e os economistas têm manifestado extrema relutância de, por si sós e no seu mundo, reconsiderar os conteúdos do crescimento económico. Assistimos, hoje, em Portugal, à presença dual e quase esquizofrénica das tensões geradas pela adaptação e mitigação das alterações climáticas e da defesa aguerrida de projetos considerados nevrálgicos para o crescimento económico, seja o processo de dragagem do porto de Setúbal, a colocação em segundo plano dos impactos ambientais do aeroporto do Montijo, a defesa da proximidade do aeroporto da Portela à cidade, a exploração do lítio e tantos outros processos marcados pela sanha do crescimento a todo o custo. Como é óbvio, tais projetos são provavelmente marcantes em termos de crescimento económico, embora tenhamos de ter cautela pois há literatura marcante que revela que os megaprojetos tendem sempre a exacerbar certas previsões e um exemplo é seguramente o dos efeitos sobre o crescimento económico. Não são esses efeitos que estão em causa. O problema é que a defesa de tais projetos é concretizada como se não existissem os tais objetivos da descarbonização ou como se o tema das alterações climáticas não tivesse implicações nos modelos de crescimento.

Mas a hipocrisia não fica por aqui. Entre a gente que anda com o tema das alterações climáticas na boca haverá seguramente os que, com desdém, referem que o crescimento em Portugal tem sido poucochinho.

A que ponto quero eu chegar?

O meu argumento é que devemos reconhecer que o tema da adaptação e mitigação das alterações climáticas tem de interpelar os modelos de crescimento que temos seguido por inércia e porque as atividades depredadoras de recursos e fortemente influenciadoras do efeito estufa têm um poder de mercado poderoso. Em meu entender, não é seguro que a economia e os economistas sejam capazes de por si só concretizarem essa interpelação. É tempo de regressar e reinventar velhos debates que apontavam nesse sentido. No passado centravam-se na finitude dos recursos. Hoje, o contexto é diferente e são as alterações climáticas que o determinam.

A ideia de regressar a este tema foi-me sugerida por dois acontecimentos vindos do universo da arquitetura: a trienal de arquitetura de Oslo hoje amplamente documentada pelo IPSÍLON do Público (link aqui)  e a exposição na garagem sul do Centro Cultural de Belém que se foca nas relações entre a agricultura e a arquitetura (link aqui). São duas interpelações à economia e aos economistas. Pela parte que me toca gosto muito de ser interpelado.

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