(Não abundam por
aí as explicações fundamentadas quanto ao incremento do populismo na política. A associação do problema aos chamados
perdedores da globalização continua a parecer-me uma das mais sólidas…)
Está longe de estar disponível uma teoria geral, coerente e acabada do
surto de populismo que tem emergido nas democracias ocidentais, do leste da
Europa aos Estados Unidos da América, passando pela Europa. Entre outros
aspetos, parece-me que os populismos do leste europeu estão mal estudados,
talvez porque domine pior os antecedentes históricos desse fenómeno nesses
países, em que certamente o contexto religioso da Polónia e as derivas da
Hungria terão pouco de comum entre si.
Nas sociedades que nos são culturalmente mais próximas, dois fenómenos
devem ser mencionados como as mais consistentes explicações para o surto de
populismo: primeiro, o modo como as democracias ocidentais e as políticas económicas
não foram capazes de reconhecer entre as suas sociedades a existência de perdedores
da globalização e de propor medidas corretivas e compensatórias dessa perda;
segundo, a crise de representação dos principais partidos políticos dos interesses
das populações, uma perda que se vem acentuando em plano inclinado, consumidos
pela luta política interna e pela reprodução do chamado aparelhismo. Está por
fazer a ligação consistente entre as duas derivas, o que aumentaria a
probabilidade de estarmos próximos de uma teoria explicativa mais global do
populismo. Até lá, teremos de nos bastar com os desenvolvimentos de cada uma
das explicações.
Nos últimos tempos, determinado sobretudo pelas posições antiglobalização
assumidas por Trump e negociadas unilateralmente e sem escrutínio democrático
com grandes empresas, tem sido a vertente dos perdedores da globalização que
tem sido mais trabalhada. É um tema relevante, pois subjacente ao mesmo, está a
divergência de comportamento da desigualdade da distribuição do rendimento a nível
nacional e a nível da economia mundial. Nesta última, a globalização tem operado
a melhoria da distribuição do rendimento, por força dos efeitos positivos sobre
a pobreza e sobre as classes médias das economias emergentes. Nas economias
nacionais, pelo contrário, a combinação de globalização e progresso técnico,
que não é propriamente fácil dissociar, o reforço da desigualdade é sobretudo
alimentada pelos perdedores da globalização.
A economia mundial de mercado atravessa assim uma crise de racionalização. Os
recuos da globalização são disso a melhor evidência, cavando-se uma fratura que
pode ser definitiva entre a posição dos Estados-nação e das empresas
metaglobais.
Compreensivelmente, casa assaltada, trancas à porta. Os economistas começam
a discutir os mecanismos que podem compensar os perdedores da globalização,
numa tentativa algo desesperada de, pelo menos, não comprometer o nível atual,
mesmo que estagnado, da integração económica mundial. Mas a conflitualidade que
emerge na escolha fundamentada desses mecanismos exigirá um longo tempo de
maturação para lá chegar (vejam-se os contributos de Gavyn Davies aqui e de Danny Leipziger aqui). O problema sério é que os eleitores que integram esse universo
de perdedores não parecem disponíveis para esperar por essa maturação. O seu
sentido de voto nas eleições americanas esclarece que estão dispostos a lutar
por medidas mais discricionárias e de nacionalismo dificilmente considerável de
“responsável”. Assim sendo, parece que a realidade política irreversível vai
sobrepor-se à maturação do conhecimento. Não é a primeira vez. E sabemos as
consequências.
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