sábado, 2 de maio de 2020

SERÁ O CRESCIMENTO ECONÓMICO ALGO DE NATURAL?



(Não, hoje não vou escrever sobre a pandemia, embora não tenha a certeza se o tema não é indiretamente por ela inspirado. A convicção do capitalismo foi sempre a de que o crescimento económico era uma espécie de lei natural da evolução. Vale a pena estar atento aos que começam a reunir argumentos fundamentados para colocar esse adquirido em questão.

Embora possamos encontrar raízes teóricas para o admitir, os economistas sempre tiveram algum horror ao “estado estacionário” das economias. Poderemos situar esse estado nos mecanismos que Marx designava de reprodução simples. A economia substitui apenas capital que entra em obsolescência e não acrescenta capital para lá desse limiar. Não vou discorrer sobre modelos de estado estacionário. O meu ponto é que os economistas cedo encontraram razões fortes para não colocarem esse cenário nas suas cogitações. O crescimento demográfico, pelo menos enquanto não se falava de declínio, representava por si só uma garantia de crescimento, mesmo com produtividade do trabalho constante. Para além disso, quando nos modelos de crescimento o capital humano (a qualificação do trabalho como algo suscetível de ser acumulado ao longo de gerações) irrompeu, mais uma garantia surgiu para continuar a alimentar as perspetivas de crescimento. E, mais recentemente (trinta anos, como o tempo passa), quando se duvidava do excesso de virtudes do capital físico, a descoberta das ideias como fator de crescimento e principalmente como bem não rival (a mesma ideia pode economicamente ser utilizada por muitos agentes em simultâneo, resolvido que seja o problema das patentes) escancarou as portas à ideia da inevitabilidade do crescimento.

Para além disso, Schumpeter tinha-se encarregado de mostrar que a inovação (a procura e mobilização de novas ideias para criar valor económico) era algo de intrínseco ao capitalismo e à sua dinâmica concorrencial, acaso esta não seja viciosamente coarctada. O que acrescentava força motora ao que parecia já suficientemente robusto para justificar a natureza incessante do crescimento económico.

Nos anos 70, as perspetivas mais ou menos catastrofistas sobre o esgotamento dos recursos naturais e outros limites ecológicos e ambientais vieram trazer um cisne negro à ideia da inevitabilidade do crescimento. Com base em estimativas que vieram a revelar-se erradas, a tese dos Limites do Crescimento e do Crescimento Zero tornou-se muito popular. Não pegou. Talvez nessa altura algo menos catastrofista teria conseguido melhores resultados, preparando o sistema para uma mudança adaptativa.

A Grande Recessão de 2007-2008, ou melhor a recuperação relativamente agónica que se lhe seguiu, trouxe novas interrogações à inevitabilidade do crescimento. Tais interrogações assumiram essencialmente duas direções, ambas documentadas e trazidas para o debate neste espaço de reflexão. A primeira consistiu na emergência do tema da “Estagnação Secular” (Secular Stagnation), cunhada por Larry Summers recuperando um artigo do Alvin Hansen dos anos 30. É uma tese fortemente ancorada nos efeitos da Grande Recessão e por isso mais datada do que a segunda a que me vou referir. A segunda das interrogações, devida ao economista americano Robert Gordon, vai fundo na desmistificação dos efeitos do progresso tecnológico sobre os níveis de crescimento económico. Comparando vários períodos de inovação tecnológica na economia americana que analisa com um rigor estimulante, Gordon desvaloriza fortemente a ambição de crescimento que o capitalismo tem vindo a dedicar ao brilho da revolução tecnológica atual, da robotização á inteligência artificial, passando pelas maravilhas do digital.

Não são economistas de circunstância que introduzem estes dois novos cisnes negros. Poderíamos acrescentar-lhe alguns pensamentos de Paul Romer e sobretudo de Charles I. Jones que mostraram que as ideias novas geradoras de valor na economia estão a necessitar de cada vez mais investigadores (mais trabalho qualificado) para gerar os mesmos resultados em termos de evolução. Estaremos perante os rendimentos decrescentes da própria produção de ideias?

Mas até agora ainda não tinha chegado a terreiro a ideia de que a estagnação económica (crescimento a ritmos envergonhados) pode ser um sinal de sucesso do próprio capitalismo e das economias que fazem mover a sua fronteira de progresso contínuo.

Dietrich Vollrath é um economista americano, de ascendência alemã, Professor na Universidade de Houston e que é co-autor da moderna edição de um dos mais populares manuais de introdução ao crescimento económico, originalmente elaborado e sempre editado pelo tal Charles I. Jones. Acaba de publicar : FULLY GROWN – Why a Stagnant Economy is a Sign of Success, na University of Chicago Press. Podemos integrá-la no movimento que atrás descrevi, mas o argumento vai bastante além dos racionais de Summers e de Gordon. É de uma espécie de rendimentos decrescentes do capitalismo que se trata, não impulsionado por maleitas dos seus fatores de produção, mas antes pelo seu próprio sucesso em matéria de realizações de bem-estar material.

Vale a pena seguir esta linha de argumentação em passos futuros e, sobretudo, relacioná-la com dois limites até agora propositadamente mantidos de fora desta longa introdução: a emergência climática e a pandemia, sim como não podia deixar de ser. Atentem no caráter explosivo do encontro da tese de Volrath com estas duas novas ameaças.

A economia estrutural é de facto uma área apaixonante e não me arrependo de nela continuar a navegar.

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