sexta-feira, 22 de maio de 2020

E COMO VAMOS DE CORONA?

(A partir de um excelente artigo de Matthew Iglesias no Vox sobre a situação americana, link aqui)


(Nos últimos dias a pandemia tem estado poucas vezes presente nas minhas crónicas, pelo menos diretamente e trabalhando sobre o acompanhamento da vastíssima informação produzida no mundo sobre o assunto. Interroguei-me sobre as razões que determinaram essa distanciação moderada. A explicação mais plausível é a do meu convencimento de que isto está para durar e daí a reação quase instintiva de que vale mais a pena revisitar o assunto com parcimónia do que com ele ficar obcecado.

Com um campo de observação sistemático que vai para três meses, na maior parte das minhas curvas já estou para lá dos 80 registos diários, é hoje possível identificar quatro grandes estratégias de abordagem às incidências e ao putativo controlo da pandemia:
  •      A abordagem de intervenção/contenção rápida e atempada, testagem generalizada, confinamento musculado, fecho de fronteiras que evoluiu em alguns países para objetivos de “eliminação” do vírus;
  •        A abordagem de intervenção atempada com o objetivo de aplanamento das curvas de infetados e de mortes diárias, procurando proteger os sistemas de saúde de uma pressão incontrolável, acompanhada de processos de desconfinamento gradual e progressivo;
  •       A abordagem que visava a chamada imunidade de grupo, com confinamentos pouco musculados e aposta em alguns casos em modelos de regulação do distanciamento social mais determinados por modelos culturais vigentes do que por normativos rígidos e repressivos;
  •      A desvalorização da abrangência e da letalidade da pandemia com toda a série de criatividades macabras.
Destes modelos de abordagem sabemos que quem desvalorizou o fenómeno sujeitou a sua população a uma penalização letal, simplesmente atenuada pelo facto dos casos mais evidentes se terem processado em países de grande dimensão (EUA e Brasil, por exemplo). A massa de infetados não pode ser escamoteada pelas macaquices (com desculpas aos macacos) de Trump e Bolsonaro. A incidência per capita de infeção e morte pode ser ocultada ou pelo menos disfarçada dada a grande dimensão dos países. O caso da Rússia não é caso de macaquices, mas algo não terá corrido bem em termos de controlo.

Outra conclusão que parece evidente é que, três meses passados, a abordagem da imunidade de grupo não convenceu ninguém, embora honestamente deva recordar que prognósticos só no fim do jogo. Não sabemos o curso final das restantes abordagens. Mas como abordagem de condução médica e política do processo revelou-se de grande fragilidade. As experiências mais conhecidas foram praticamente todas forçadas a infletir as condições de confinamento musculando-as, podendo dizer-se que existiram casos de países que conviveram melhor com altas letalidades de infetados do que outros (Suécia versus Reino Unido, por exemplo).

Os casos mais exitosos e até mediáticos são os que acabaram por evoluir no sentido da eliminação e não apenas mitigação. Os casos mais badalados são os de Hong-Kong, Taiwan, Coreia do Sul e Nova Zelândia. É difícil construir uma teoria explicativa geral para estes casos. Aparentemente, são países que confinaram dura e rapidamente, com grande capacidade de se fecharem e, pelo menos no caso de Hong-Kong, com uma situação política interna desfavorável, o que parece não ter sido obstáculo. O objetivo eliminação terá conduzido a métodos de acompanhamento de casos e da sua história que permitiram conter rapidamente a propagação e tornar possível o objetivo eliminação. Com uma situação típica de rendimentos crescentes, os que aprenderam mais rapidamente serão os mais capazes futuramente a reagir, estes países colocam-se numa posição muito favorável para responder a qualquer reincidência por importação.

Onde encontramos maior diversidade de situações e até interrogações (o que parece paradoxal dada a grande aceitação que esta abordagem teve) é na chamada abordagem ao aplanamento da curva de infetados e de mortes diários.

Portugal encaixou-se favoravelmente bem neste tipo de abordagem mas isso não significa o melhor dos mundos. Portugal é um caso bem-sucedido em termos de pressão sobre o sistema público de saúde (com uma percentagem de internados muito baixa e a ocupação das unidades de cuidados intensivos muito controlada). Mas a taxa de infeção é relativamente elevada (também favorecida pela grande capacidade de testagem que o país revelou, o que incomodou por aí muitos arautos da desgraça) e a taxa de letalidade sobretudo entre os mais velhos mostra como a desvalorização equivale a suicídio coletivo. Outros países encaixaram-se mal, seja pela sua própria dimensão que potencia a massa de infetados sobretudo em regiões mais densas e de grande exposição ao exterior, seja por atrasos na organização para o confinamento, seja por elevados custos de transação na decisão política (caso paradigmático da Espanha). O aplanamento da curva permite inclusivamente a possibilidade de ganhar tempo para melhor capacitar o sistema de saúde (a chamada subida da linha do aplanamento).

Mas não esqueçamos que a estratégia do aplanamento não se concretiza sem riscos e interrogações. A primeira diz respeito à base do planalto, ou seja, a sua duração. Sim, a curva aplana mas por quanto tempo? Taxas de crescimento em torno de 1% de infetados aumentam obviamente em termos continuados a massa de infetados e para uma taxa não muito baixa de letalidade de infetados o número de mortes não para de aumentar, controladamente, mas aumenta.

Por isso, a questão da duração do aplanamento interessa, mesmo que essa situação de planalto com taxas de variação de infetados entre 0,5 e 1% facilite a retoma da atividade económica. Nesse contexto, será mais fácil atacar rapidamente surtos como o de Azambuja nas instalações da SONAE. A duração prolongada do planalto retira os media da informação de fogo diário, mas para os mais atentos o seu longo prolongamento tende a reduzir a confiança na retoma e a prolongar a crise económica.

Mas a situação também suscita vantagens, uma das quais é permitir incorporação de novo conhecimento nas terapias de controlo da doença, à medida que se vai conhecendo melhor os estragos que o vírus provoca.

Ora, como é difícil que um país que apostou com êxito no aplanamento possa passar para uma estratégia de eliminação, já que as capabilities que mobilizou e treinou dificilmente podem ser mobilizadas em favor da abordagem mais radical da eliminação, as minhas expectativas vão no sentido do prolongamento e não me convencem os que começam a encolher os ombros e proclamar que haveremos todos de entrar em contacto com o vírus. Sim, é provável, mas com mortes que bastem. E não chegou ainda o desafio maior, que consistirá em manter o planalto com abertura de fronteiras. Por outro lado, não encontro qualquer evidência científica de que o vírus esteja a circular mais enfraquecido.

Por agora, desta varanda de Seixas sobre o rio Minho e sobre Caminha a calma é quase total, com 19 infetados, apenas. Mas quando os Espanhóis aparecerem por aí …

A abertura dos aeroportos colocará outra série de problemas.

Planalto sim, mas em guarda permanente. Toda a minha lógica de geração de expectativas me leva a pensar que isto está para durar.

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