segunda-feira, 25 de maio de 2020

CAPABILITIES (TAKE 3)

(in How and Why should we study the "economic complexity?", Esteban Ortiz-Ospina e Diana Beltekian, Our World in Data, link aqui)


(Depois de ter percorrido as abordagens em termos de capabilities inspiradas nos contributos de Amartya Sen, das ciências da organização e da gestão estratégica, é tempo hoje de fechar essa invocação com abordagens de natureza mais macro, que poderíamos designar de capabilities nacionais de produção. Reconhecendo que não é tarefa fácil, senão mesmo impossível, estabelecer nexos de relação entre tais inspirações, talvez me atreva, noutro post que não no de hoje, a ensaiar uma aplicação deste material à questão de momento: que capabilities mobilizou ou construiu Portugal para assegurar o desempenho que tem tido na cruzada pandémica?”.

A ideia de capabilities nacionais de produção representa um salto considerável sobretudo se tomarmos como confronto a associação do conceito à gestão estratégica e às ciências da organização. O interesse por esse salto, independentemente da rede de segurança com que ele é concretizado, responde a uma preocupação ou questão orientadora que podemos reportar ao advento da economia política. O que é que explica o desempenho económico diferenciado das nações? Adam Smith confrontou-se com essa questão seminal e a resposta a essa questão é bem mais complexa do que a vulgarização banal da “mão invisível”. Várias tentativas foram ensaiadas de beber nessa fonte inspiração relevante. Todos na minha geração vibraram com a Vantagem Competitiva das Nações de Porter e ainda me lembro bem de um estudo pioneiro sobre a Área Metropolitana do Porto, com amigos de sempre como o Manuel Guilherme Costa e o Alberto Castro, em que trazíamos para a questão territorial em Portugal essa inspiração de Michael Porter.

O desempenho diferenciado das nações sempre atormentou e fascinou os economistas e podemo-lo dizer hoje que tem campo possível de extensão a outros domínios de capabilities que não apenas as de produção. Por exemplo, porque não aplicar o referencial ao desempenho diferenciado dos países quanto à resposta à pandemia?

Nos tempos mais recentes, são sobretudo dois economistas que trabalham no Center for International Development da Harvard Kennedy School, uma das mais prestigiadas escolas de administração pública (Universidade de Harvard), que têm confrontado a academia com as perspetivas simultaneamente mais interessantes e elaboradas. Os nomes desses economistas Ricardo Hausmann (venezuelano e pelo qual compreensivelmente Nicolas Maduro não morre de amores) e César Hidalgo (link aqui do artigo inaugural).

O que é particularmente atrativo na invocação do conceito de capabilities por estes economistas para explicar o desempenho económico diferenciado das nações é a associação que eles realizam entre o domínio dessas capabilities e a complexidade económica. De certo modo, os dois economistas transportam para os tempos de hoje a invocação da complexidade como fator de êxito económico que Adam Smith consumava quando relacionava o nível de desenvolvimento económico com o estádio de desenvolvimento da divisão interna do trabalho.

O que me atrai menos na abordagem, de Hausmann e Hidalgo é o facto deles partirem dos resultados das pretensas capabilities possuídas ou desenvolvidas para os recursos ou combinatórias de recursos que as sustentam e não o contrário. Sem vos querer maçar numa noite quente de verão como esta que nos aguça o desejo de uma bebida fresca numa esplanada, o Índice de Complexidade Económica que permite algumas quantificações nesta matéria é produto de duas dimensões conjugadas: (i) a diversidade de produtos que um dado países é capaz de associar à sua frente de exportação e (ii) a chamada ubiquidade dos produtos integrantes do cabaz de exportações (número de países que conseguem replicar em mercado externo os produtos exportados por aquele país. Quanto mais diversificada for a sua base de exportação e menos ubíqua ela for (mais inimitável por outros países) maior será o tal Índice de Complexidade Económica. É comum a metáfora dos restaurantes: o ICE classificará em cima os restaurantes com um menu mais diversificado e simultaneamente mais irrepetível por outros restaurantes.

A invocação da complexidade como fator aferidor da qualidade do desempenho económico tem obviamente outros desenvolvimentos, dos quais talvez o mais promissor seja o concretizado por Hidalgo que associa à complexidade a de redes concretizadas no espaço de produção. Não é altura de integrar tais elementos pois eles afastar-me-iam do meu propósito essencial, avaliar se na abordagem das capabilities à la Haussmann e Hidalgo temos matéria de aplicação ao desempenho diferenciado dos países em matéria de resposta pandémica (conjugação das abordagens sanitária, política e económica).

Quedo-me com uma reflexão final de algum desencanto com o foco colocado nos resultados da complexidade (a diversidade e a ubiquidade das exportações) e não nos recursos e capabilities que tornam possível a construção dessa complexidade. Ninguém é perfeito.

Sem comentários:

Enviar um comentário