(Henricartoon - Sapo)
(Ninguém imaginaria que as três figuras principais da
cena política em Portugal, que me perdoe Ferro Rodrigues, Presidente da República,
1º Ministro e Ministro das Finanças fossem voluntariamente protagonistas de uma
peça rasca. Qualquer esforço de atribuir o estatuto de “Je suis” a
qualquer uma das personagens é prova de muito mau gosto e de que não
compreenderam patavina da trapalhada em que nos quiseram envolver, fazendo-nos
de parvos. Não contem comigo para esse tipo de palhaçada.
O caso BES-Novo Banco ficará na história da democracia portuguesa como um
exemplo de desconchavo económico e político, e estou a afirmá-lo pensando, talvez
bondosamente, que a justiça portuguesa irá atenuar esse desconchavo com
sentenças corretas. Mas nada de fiar nessa matéria.
O desconchavo é o produto de três pontos críticos:
- Primeiro, porque o governo de Passos Coelho e o Banco de Portugal (lamento Carlos Costa mas a solução não foi apresentada com todos os seus riscos aos portugueses) se deixaram enlevar pelo experimentalismo suicida das instâncias comunitárias, transformando Portugal e o seu sistema bancário numa espécie de cobaia laboratorial para ver se dava certo aos senhores do dinheiro;
- Segundo, porque o governo de António Costa e Mário Centeno, assessorados na negociação para a venda do chamado Banco Bom pelo inenarrável Sérgio Monteiro (uma bela peça do governo de Passos Coelho) optaram por vender o Novo Banco em condições péssimas a uma instituição especializada em compras e vendas especulativas; se no primeiro ainda aceito que fosse difícil encontrar alternativas, nesta havia alternativas, desde o adiar da venda até a uma possível integração da Caixa Geral de Depósitos;
- Terceiro, porque a partir dessa venda o governo de António Costa e Mário Centeno tudo fizeram para esquecer essa decisão e sobretudo escamotear aos portugueses o que a decisão de venda (o contrato com o fundo comprador) representava em termos de responsabilidades do Estado português.
Por isso, estou-me nas tintas se Mário Centeno treme ou não quando pega no
telefone para falar ao 1º Ministro, se a conversa com o chefe do Governo é
fluida ou misteriosa, se o staff do 1º Ministro se relaciona abertamente ou não
com o Ministério das Finanças ou se Mário Centeno aspira ainda a uma nova via
para a sua felicidade. E dispenso bem as tentativas de Marcelo Rebelo de Sousa
para se erguer acima desta sequência de fatores críticos do desconchavo Novo
Banco. O Presidente teve tempo suficiente para se demarcar de toda esta falta
de transparência quanto às responsabilidades assumidas pelo Estado português ao
assumir o experimentalismo que lhe foi sugerido e as péssimas condições de
venda. Há sempre informação nova a surgir e chego rapidamente à conclusão que
em matéria de auditoria o mercado português está a precisar de uma limpeza
geral.
O título do Público assinado por Cristina Ferreira (não a da carinha laroca,
mas por uma jornalista que inspira confiança) é claríssimo: “Créditos problemáticos estiveram três anos “esquecidos”
do Novo Banco - Empréstimos que estão a ser vendidos com desconto a fundos – e
a gerar as injeções do Estado – foram ignorados até à entrada do Lone Star por
auditores, reguladores e Governo. António Ramalho, em 2016, descrevia uma
carteira de créditos sólida”.
Compreendo muita coisa mas detesto que me tomem por parvo ou papalvo.
Susana Peralta (link aqui) tem toda a razão quando vinca a necessidade de um
outro modelo de transparência para dar conta da alocação de fundos públicos a
estas trapalhadas do sistema financeiro. Ninguém me muda esta opinião. Se há de
facto setor que viveu escandalosamente acima das suas possibilidades é o
sistema bancário e financeiro. Fazendo alarde de competências e brilhantismo
internacional que só a falta de transparência conseguiu encobrir, quando
comparamos estas personagens com o mais humilde e indiferenciado empresário que
enfrenta os desafios de um mercado internacional agressivo o meu juízo balança
claramente para estes últimos.
Não sei se o hipocondríaco Marcelo está ou não afetado pelo risco pandémico
mas não lembraria ao diabo assumir o “Je suis Costa”. Quanto a este
último ignorar e querer dourar a pílula das pesadas responsabilidades que o
governo assumiu com a venda à Lone Star (e que comprador!) ofusca e não
clarifica as tais necessidades de transparência. Quanto a Centeno, imaginar que
deixar os estudos no Banco de Portugal para uma projeção nacional e europeia e
de repente querer pôr-se ao fresco para gozar a vida mais calmamente e ignorar
a sua própria participação na venda à Lone Star retira-lhe irremediavelmente
aquele “gravitas” de Estado que parecia estar a adquirir.
Por isto tudo, estou com aqueles que rejeitam qualquer tentativa de associação
a qualquer uma das três personalidades. Em democracia, o direito ao erro está naturalmente consagrado. Mas ocultar esses erros com diversões de pura
política, não está.
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