sábado, 30 de maio de 2020

O VAZIO DA ESQUERDA NÃO EUROPEÍSTA


(Vale a pena estar atento ao modo como a esquerda portuguesa não europeísta tem recebido a iniciativa politicamente ainda não validada da Comissão Europeia para a reconstrução europeia no pós-pandemia. Mas dói perceber o vazio ensurdecedor que o não europeísmo criou à sua volta com reflexos para a sua própria integridade de juízo crítico).

Assim como historicamente o comunismo soviético se afastou do Plano Marshall que os americanos conceberam para colocar de novo a Europa numa rota de crescimento económico após a derrocada da Segunda Guerra Mundial, por razões identificadas com a necessidade de hegemonizar não necessariamente pelos métodos mais saudáveis o leste, também uma parte da esquerda portuguesa se colocou num caminho de não retorno relativamente à questão europeia de hoje. Reconhecer este afastamento não significa, de modo nenhum, ignorar o défice de pensamento crítico sobre os rumos tomados pela construção europeia pelos que se identificam como europeístas. Mas o que me parece óbvio é a incomodidade dessa posição, sobretudo para aquelas forças políticas que conseguem democraticamente votação suficiente para se fazerem representar nas cadeiras do Parlamento Europeu.

Se é verdade que alguns dos representantes dessa tendência, com o exemplo de José Pacheco Pereira, desenvolvem pensamento crítico que gostaria de ver melhor representado entre os europeístas portugueses, isso não invalida que mesmo os mais lúcidos e coerentes intérpretes dessa corrente se percam também no vazio absoluto da ausência de alternativas para contrapor às derivas que associam ao projeto europeu.

Uma vez mais esse vazio de posições alternativas veio cruamente à superfície a propósito dos comentários à histórica proposta da Comissão Europeia para a reconstrução pós pandemia, em princípio se os deuses o permitirem ativa a partir de 1 de janeiro de 2021. Desde os comentários de que os valores anunciados são “amendoins” face à dimensão e profundidade dos danos da crise económica até à ideia de que o plano virá acompanhado de abomináveis condicionalidades tudo serve para disfarçar o vazio da alternativa.

Estou decididamente entre aqueles que consideram que a única via possível e credível é a de uma crítica interna ao projeto sinuoso da construção europeia. O que me parece é que a esquerda não europeísta não tem alternativa a essa crítica interna. Para o tornar possível, teria que assumir que a viabilidade de um país com a dimensão como Portugal é possível no quadro atual da globalização quaisquer que sejam os rumos mais progressistas ou concentracionários que possa assumir no futuro. Ora uma de duas. Ou teriam que considerar que a globalização é totalmente reversível ou teriam que sobrevalorizar a capacidade de um pequeno país para contornar a sua influência. Ambas são posições insustentáveis. A reversibilidade plena da globalização pressuporia um contexto global das trocas internacionais que está longe de poder admitir-se positivo para o mundo como um todo e para os países de pequena dimensão em particular. Que o digam as massas de população (não em magnitude suficiente) que escaparam por essa via ao estigma da pobreza absoluta e o florescimento de classes médias em algumas das economias mais internacionalizadas. Por outro lado, a perspetiva desejável e reformista da globalização pressupõe uma aliança concertada e progressista e não a cedências aos cânticos do nacionalismo.

A esquerda não europeísta não tem alternativa porque inclusivamente perdeu a sua costela internacionalista ou mundialista, já que ruíram todas as tentativas de uma sindicalização à escala global.

As forças com assento parlamentar a nível europeu estão condenadas a disfarçar permanentemente a incomodidade de uma pretensa crítica por dentro das instituições e do modo de fazer comunitário. Sem alternativa, tal crítica por dentro equivalerá sempre ao que chamo crítica interna desse modelo. Por isso, como europeísta e crítico dos rumos mais recentes do projeto considero o seu pensamento e não o ignoro. Até porque não perdoo à social-democracia europeia o estado lamentável de cedência à ortodoxia económica na gestão macroeconómica da União. Mas que o vazio em que a esquerda não europeísta se deixou mergulhar é incómodo e ensurdecedor.

Nota final: ficaria bem a alguns dos nossos grupos empresariais que se consideram tão patriotas reconsiderar a localização das suas sedes fiscais num país governado por idiotas como os políticos holandeses atualmente no poder. E não me venham com a balela de que conhecem amigos próximos que não são assim e que gostam muito dos povos do sul. Em democracia, não há votantes bons ou maus. Há um resultado final e esse é que conta. E tenho de confessar que nunca me dei bem com calvinistas de sete costados.

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