quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

O MICROFONE INTRUSIVO




(Já não tinha dúvidas de que o meu colega, amigo e ministro Augusto Santos Silva era a personalidade mais camiliana do Governo e até do PS. Mas o bate boca com ministro Vieira da Silva, apanhado nas malhas de um microfone intrusivo a comparar a concertação social à negociação numa feira de gado, ultrapassa todas as evidências e põe-me a pensar)

Não lembraria ao diabo que para elogiar o trabalho insano do ministro Vieira da Silva fosse necessário erguê-lo à qualidade de negociante férreo de uma feira de gado. Imagina-se que o bate boca poderia ter sido travado com outro elemento masculino do Governo. Não consigo imaginar tal conversa com uma Francisca Van Dunem, uma Maria Manuel Leitão Marques ou uma Constança Urbano de Sousa ou mesmo Ana Paula Vitorino. As imagens mostram que o bate boca foi uma forma desajeitada de felicitar o ministro responsável pelo acordo na concertação social, com a presença tutelar de Ferreira o homem dos eventos no PS. Por outro lado, não anteciparia que Augusto Santos Silva fosse tão conhecedor do ambiente negocial de uma feira de gado, mas tenho de concordar que a sociologia é um mundo fascinante, sobretudo quando combinada com o espírito camiliano de que tem dado provas. Fico com curiosidade em imaginar o que pode ter sido o ambiente da última negociação na concertação social. A minha experiência é pobre na matéria. Já tive o prazer de estar numa reunião da concertação no edifício do Restelo, mas apenas para apresentar um relatório que serviria de base a um pronunciamento do Conselho, ainda sob a presidência do saudoso e sempre heterodoxo Dr. Silva Lopes. Se extrapolássemos, indevidamente diga-se, o tom desta conversa denunciada pelo microfone intrusivo, ficaríamos com a ideia de que temos um Governo rijo. Mas mesmo reconhecendo o tom por vezes camiliano do discurso do ministro tenho alguma dificuldade em imaginar a génese do bate boca. Há quem diga que o poder é afrodisíaco, isso explicaria algumas vidas políticas de longa duração. Mas que o poder estimulasse a linguagem camiliana é algo curioso.

Felizmente, em linha com o nível elevado que a sua prestação no Governo tem atingido, o Augusto Santos Silva cortou rente a especulação, pediu desculpa pela liberdade de linguagem e partiu para outra. Mas fica a curiosidade, reconheço que algo mórbida, acerca de outras metáforas utilizadas para elogiar as prestações públicas de outros ministros.

Sem comentários:

Enviar um comentário