(Não, hoje não vou escrever sobre a pandemia, embora não
tenha a certeza se o tema não é indiretamente por ela inspirado. A convicção do
capitalismo foi sempre a de que o crescimento económico era uma espécie de lei
natural da evolução. Vale a pena estar atento
aos que começam a reunir argumentos fundamentados para colocar esse adquirido
em questão.
Embora possamos
encontrar raízes teóricas para o admitir, os economistas sempre tiveram algum
horror ao “estado estacionário” das economias. Poderemos situar esse estado nos
mecanismos que Marx designava de reprodução simples. A economia substitui
apenas capital que entra em obsolescência e não acrescenta capital para lá
desse limiar. Não vou discorrer sobre modelos de estado estacionário. O meu
ponto é que os economistas cedo encontraram razões fortes para não colocarem
esse cenário nas suas cogitações. O crescimento demográfico, pelo menos
enquanto não se falava de declínio, representava por si só uma garantia de
crescimento, mesmo com produtividade do trabalho constante. Para além disso,
quando nos modelos de crescimento o capital humano (a qualificação do trabalho
como algo suscetível de ser acumulado ao longo de gerações) irrompeu, mais uma
garantia surgiu para continuar a alimentar as perspetivas de crescimento. E,
mais recentemente (trinta anos, como o tempo passa), quando se duvidava do
excesso de virtudes do capital físico, a descoberta das ideias como fator de
crescimento e principalmente como bem não rival (a mesma ideia pode economicamente
ser utilizada por muitos agentes em simultâneo, resolvido que seja o problema das
patentes) escancarou as portas à ideia da inevitabilidade do crescimento.
Para além disso,
Schumpeter tinha-se encarregado de mostrar que a inovação (a procura e
mobilização de novas ideias para criar valor económico) era algo de intrínseco
ao capitalismo e à sua dinâmica concorrencial, acaso esta não seja viciosamente
coarctada. O que acrescentava força motora ao que parecia já suficientemente
robusto para justificar a natureza incessante do crescimento económico.
Nos anos 70, as
perspetivas mais ou menos catastrofistas sobre o esgotamento dos recursos
naturais e outros limites ecológicos e ambientais vieram trazer um cisne negro à
ideia da inevitabilidade do crescimento. Com base em estimativas que vieram a
revelar-se erradas, a tese dos Limites do Crescimento e do Crescimento Zero
tornou-se muito popular. Não pegou. Talvez nessa altura algo menos catastrofista
teria conseguido melhores resultados, preparando o sistema para uma mudança
adaptativa.
A Grande Recessão de
2007-2008, ou melhor a recuperação relativamente agónica que se lhe seguiu,
trouxe novas interrogações à inevitabilidade do crescimento. Tais interrogações
assumiram essencialmente duas direções, ambas documentadas e trazidas para o
debate neste espaço de reflexão. A primeira consistiu na emergência do tema da “Estagnação
Secular” (Secular Stagnation), cunhada por Larry Summers recuperando um artigo
do Alvin Hansen dos anos 30. É uma tese fortemente ancorada nos efeitos da
Grande Recessão e por isso mais datada do que a segunda a que me vou referir. A
segunda das interrogações, devida ao economista americano Robert Gordon, vai
fundo na desmistificação dos efeitos do progresso tecnológico sobre os níveis
de crescimento económico. Comparando vários períodos de inovação tecnológica na
economia americana que analisa com um rigor estimulante, Gordon desvaloriza
fortemente a ambição de crescimento que o capitalismo tem vindo a dedicar ao
brilho da revolução tecnológica atual, da robotização á inteligência artificial,
passando pelas maravilhas do digital.
Não são economistas
de circunstância que introduzem estes dois novos cisnes negros. Poderíamos
acrescentar-lhe alguns pensamentos de Paul Romer e sobretudo de Charles I.
Jones que mostraram que as ideias novas geradoras de valor na economia estão a
necessitar de cada vez mais investigadores (mais trabalho qualificado) para
gerar os mesmos resultados em termos de evolução. Estaremos perante os rendimentos
decrescentes da própria produção de ideias?
Mas até agora ainda
não tinha chegado a terreiro a ideia de que a estagnação económica (crescimento
a ritmos envergonhados) pode ser um sinal de sucesso do próprio capitalismo e
das economias que fazem mover a sua fronteira de progresso contínuo.
Dietrich Vollrath é
um economista americano, de ascendência alemã, Professor na Universidade de
Houston e que é co-autor da moderna edição de um dos mais populares manuais de
introdução ao crescimento económico, originalmente elaborado e sempre editado
pelo tal Charles I. Jones. Acaba de publicar : FULLY GROWN – Why a Stagnant Economy is a Sign of Success, na University of Chicago Press. Podemos integrá-la no
movimento que atrás descrevi, mas o argumento vai bastante além dos racionais
de Summers e de Gordon. É de uma espécie de rendimentos decrescentes do
capitalismo que se trata, não impulsionado por maleitas dos seus fatores de produção,
mas antes pelo seu próprio sucesso em matéria de realizações de bem-estar
material.
Vale a pena seguir
esta linha de argumentação em passos futuros e, sobretudo, relacioná-la com
dois limites até agora propositadamente mantidos de fora desta longa introdução:
a emergência climática e a pandemia, sim como não podia deixar de ser. Atentem no
caráter explosivo do encontro da tese de Volrath com estas duas novas ameaças.
A economia estrutural
é de facto uma área apaixonante e não me arrependo de nela continuar a navegar.
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