(Em tempo de reabertura de livrarias, um artigo de Alberto
Manguel com este mesmo título desperta-me um conjunto de reflexões nostálgicas
sobre as livrarias da minha vida. Nostalgia que tem
o contraponto do primeiro café tomado em esplanada (na icónica praça de Caminha)
desde há praticamente três meses e da surpresa da revelação feita hoje pelo
governo espanhol de que o famigerado Ro está no valor de 0,2 em Espanha.
Alberto Manguel é uma alma sensível com um talento único para o tema das
bibliotecas e consequentemente um amante compulsivo de livrarias. Há duas obras
de leitura obrigatória neste campo: “A biblioteca à noite” e “Embalando a minha
Biblioteca”. Nem toda a gente teve a experiência de ler para o então já cego
Jorge Luís Borges e aprender com este a perspetiva crítica da leitura. A
crónica de hoje no El País é uma memória dinâmica das passagens de Manguel pelo
mundo, numa errância única que lhe permitiu conhecer livrarias incontornáveis e
sobretudo o universo de gente e sensibilidades que com ele se cruzou nesses
espaços.
Por isso, foi por reação natural que me vieram à memória as minhas próprias
recordações dos meus espaços livreiros de referência.
Comecemos pelas livrarias mais próximas.
A então Leitura de Fernando Fernandes está no topo das minhas memórias. A
Leitura desses tempos era o exemplo de uma livraria indissociável da presença
de alguém que a dirigia. O espírito tolerante e curioso de quem a dirigia andava
pelo ar e quantos livros foram comprados aos quais se podia juntar uma palavra
sensata ou um conselho de leitura que um bom bibliotecário deveria tornar
apenso ao registo dessa obra, porque aquele livro físico constituía com esse comentário
um todo indissociável. Essa atmosfera da Leitura de então perdeu-se, embora o
espaço físico tenha continuado até desaparecer totalmente.
No Porto não me fica mais nenhuma referência afetiva, visitei muitos
espaços, mas a ambiência humana é um pouco assética e a Lello é hoje demasiado turística
para meu gosto. Passei muitas vezes pela Latina, pela Bertrand, pela Almedina,
mas a memória afetiva por ali viajou sem qualquer amarra.
E tenho a livraria de bairro e de proximidade, a Velhotes, a duzentos
metros de minha casa. Long live life à Velhotes e que eu possa continuar a
visitá-la.
Por terras de Lisboa, as memórias têm-se ido à medida que vão fechando as
mais icónicas. A Ler Devagar é uma referência já europeia, mas a Bucholz
definhou à medida que fomos deixando de ser importunados pela voz estridente e
autoritária da senhora alemã que nos refreava do contacto mais próximo com os
livros. A Pó dos Livros fechou entretanto e lá se foi outra referência. A Sá da
Costa no Chiado sempre me pareceu demasiado bafienta para meu contento,
sobretudo a partir do momento em que a presença de Mário Soares se deixou fazer
de sentir. E a Bertrand no Chiado está para a Lello no Porto, a multidão torna
a intimidade da comunhão com o livro impossível.
A Marcial Pons em Madrid tem um patine que me agrada, que lhe é dado
sobretudo pela espantosa oferta diversificada de livros de história e a pequena
praça que a enquadra é preciosa. Continuo um cliente à distância. Tenho pena de
não ter nenhuma referência de livraria em Barcelona.
Em Bruxelas, a TROPISMES nas galerias perto da Grand Place faz parte das minhas
rotinas de visitante acidental por aquela cidade. Primeiro comprar, sentir a atmosfera
acolhedora dos espaços e depois uma cerveja e um aperitivo numa esplanada das
próprias galerias ou na Grand-Place. É das que tenho mais saudades. No outro
dia, por acaso, reabrindo um livro de que tive necessidade de consultar um
separador de leitura TROPISMES reavivou essa nostalgia.
Em Paris, as minhas referências já desapareceram, a PUF na Place de la
Sorbonne, substituída por uma loja de vestuário em 2006 e regressada uns anos
depois com a particularidade de poder editar em 5 minutos um livro e a François
Maspero que fechou em 1975. Persistem algumas referências como a Shakespeare
& Company na Rue de Bucherie, a Galignani na Rue Rivoli e a Eyrolles, mas
as memórias ficaram com as referências entretanto desaparecidas.
Outras referências fazem-me recordar as Feltrinelli de Milão e de Roma, a
City Light Bookshore em S. Francisco, a Blackwell e as WHSmith em Londres e as Barnes
and Noble de Nova Iorque (com as cafeterias então uma grande surpresa, hoje
mais banais).
Talvez esta nostalgia pelas minhas livrarias de referência em tempo de
desconfinamento gradual seja algo mórbida. Mas a crónica de Alberto Manguel é
que tem a culpa (link aqui).
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