(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)
Talvez guiado por uma ocorrência próxima, que não vem ao caso, acordei assaltado pela pujante intensidade que intimamente guardara da leitura de um excerto de Olga Tokarczuk, a Nobel de 2019 que já aqui referenciei em post de 29 de dezembro. Fui recuperá-lo ao repleto baú das minhas memórias intemporais. Reza como segue: “É assim que ela vê as coisas: a vida no planeta é propulsionada por uma força poderosa contida em cada átomo de matéria viva. É uma força para a qual não existe, por enquanto, qualquer evidência física, uma força que não consegue ser captada nem nos microscópios mais precisos, nem nas fotografias do espectro atómico. É algo que consiste em empurrar, impulsionar para a frente, ultrapassando constantemente aquilo que realmente é. É um motor que estimula a mudança, uma energia cega e poderosa. Atribuir-lhe um propósito ou uma intenção seria um mal-entendido. Darwin interpretou-a como podia e sabia, mas não tinha razão. Não se tratava de uma seleção natural, de uma luta pela sobrevivência, de uma vitória ou capacidade de adaptação dos mais fortes. Qual concorrência, qual carapuça! Quanto mais experiente se tornava como bióloga e quanto mais meticulosamente observava os complicados sistemas e ligações no seio do biossistema, tanto mais se convencia de que a sua intuição estava certa – tudo o que está vivo entreajuda-se no crescimento e na expansão, apoiando-se mutuamente. Os organismos vivos entregam-se uns aos outros e permitem que outros se sirvam deles. A existência de rivalidade é um fenómeno local, uma perturbação do equilíbrio. É verdade que os ramos das árvores se empurram uns aos outros para ficarem expostos à luz, que as suas raízes fazem corridas para chegarem primeiro às fontes de água, que os animais se devoram uns aos outros, mas existe nisto uma espécie de harmonia que, para o homem, é horripilante. Podemos ter a impressão de sermos atores no palco teatral de um grande corpo, onde as guerras que travamos não passariam de guerras civis. Isto – pois que outro nome lhe poderemos dar? –, isto vive, tem milhões de caraterísticas e qualidades, de tal modo que abarca tudo e não há nada que lhe possa ser extra; cada morte faz parte da vida e, em certo sentido, não há morte. Não há engano. Não há culpados nem inocentes, não há méritos nem pecados, nem bem nem mal – quem inventou estas noções, induziu os homens em erro.” Maravilhosa complexidade, arrasadora pequenez!
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