(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)
(José María Nieto, http://www.abc.es)
Agora que tudo se afundou de uma forma tão brutal – refiro-me ao turismo que tanto animou a malta nas últimas décadas em geral e na última delas muito em particular –, seria lúcido se parássemos para pensar friamente e com algum sentido estratégico. Não que eu me conte entre os furiosos críticos do setor (vejam-se os turismofóbicos cartunes acima), tal como ele se nos apresentava antes da crise pandémica; mas sim porque haverá seguramente motivos de reflexão a retirar de textos exagerados como o que Miguel Sousa Tavares escreveu em setembro passado a pretexto da necessidade (ou não) de um novo aeroporto em Lisboa (NAL).
Cito o dito. Primeiro nas suas entradas à matador: “O NAL, dizem-nos, é absolutamente necessário e urgente para dar resposta ao fluxo expectável e sempre em crescendo, do número de turistas que esperamos que continuem a visitar-nos nos próximos anos, décadas e séculos, até ao fim dos tempos. Curiosamente, este é um argumento tanto dos que defendem o Montijo já como dos que defendem Alcochete logo: não se pode parar o crescimento do turismo, o que significaria, segundo António Costa, ‘comprometer fortemente a dinâmica de crescimento do país’. Eu oiço este discurso há 40 anos e foi em nome dele e da ‘dinâmica de crescimento do país’ que assisti, por exemplo, à vandalização do Algarve. A aposta na quantidade não apenas descaracterizou quase toda uma região como obrigou necessariamente a uma estratégia de fuga em frente que fez baixar drasticamente a qualidade da oferta e da procura, sem, todavia, acarretar, longe disso, um correspondente aumento de receitas. Porque aquilo que se torna mau tem de se vender mais barato.”
Depois, mais condescendente: “Felizmente, nos últimos anos — e muito mais por iniciativa privada do que por políticas públicas pensadas — a oferta turística em Portugal começou a contemplar outras geografias, outro tipo de produtos e, sobretudo, outro tipo de abordagens. Pelo país fora proliferam uma quantidade de iniciativas louváveis e de grande qualidade que, em muitos casos, têm sido uma boia de salvação contra o abandono do interior. E seria de uma imensa má-fé não reconhecer o que o turismo fez de bom pela verdadeira reconstrução de cidades como Lisboa e Porto e algumas outras também, arrancadas de um marasmo que se diria imutável para sempre. Não tenho dúvida de que foi essa nova atitude, que soube aproveitar diversas circunstâncias externas favoráveis, que ajudou em grande parte o sector privado a aguentar-se no ground zero para que a falência do Estado o empurrou.”
Por fim, voltando à carga: “Mas todos sabemos que há um preço a pagar e que em alguns casos, como o da habitação no centro das cidades, ele já está a ser pago. A menos que se acredite, como me dizia há tempos um taxista entusiasmado, que os habitantes de Lisboa e Porto deveriam ser todos expulsos para a periferia e as cidades deixadas só para os turistas e respetivos serviços de apoio, é óbvio que haverá cada vez mais um conflito latente entre os direitos dos cidadãos e as expectativas da indústria turística. O exemplo dos grandes paquetes carregados de turistas é um caso para meditação: ficamos todos contentes quando, num mesmo dia, quatro paquidermes flutuantes amarram em Lisboa e vomitam 20 mil turistas pela zona nobre da cidade, entupindo o trânsito e fazendo as delícias de taxistas, tuk-tuks e vendedores de souvenirs. Mas, no fim do dia, eles nem jantam nem dormem, a receita que deixam é mínima face ao transtorno que causam e à despesa feita pelo município para os receber, paga pelos impostos de quem cá vive. Vale a pena? Barcelona, Veneza, Dubrovnik, as ilhas gregas são exemplos, onde estive recentemente e onde nunca mais voltarei a não ser por razões de trabalho, de lugares outrora mágicos e hoje devastados por hordas de turistas vagueantes à procura da selfie perfeita, despejados como gado de charters e navios, tentando acreditar que estão em viagem e felizes. Bom, estão no seu direito. E quem os recebe e fatura com eles, também. São direitos incontestáveis. Mas as cidades também são feitas de outras pessoas, não apenas turistas e comerciantes do turismo. No dia em que as ideias do meu taxista forem doutrina inquestionável (e já faltou mais) as cidades estarão mortas, os países estarão mortos. Seremos apenas uma Disneylância servida por aeroportos e portos para levar e trazer gente que não mora aqui.” Ou seja, e moral da história em causa: “Deem-me todas as razões para um novo aeroporto, menos a da necessidade de ter de receber cada vez mais e mais turistas, sem fim à vista”.
Vem tudo isto a propósito de uma web conference em que participei, dias atrás e por via de um amável convite da “Publituris” e indicação do Luís Pedro Martins (o enérgico e muito capaz presidente da “Turismo do Porto e Norte de Portugal”), com vista a ajudar a refletir sobre o futuro do setor, com especial enfoque na Região. Não sendo alguém particularmente entendido/especializado na matéria, lá fui dizendo de minha justiça do alto de uma transposição de conhecimentos provenientes de qualificações acumuladas em outras áreas, assim como de uma experiência profissional diversa e de uma sensibilidade feita da observação atenta de factos e tendências e da incorporação adicional de elementos provenientes da dimensão consumidora que me prezo de ter adquirido com alguma expressão desde que o meu pai me meteu num Interrail há quase cinquenta anos e assim me entranhou um vício que nunca mais me largou e me fez calcorrear mil e uma paragens deste mundo.
Ao contrário de outras vezes, não tinha uma cábula construída para o meu speech. Recorro, por isso, a uma utilização livre do que a própria organização achou por bem retirar do que ouviu da minha boca, numa peça que arrancava assim: “voltar à normalidade e às tendências que se verificavam no Turismo em Portugal será algo difícil de acontecer; repensar estratégias e alterar diagnósticos anteriores é um dos caminhos apontados por FFS” ou, ainda, “o economista mostrou-se cauteloso nas suas previsões para a retoma no turismo em Portugal .[“gostava muito, mas não me parece que vamos ter nos próximos meses, por muitos Clean & Safe que tenhamos, por muitos cuidados e esforços que desenvolvamos, um regresso minimamente comparável àquilo que alguns mais otimistas ainda esperam para as nossas cidades e territórios”] e apontou para a necessidade de ser ‘fundamental manter vivo o que for possível e pôr toda a energia na procura das respostas mais eficazes possíveis à conjuntura presente’”.
Repescaram em seguida uma outra ideia, que traduziram do seguinte modo: “afirmou também não estar certo de que ‘o diagnóstico anterior que fazíamos sobre o turismo em geral em Portugal e em particular no Porto e Norte não estivesse eivado de algum excesso de triunfalismo que acaba por se tornar prejudicial se não for posto em devido contexto, sobretudo na medida em que nós racionamos na base da retoma de algo que tinha dimensões de carácter relativamente excecional e, se calhar, irrepetíveis no futuro próximo’”. Ou seja, “o diagnóstico anterior, sendo um diagnóstico essencialmente justo para o que foi o trabalho feito pelos vários responsáveis e operadores do setor privado e público, talvez esteja ainda assim demasiado empolado em termos de triunfalismo”, o que foi ilustrado com o papel das low costs e de certos acontecimentos produzidos em alguns territórios de destino que permitiram desvios a nosso favor ou com premiações hiperpublicitadas mas largamente motivadas por razões pontuais e específicas do foro concorrencial.
E prosseguiram: “considerou que não vai existir um regresso à normalidade que conhecíamos e que ‘se houver algum tipo de novo normal esse será mais novo do que normal’; tal significa que se não fizermos algum exercício de trabalho fora da caixa, corremos o risco de estar sempre a racionar na base do regresso a tendências que não são realistas e expectáveis em tempos muito próximos”. Nesse sentido, terei então apontado como estratégia a aposta em “produtos novos e mais agregados” na base de uma ”cooperação interna e inter-regional”, ou seja, a importância de os trabalhar no imediato a partir de uma exploração fina do mercado nacional: “o mercado nacional vai ser o melhor teste que podemos ter nesta matéria, servindo como teste-piloto para aquilo que poderá vir a ser apresentado no próximo ano ao mercado internacional” e “há várias coisas na agregação dos produtos que seria importante ensaiar na perspetiva de, correndo bem, poderem ser readaptadas e vendidas para os mercados internacionais nos próximos anos.” Turismo de natureza, zonas do Interior mais ou menos profundo e ditas de baixa densidade, experiências menos novas ricas por esse País adentro, imaginava eu na minha pobre cabeça...
Antes de concluir, e para além de aspetos associados a apoios financeiros que aqui não desenvolverei, ainda terei acrescentado que, devendo o foco ser colocado num Plano A moderadamente otimista como o principal e aquele em que ponhamos os ovos quase todos, “não excluiria que trabalhássemos também num Plano B que não seja assente num regresso relativamente rápido à normalidade, como por exemplo a ideia de protelarmos tendências interessantes mais para a frente do que a Páscoa do próximo ano”, designadamente tendo em conta que determinado tipo de variáveis não podem ser devidamente avaliadas de momento (“sabemos que a nossa capacidade de resposta sanitária foi até agora razoável, ou até acima da média da maior parte dos nossos congéneres, mas não sabemos o que é que vai ser disso, que tipo de repercussões é que podem provir de possíveis inflexões pandémicas”) e, nessa perspetiva, “não poria demasiada carga em verdades que possam ser contrariadas num futuro próximo”, “salvaguardaria algum recuo que não nos deixe completamente desolados e incapazes de responder” e “por essa razão, trabalharia mais prudentemente produtos numa perspetiva nacional do que internacional”.
Ficaram assim os conselhos possíveis, apenas centrados em algum bom senso e na confiança que tenho em gente capaz e esforçada que anda às voltas com o problema que aí está, nas suas terríveis manifestações micro e macro. Sobretudo pensando em Lampedusa e na sua tão celebrada máxima segundo a qual algo deve mudar para que tudo continue como está. Algo em que seria um erro acreditar e, às tantas, um caminho de perdição.
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