sexta-feira, 11 de outubro de 2019

SYLVIE CHUMBA POR MACRON

Eu estava em Bruxelas e assisti à primeira audição de Sylvie Goulard (SG), a comissária indigitada pela França de Macron, no Parlamento Europeu. Aliás oscilando naquelas três horas entre o impávido e o atónito – explico-me: por um lado, achando que toda aquela encenação e dureza para com uma candidata objetivamente dotada de qualidade técnica e política era isso mesmo, encenação; por outro lado, pressentindo que as vozes eram muitas e partidariamente diversas para que não fossem retiradas consequências chatas, digamos assim. Entretanto, e depois de jogos de bastidores inimagináveis, a dita foi levada a apresentar-se a uma segunda audição, a qual teve lugar na tarde de ontem. O resultado foi o pior possível e por números bastante concludentes (82 contra e 29 a favor, com os coordenadores de todos os grupos políticos – exceto o seu “Renew” – a pronunciarem-se desfavoravelmente à nomeação), abrindo uma brecha que vai ser difícil de sanar no já de si débil e periclitante panorama relacional europeu.

Mas como se chegou até aqui? Primeiro, temos de o dizer com frontalidade, SG pôs-se a jeito, quer no tema relacionado com empregos alegadamente fictícios de assistentes seus no Parlamento Europeu quer essencialmente no tema das suas ligações remuneradas a um think tank americano (Berggruen); sendo que a sua saída algo extemporânea do ministério da Defesa, ao cabo de um mês em funções, também não ajudou. Depois, a tática pouco firme, logo aventureira, que levou Macron a tentar uma solução alternativa ao PPE para a liderança da Comissão e, por fim, a contentar-se como a colocação de uma linha vermelha em relação à lógica dos spitzenkandidat, o que na realidade acabava por significar a rejeição de Manfred Weber (o cabeça-de-lista do PPE às eleições europeias e o putativo presidente da Comissão Europeia, na medida em que apontado por Merkel) – eis agora a vingança do chinês em ação, servida fria como é dos livros, colocando Macron e a França perante uma derrota histórica e traumática, evidenciando quanto o PPE lhe quer mal (a ponto de ter sido rompida a tradicional disciplina interna e de não se ter hesitado em colocar a sua correlegionária e presidente aprovada, Ursula von der Leyen (UvdL), perante um golpe duro e melindroso). Por fim, as circunstâncias também deram o seu inexcedível contributo, visto que dois candidatos a comissários tinham já sido postos de lado e que se tratava – azar dos Távoras! – de um PPE (o húngaro) e de uma S&D (a romena), tornando-se assim estranhamente tentadora a procura de um equilíbrio das coisas através de uma eliminação a concretizar no terceiro grande grupo político (precisamente o de SG).

(a partir de Placide, https://chalontv.info)

Concluindo: SG foi a vítima que estava no sítio errado à hora errada; uma vítima pessoal e, de algum modo, injustiçada. Mas o mais importante e preocupante são as brechas e as feridas que se têm de encarar, indubitavelmente, como de penosa ultrapassagem. Refiro-me, obviamente, aos efeitos de tudo isto na imagem e na energia de um colégio que vai iniciar funções e careceria de outra dose de segurança/confiança e a uma presidente cujo peso não pode deixar de ser abalado pelo afastamento de alguém por quem se tinha interessado abertamente. Mas refiro-me, sobretudo, aos estragos de tudo isto em termos de unidade europeia (ou falta dela) e de perda de espaço de manobra por parte de um Macron que vinha sendo o grande promotor da ideia de um relançamento europeu. Estamos, assim, em face de um cu-de-boi algo inesperado neste momento, fazendo com que a grande questão vá agora passar a ser a da iniciativa – quem e como? O jogo que se segue não será certamente a feijões nem para principiantes ou amadores, antes vencerá quem mais rapidamente e melhor for capaz de mexer as pedras essenciais. Ou seja: o futuro próximo, e não só, estará diretamente plasmado nas movimentações a que vamos assistir e na linha diretriz que as irá orientar.

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