sexta-feira, 1 de maio de 2020

MISTÉRIO BOLSISTA



(Já há muito que as crónicas de Paul Krugman no New York Times não eram aqui comentadas. Razões que se combinam justificam essa ausência. Foco quase permanente no desconchavo Trump por parte de Krugman, o que justifica alguma distância por razões de equilíbrio. Necessidade de ir diversificando as referências de comentário da minha parte. É altura de contrariar essa tendência recente com a crónica de hoje (link aqui).

A tendência entre o jornalismo económico e também nalguma literatura mais académica inspirada por alguns pensamentos de Paul Samuelson sobre a matéria para considerar o comportamento da bolsa como uma espécie de “indicador avançado” do comportamento do produto das economias é bastante conhecida. Claro que nesta como noutras questões, enfrentamos sempre a dependência do que se passa na economia americana. E nem sempre a extrapolação da economia americana para o mundo é desprovida de riscos.

A invocação do poder preditivo das bolsas é sugestiva, pois como nela se cruzam grande parte dos tipos de comportamento que alimentam os mercados, de pânico, de contágio, de ganância, de expectativas diversas e combinadas, isso equivaleria a reforçar a ideia do poder inexorável desses mercados para controlar a economia e até indiretamente a ação dos governos. Todos ainda nos recordamos como em plena fase dura e penosa do ajustamento em Portugal papagaios de diferentes cores e proveniências nos martelavam a paciência todos os dias com a proclamação do dictat dos mercados.

Em teoria, esse pode preditivo funcionaria em ambos os tempos do ciclo. Em expansão anunciando processos especulativos e de booms em alguns setores económicos. Em clima mais recessivo, anunciando perdas futuras do produto. Claro que para economistas prestigiados como Schiller, por exemplo, a por ele estudada exuberância irracional dos mercados pode atirar por terra essa capacidade de antecipação e recomendar métodos mais robustos para antecipar o comportamento do produto real das economias.


O que Krugman nos traz na sua última crónica é a notícia de um mistério que se abate hoje sobre a economia americana. A já gigantesca incidência da crise sanitária do coronavírus nos EUA, com perspetivas diferentes acaso a consideremos no quadro global da grande dimensão da economia americana ou no quadro de determinados territórios (Nova Iorque, por exemplo) atirou o produto real americano para quedas brutais, já superiores à ocorrida na Grande Recessão de 2007-2008. E se completarmos o quadro com a devastação do desemprego então compreendemos a desorientação de Trump em querer reiniciar a qualquer preço a reabertura da economia americana, eleições oblige.



Ora, se a profecia das bolsas estivesse em alta, o comportamento da bolsa americana deveria estar a consagrar o primado previsional do financeiro. Não é isso o que se passa. Após alguma oscilação quando se percebeu que Trump iria pagar a desvalorização da crise sanitária, a bolsa americana regressou ao estado de antes do início da pandemia. O que Krugman nos anuncia é que haverá razões para justificar as razões da economia e da bolsa estarem desconectadas. Apesar da onda ainda gerada pelo ambiente de baixas taxas de juro, os investidores mantêm o interesse pelo investimento bolsista porque não terão neste momento outras oportunidades de investimento. E as baixas taxas de juro quererão simplesmente anunciar que a economia americana levará o seu tempo a recuperar deste abalo real. Acho que Krugman tem razão ao dizer-nos que esta desconexão não é de agora. Já há algum tempo as perspetivas de crescimento a longo prazo da economia americana são sombrias em termos de fatores estruturais do crescimento. Nem por isso foram anunciadas pelo retraimento dos investimentos bolsistas. Antes pelo contrário.

Como moral da história, Krugman diz-nos que, em vez de seguirmos obsessivamente o Dow Jones (exceto para os jogadores claro está), olhemos para a destruição de emprego e para as perspetivas animadoras ou sombrias da sua recuperação. Compreenderemos melhor o comportamento da economia real e iremos além dos pânicos, ganâncias e especulações.

Uma boa conclusão para estes tempos.


Sem comentários:

Enviar um comentário