(O jornalista Fernando Salgado, que tive o prazer de
repetidas vezes reencontrar nas minhas incursões profissionais pela Galiza, é
um homem sensato que podemos inserir num vasto grupo de intelectuais e
jornalistas que se identificam com a questão galega na perspetiva do PSOE e da
sua afiliação em torno do PSG (o PSOE galego). A sua crónica de hoje na VOZ de GALICIA adquire nesse contexto um
significado mais amplo e tomo devida conta da sua metáfora.
A crónica de Fernando Salgado (link aqui) tem por mote o desgoverno governamental que
vai grassando pela vizinha Espanha, numa sucessão infinda de casos e
contra-casos diários e não estou a falar, pelo menos diretamente, de casos
pandémicos.
Vale a pena citar o início da sua crónica:
“Barco à deriva
O barco com bandeira espanhola navega à deriva, com mais
entradas de água no seu casco do que um queijo gruyère. Chocou com um iceberg
que não estava nas cartas de navegação e a água inunda os camarotes,
especialmente os de terceira classe.
Perante uma tragédia de tal magnitude, o capitão está
numa trajetória de derrota. Não é o responsável pela catástrofe, mas antes da
sua gestão e da operação de resgate. E também dos erros inevitáveis, alguns de
grande porte e imperdoáveis, como descongelar a contra-reforma laboral prevista
em tempos da velha normalidade, o que supõe, entre outros efeitos perniciosos,
dificultar a chegada do indispensável auxílio europeu.
O capitão acaba mal quando o barco encalha. As crises –
como sucedeu com a de 2008 – tendem a varrer governos qualquer que seja a sua
orientação e condição. Caem como fruta madura ou como fruta podre, mas caem. Se
isto é assim, porque é que os oficiais do nosso barco, amotinados contra o
usurpador do cargo, têm agora tanta pressa para derrubar o capitão, sem sequer esperar
que a tormenta amaine? (…)”
Já me vieram à mente várias metáforas para descrever o que sinto quando
todas as manhãs percorro os principais jornais espanhóis, da esquerda à direita
e, sempre que possível, procurando inteirar-me das múltiplas impressões que
emergem do mosaico espanhol a desconfinar a velocidades muito diferenciadas. Com
a Galiza e o País Basco a pensar já em eleições, a Catalunha enterrada nas suas
próprias contradições (estranhamente o franjinhas Puigdemont parece ter
desaparecido da atualidade comunicacional), Madrid em polvorosa numa direita
que não se entende e com a restante Espanha um pouco atónita pela impotência
que grassa no país.
O conjunto imenso de sinuosidades que a ação governamental tem enfrentado e
ela própria promovido nos seus equilíbrios internos instáveis e nos fogachos de
negociações com os parceiros mais inesperados (até o Bildu basco foi chamado à
liça deixando o próprio PNV perfeitamente aturdido). Bem sei que o iceberg não
estava indicado na carta de navegação, como o diz Salgado, mas o que tem saído
das vozes e imaginação dos seus principais membros está para além do imaginável
pelo mais comum dos mortais. E o que é impressionante é que a perturbação
atinge até os mais sóbrios e que eu esperaria ver resguardados das tontices
mais flagrantes. Há dias em afirmação produzida à Radio Siete, a vice-Presidente
do Governo saiu-se com esta acerca da letalidade pandémica em Espanha: Nova Iorque,
Madrid, Teerão e Pequim estão praticamente em linha reta.
A perceção de Salgado tem importância pois é elaborada a partir do campo de
ideias que apoiaria em princípio um governo PSOE. Outro significado e alcance
tem o sempre virulento Barreiro- Rivas pois a sua perceção é elaborada a partir
de fora desse entorno: “ (…) E por isso chegamos
à conclusão de que uma coligação contraditória e desleal entre o PSOE e o UP,
apoiada por uma maioria instável e incoerente, formada pelos maiores inimigos
do país e do bem-estar, misturada com nacionalismos e localismos, e incapaz de
formular o mais mínimo acordo económico e social contra a crise que está aí à
porta, era, não apenas a melhor saída entre as possíveis, mas a mais desejada
por uma gente que, no uso da sua santa liberdade, leva cinco anos a construir parlamentos
ingovernáveis e a gerar gulosas oportunidades para os líderes mais patifes e
temerários da Eurásia. (…)” (link aqui).
Neste naufrágio vejo progressivamente o modelo da Espanha das Nações a mostrar
diariamente a sua inviabilidade, pois não haverá melhor situação de teste à
governação multinível do que este que a vizinha Espanha está neste momento a
testar. A escolha democrática dos Espanhóis tem prevalecido e eternizado o
problema. Às vezes penso que se produziu em Espanha uma estranha convergência
histórica de lideranças temerárias e o desaparecimento também estranho de
lideranças mais sensatas.
Tão intensa e extrema a vizinha Espanha.
History matters … e de que maneira.
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