sábado, 12 de outubro de 2019

AGUSTINA DIXIT



(Há tempos que procurava situar esta passagem de Agustina que permanecia não muito clara na minha memória e que me tinha influenciado bastante nas minhas abordagens ao território. Hoje, relendo passagens de Os Meninos de Ouro, lá estava ela preenchendo a nebulosidade da memória.)

Depois de uma breve digressão sobre os lavradores do Douro e o início das convulsões da tradição, Agustina escreve o seguinte:

“ (…) Diferente do que pensam os economistas, uma área produtiva não se destina apenas a ser rentável; sobretudo é uma área onde a vida se condensa e se transmite. Representa uma condição histórica que se reflecte e se repercute, pondo a tónica principal, não no lucro, mas sobretudo na circulação da energia, que implica o lucro também. Mas que acentua a persuasão da inteligência, do investimento moral. Pode acontecer que, mercê de uma imobilidade sentimental, mais do que motivada por carência material, um território se degrade e a crise se instale irremediavelmente. O perigo de uma civilização local é o de ela se tornar incomunicável; com o Douro, com o Nordeste Transmontano, com o país inteiro talvez, passa-se isto: ama a sua anexão ao hábito, à energia que não dinamiza e que se circunscreve a uma intriga momentânea e suburbana. Nada muda, tudo se converte em rotina. E, com ela, procede-se à sensibilidade barroca, ao apanágio do pormenor, ao retraimento cívico em favor da gesta privada. Enquanto se degusta a passividade, cai-se no arcaico. E a pessoa provincial dificilmente se recupera para a universalidade da esperança, ficando-se no diálogo com os mortos e o colóquio com os antepassados, elevados à qualidade de monitores pelo conforto que a sua distância ministra”.

Agustina tem ao longo da sua vastíssima obra uma multidão de passagens desta natureza, que são das melhores interpelações que podem fazer-se à economia e, neste caso, à economia dos territórios. Esta está recuperada. Outras esperam por tempo e pachorra.

Nota final:  Embora a capa do livro que abre este post respeite à reedição cuidada das obras de Agustina a cargo da Relógio de Água, a minha releitura de Os Meninos de Ouro teve na velhinha edição da Guimarães e Cª Editores o seu momento.

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