(El País)
(Na minha errática aproximação ao castelhano sou
confrontado por vezes com expressões que fazem as minhas delícias. Foi o caso
esta semana de uma expressão que surgiu nos jornais espanhóis a propósito do
confronto entre dois PP (Partido Popular) que é cada vez mais aberto à medida
que a sociedade espanhola vai sendo minada pelo ruído político e da “calle”. Curiosamente, foi Nuñez
Feijoo, líder galego, e cada vez mais porta-voz de um PP que não se revê no
estilo de oposição de Casado e sus muchachas, que esteve na origem da súbita
expressão mediática daquela expressão)
A expressão “perder los papeles” talvez seja mais delicada do que a nossa “andar
aos papéis”, mas o significado é próximo. A história política desta semana
conta-se em poucas palavras. A porta-voz do PP, Caetana Álvarez de Toledo,
amiga dos sete costados de Pablo Casado e sua apoiante da primeira hora, tem um
estilo deveras azougado e de língua afiada preparada para toda a batalha verbal
em que a política espanhola está totalmente mergulhada. Como sempre acontece em
personagens desta envergadura, que se esgotam no esgrima do chiste e do combate viperino e de faca na liga, em
ambientes estimulantes para esse estilo de fazer política, como o que define
hoje a sociedade espanhola, só por sorte divina é que após vinte ou mais
chistes do mais viperino possível se compreende uma racional orientador de toda
aquela bravata. O estilo de oposição do PP é hoje assim. Erradamente persuadido
de que o eleitorado interessado em despachar a atual coligação PSOE – Unidas Podemos
consegue nesta onda viperina encontrar uma alternativa que o sossegue, o PP tem
sido confrontado com as nuvens negras de uma possível irrelevância.
Esta semana, a porta-voz do PP resolveu mergulhar fundo nas questões do independentismo
basco (que segundo a última sondagem conhecida vale apenas 12% do eleitorado
basco) e classificar de “terrorista” o pai de Pablo Iglésias (líder do Unidas
Podemos). Javier Iglésias foi militante das FRAP (Frente Revolucionária
Antifascista e Patriótica) durante o franquismo e estava na prisão quando
aquele grupo político foi atribuído um conjunto de atos terroristas. Nuñez Feijoo,
líder galego e cada vez protagonista de um outro PP e de uma outra estratégia
de oposição, veio a terreiro afirmar que Caetana (a Marquesa, segundo Pablo
Iglésias) tinha perdido “los papeles” com aquele tipo de intervenção.
Mas a crónica de hoje não é linguística ou de semântica política. O que eu
simplesmente acho é que a política espanhola perdeu literalmente “los
papeles” e está mergulhada numa chinfrineira de ruídos, dos quais a língua
viperina de Caetana Álvarez de Toledo é uma principiante bondosa quando
comparada com a agressividade da “calle y en coche” que a extrema-direita
do VOX protagonizou nos últimos dias em Madrid.
A ensaísta Remedios Zafra assinava ontem no El País (link aqui) um excelente artigo
sobre a multiplicação desgovernada do ruído como forma de ação política e sobre
o seu confronto com as verdadeiras proezas da sociedade espanhola (da
investigação, dos ensaios clínicos, da reflexão em curso que transformará a
criatividade nos próximos tempos, o trabalho coletivo, a cooperação e tantas
outras). Por sua vez, António Muñoz Molina (link aqui) analisava da sua varanda na capital
espanhola o contraste entre a ruidosa concentração automóvel da manifestação do
VOX e a manhã calma do sábado de 23 de maio numa Madrid ainda em desconfinamento
muito gradual.
Se o problema político da Espanha fosse apenas o PP “perder los papeles”
isso teria sérias consequências para a direita espanhola mas certamente
alternativas no interior do PP tenderiam a emergir. O problema é que praticamente toda a política
espanhola está nessa via, com toda a série de interações e reações que tende a
gerar até ao ruído final de uma nova crise política.
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