terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O POPULISMO E OS PERDEDORES DA GLOBALIZAÇÃO




(Não abundam por aí as explicações fundamentadas quanto ao incremento do populismo na política. A associação do problema aos chamados perdedores da globalização continua a parecer-me uma das mais sólidas…)

Está longe de estar disponível uma teoria geral, coerente e acabada do surto de populismo que tem emergido nas democracias ocidentais, do leste da Europa aos Estados Unidos da América, passando pela Europa. Entre outros aspetos, parece-me que os populismos do leste europeu estão mal estudados, talvez porque domine pior os antecedentes históricos desse fenómeno nesses países, em que certamente o contexto religioso da Polónia e as derivas da Hungria terão pouco de comum entre si.

Nas sociedades que nos são culturalmente mais próximas, dois fenómenos devem ser mencionados como as mais consistentes explicações para o surto de populismo: primeiro, o modo como as democracias ocidentais e as políticas económicas não foram capazes de reconhecer entre as suas sociedades a existência de perdedores da globalização e de propor medidas corretivas e compensatórias dessa perda; segundo, a crise de representação dos principais partidos políticos dos interesses das populações, uma perda que se vem acentuando em plano inclinado, consumidos pela luta política interna e pela reprodução do chamado aparelhismo. Está por fazer a ligação consistente entre as duas derivas, o que aumentaria a probabilidade de estarmos próximos de uma teoria explicativa mais global do populismo. Até lá, teremos de nos bastar com os desenvolvimentos de cada uma das explicações.

Nos últimos tempos, determinado sobretudo pelas posições antiglobalização assumidas por Trump e negociadas unilateralmente e sem escrutínio democrático com grandes empresas, tem sido a vertente dos perdedores da globalização que tem sido mais trabalhada. É um tema relevante, pois subjacente ao mesmo, está a divergência de comportamento da desigualdade da distribuição do rendimento a nível nacional e a nível da economia mundial. Nesta última, a globalização tem operado a melhoria da distribuição do rendimento, por força dos efeitos positivos sobre a pobreza e sobre as classes médias das economias emergentes. Nas economias nacionais, pelo contrário, a combinação de globalização e progresso técnico, que não é propriamente fácil dissociar, o reforço da desigualdade é sobretudo alimentada pelos perdedores da globalização.

A economia mundial de mercado atravessa assim uma crise de racionalização. Os recuos da globalização são disso a melhor evidência, cavando-se uma fratura que pode ser definitiva entre a posição dos Estados-nação e das empresas metaglobais.

Compreensivelmente, casa assaltada, trancas à porta. Os economistas começam a discutir os mecanismos que podem compensar os perdedores da globalização, numa tentativa algo desesperada de, pelo menos, não comprometer o nível atual, mesmo que estagnado, da integração económica mundial. Mas a conflitualidade que emerge na escolha fundamentada desses mecanismos exigirá um longo tempo de maturação para lá chegar (vejam-se os contributos de Gavyn Davies aqui e de Danny Leipziger aqui). O problema sério é que os eleitores que integram esse universo de perdedores não parecem disponíveis para esperar por essa maturação. O seu sentido de voto nas eleições americanas esclarece que estão dispostos a lutar por medidas mais discricionárias e de nacionalismo dificilmente considerável de “responsável”. Assim sendo, parece que a realidade política irreversível vai sobrepor-se à maturação do conhecimento. Não é a primeira vez. E sabemos as consequências.

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