sexta-feira, 11 de outubro de 2019

EUROPA, AO QUE TU CHEGASTE!



(Todos sabíamos que a política externa está a transformar-se no nó górdio das contradições europeias. O Sr. Erdogan encarregou-se de demonstrar essa evidência.)

O edifício europeu ameaça instabilidade por vários lados e em várias dimensões. Temos vindo a perceber essa debilidade de muitas maneiras e por muitas vias. No edifício há partes mais vulneráveis, outras disfarçam melhor, mas há dimensões em que a evidência das contradições é manifesta. Uma dessas dimensões é a da política externa. Estamos para ver se o beligerante Trump poderá com a sua política comercial externa agressiva gerar, por reação, algum movimento de coesão na resposta europeia. É verdade que há um representante para a política europeia e até o lugar vai ser assumido por um político espanhol que muito aprecio, Josep Borrel.

Mas a União Europeia assume no contexto atual uma tal diversidade de projetos políticos, alguns dos quais nada recomendáveis em termos democráticos, que o estabelecimento de posições comuns em termos de geoestratégia política tende para um menor denominador comum, de facto tão pequeno que não impõe respeito a ninguém.

Ora o mundo que temos hoje tende para uma hipocrisia irrespirável. Um bom exemplo desse estado deplorável das coisas conta-se em poucas palavras. Os EUA contaram com o apoio das milícias curdas no combate ao Estado Islâmico e pelos relatos de guerra que foram sendo conhecidos os curdos foram decisivos e mortíferos nessa guerra. Erdogan e os turcos mais próximos alimentam uma clara obsessão contra as milícias curdas que consideram uma manifestação de terrorismo. Os EUA fogem hoje das chamadas guerras intermináveis como gato foge de água escaldada, tendo declarado que abandonariam proximamente esse campo da guerra. Praticamente em cima do acontecimento o Sr. Erdogan decidiu lançar uma ação militar contra as milícias curdas com o objetivo formalmente comunicado ao mundo de estabelecer uma zona tampão e proteger a Turquia de possíveis veleidades curdas, provocando mais uma penosa deslocalização de 64.000 pessoas em apenas 24 horas, com o cortejo de horrores que esses movimentos forçados trazem às populações mais pobres e indefesas.

A União Europeia veio a terreiro com uma tímida tomada de posição, condenando o desplante turco, sem que alguma ameaça real e presente o justificasse. O Sr. Erdogan deu a resposta umas horas depois, abreviadamente com este outro desplante insultuoso: “Se a Europa continuar a considerar que a nossa operação é uma invasão então abriremos fronteiras e a Europa terá de amanhar-se com 3,6 milhões de imigrantes”.

Ou seja, a expressão mais clara possível de uma chantagem. A União empurrou com a barriga a questão dos imigrantes e refugiados e decidiu escolher um país de irrebatível democracia (como se o universo político do Sr. Erdogan não o contradissesse) para conter tal movimento, a troco de uma negociação que nunca ficou muito clara. O que do seu pedestal de autocrata Erdogan quis dizer às luminárias europeias, foi que tenham juízo e respeitinho pelas obsessões da Turquia, porque caso contrário rasgarão o acordo e a União mergulhará o caos com mais 3,6 milhões de imigrantes.

Haverá expressão mais crua da debilidade europeia em termos de política externa?

Sem comentários:

Enviar um comentário