(Vale a pena estar atento ao modo como a esquerda portuguesa
não europeísta tem recebido a iniciativa politicamente ainda não validada da
Comissão Europeia para a reconstrução europeia no pós-pandemia. Mas dói perceber o vazio ensurdecedor que o não europeísmo criou à sua
volta com reflexos para a sua própria integridade de juízo crítico).
Assim como historicamente o comunismo soviético se afastou do Plano
Marshall que os americanos conceberam para colocar de novo a Europa numa rota
de crescimento económico após a derrocada da Segunda Guerra Mundial, por razões
identificadas com a necessidade de hegemonizar não necessariamente pelos
métodos mais saudáveis o leste, também uma parte da esquerda portuguesa se
colocou num caminho de não retorno relativamente à questão europeia de hoje.
Reconhecer este afastamento não significa, de modo nenhum, ignorar o défice de
pensamento crítico sobre os rumos tomados pela construção europeia pelos que se
identificam como europeístas. Mas o que me parece óbvio é a incomodidade dessa
posição, sobretudo para aquelas forças políticas que conseguem democraticamente
votação suficiente para se fazerem representar nas cadeiras do Parlamento
Europeu.
Se é verdade que alguns dos representantes dessa tendência, com o exemplo
de José Pacheco Pereira, desenvolvem pensamento crítico que gostaria de ver
melhor representado entre os europeístas portugueses, isso não invalida que
mesmo os mais lúcidos e coerentes intérpretes dessa corrente se percam também no
vazio absoluto da ausência de alternativas para contrapor às derivas que
associam ao projeto europeu.
Uma vez mais esse vazio de posições alternativas veio cruamente à
superfície a propósito dos comentários à histórica proposta da Comissão Europeia
para a reconstrução pós pandemia, em princípio se os deuses o permitirem ativa
a partir de 1 de janeiro de 2021. Desde os comentários de que os valores
anunciados são “amendoins” face à dimensão e profundidade dos danos da
crise económica até à ideia de que o plano virá acompanhado de abomináveis condicionalidades
tudo serve para disfarçar o vazio da alternativa.
Estou decididamente entre aqueles que consideram que a única via possível e
credível é a de uma crítica interna ao projeto sinuoso da construção europeia.
O que me parece é que a esquerda não europeísta não tem alternativa a essa
crítica interna. Para o tornar possível, teria que assumir que a viabilidade de
um país com a dimensão como Portugal é possível no quadro atual da globalização
quaisquer que sejam os rumos mais progressistas ou concentracionários que possa
assumir no futuro. Ora uma de duas. Ou teriam que considerar que a globalização
é totalmente reversível ou teriam que sobrevalorizar a capacidade de um pequeno
país para contornar a sua influência. Ambas são posições insustentáveis. A
reversibilidade plena da globalização pressuporia um contexto global das trocas
internacionais que está longe de poder admitir-se positivo para o mundo como um
todo e para os países de pequena dimensão em particular. Que o digam as massas de
população (não em magnitude suficiente) que escaparam por essa via ao estigma
da pobreza absoluta e o florescimento de classes médias em algumas das
economias mais internacionalizadas. Por outro lado, a perspetiva desejável e
reformista da globalização pressupõe uma aliança concertada e progressista e
não a cedências aos cânticos do nacionalismo.
A esquerda não europeísta não tem alternativa porque inclusivamente perdeu
a sua costela internacionalista ou mundialista, já que ruíram todas as tentativas
de uma sindicalização à escala global.
As forças com assento parlamentar a nível europeu estão condenadas a
disfarçar permanentemente a incomodidade de uma pretensa crítica por dentro das
instituições e do modo de fazer comunitário. Sem alternativa, tal crítica por
dentro equivalerá sempre ao que chamo crítica interna desse modelo. Por isso,
como europeísta e crítico dos rumos mais recentes do projeto considero o seu pensamento
e não o ignoro. Até porque não perdoo à social-democracia europeia o estado lamentável
de cedência à ortodoxia económica na gestão macroeconómica da União. Mas que o
vazio em que a esquerda não europeísta se deixou mergulhar é incómodo e
ensurdecedor.
Nota final: ficaria bem a alguns
dos nossos grupos empresariais que se consideram tão patriotas reconsiderar a
localização das suas sedes fiscais num país governado por idiotas como os políticos
holandeses atualmente no poder. E não me venham com a balela de que conhecem
amigos próximos que não são assim e que gostam muito dos povos do sul. Em democracia,
não há votantes bons ou maus. Há um resultado final e esse é que conta. E tenho
de confessar que nunca me dei bem com calvinistas de sete costados.
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