segunda-feira, 11 de maio de 2020

A CONTRAOFENSIVA DOS DETRATORES DO AMBIENTE

(Imagem da Democrata Alexandra Ocasio-Cortez apresentando o Green Deal)

(A máxima do “vi um porco a andar de bicicleta” aplica-se que nem ginja à política americana. Quanto pior a imaginamos, mais ela nos surpreende e, por isso, cada vez mais nos espantamos menos. Ora, quando a crise pandémica anunciava boas condições para reconsiderar de uma vez por todas a questão ambiental e climática, eis que os Republicanos se saem com esta: imaginem a partir do fechamento da economia imposto pela pandemia o que ela será com o Green Deal! Estupidez sublime e digna da frase de Bradford DeLong, “worst and most corrupt political party in the world”.)

Sabemos como a economia americana é um paraíso para os detratores de uma abordagem consistente à emergência climática, promovendo a sua descarbonização e estabelecendo gradualmente novos modos de vida nas mais abrangentes dimensões. Amantes dos combustíveis fósseis, condição de valorização das suas imensas reservas, o gigante americano alinha tacitamente nessa orientação com os gigantes emergentes, não porque disponham de reservas imensas, mas pelo facto da sua emergência como protagonistas da economia mundial exigir a manutenção de elevados ritmos de crescimento económico. Ora, o crescimento económico elevado gera por inércia obstáculos à introdução de outros padrões de modelos ambientais, já que como qualquer outra transição estrutural, exige períodos de adaptação normalmente pouco propícios a altos ritmos de crescimento.

A chegada de Trump ao poder limitou-se a refirmar posições que vinham detrás, simplesmente tornou menos disfarçada essa oposição e mais ostensiva a defesa da inércia ambiental, sempre com o negacionismo a enquadrar a maioria das posições.

Quando começaram a chegar as imagens das Cidades vazias, do tráfego reduzido à mínima expressão, da melhoria brutal dos índices de poluição e também das icónicas invasões pacíficas dos animais reocupando espaços vazios urbanos, muita gente suspirou que tragicamente a pandemia tinha vindo sinalizar a salvação do mundo em termos ambientais e de combate à emergência climática. Como tenho vindo a sublinhar, a tese do crescimento zero como solução para o esgotamento irreversível dos recursos naturais e descarbonização da economia é velhinha, tem 50 anos e picos e, se afinarmos a investigação, podemos até ir mais atrás e buscar referências nessa onda. Uma outra coisa bem diferente e que também já assinalei neste blogue é a tendência estrutural do próprio capitalismo para gerar baixas taxas de crescimento. Isso pode acontecer porque o progresso tecnológico já não é o que era quando comparado com revoluções tecnológicas do passado (Robert Gordon). Ou também, tese mais ambiciosa e recente (a de Dietrich Volrath), porque os níveis de satisfação material dos mais ricos estão no seu limite, só podendo gerar situações de La Grande Bouffe (Marco Ferreri, 1973).

Tenho grandes dúvidas se a batalha ambiental e climática poderá ser vencida com mensagens de crescimento zero ou similares. 

Por isso, como seria de esperar os Republicanos americanos (link aqui) já descobriram o furo e a sublime estupidez vem sempre ao de cima. O argumento consiste em utilizar os efeitos devastadores do “lockdown” económico determinados pelo confinamento sanitário como antevisão dos efeitos da revolução do Green Deal. Conhecemos as pressões económicas em todo o mundo para a reabertura da economia, mesmo enfrentando riscos mais ou menos sérios consoante os países de intensificação do contágio. Não é difícil imaginar as diferenças entre forçar a abertura com uma ameaça real, a pandemia, e o seu reforço perante uma ameaça não tão pressionante como a da emergência climática. E tudo isto no meio de uma refrega eleitoral, os Democratas como porta-vozes do Green Deal e os Republicanos como os amantes da inércia dos combustíveis fósseis. Estes últimos tenderão a reforçar os apelos à recuperação económica e a atribuir aos Democratas o maior interesse na descarbonização do que na criação de empregos.  
Por conseguinte, maus e pouco lavados lençóis para afirmar uma nova consciência ambiental, a qual deverá ser trabalhada em torno do debate sobre o novo modelo de crescimento, a taxas moderadas, já que esse é contexto estrutural em que o capitalismo viverá nos próximos anos.

Noutro plano, o amigo João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente salientava há dias num debate televisivo com Humberto Rosa da Comissão Europeia e António Mexia da EDP que a resposta à pandemia traz por si só ameaças a algumas dimensões de uma resposta inteligente à emergência climática. É o caso dos descartáveis que terão uma fortíssima pressão de utilização por questões securitárias, trazendo consigo recuos que esperemos não sejam irreversíveis em termos de padrões de circularidade na sociedade portuguesa. Longe vão os tempos em que na pobreza generalizada se viam imagens de sacos de plásticos a secar ao sol depois da lavagem para reutilização.

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