(É com o mais
profundo respeito que sigo as vicissitudes do povo iraquiano, primeiro sofrendo
os efeitos do autoritarismo de Saddan, depois enfrentando a ofensiva do Estado
islâmico, aberta pelo vazio que se seguiu à queda do ditador. Pois, pelo relato mais recente da New
Yorker, outros perigos devastadores estão na calha para tão martirizada
população…)
Os deuses têm sido impiedosos e inclementes para a população iraquiana.
Historicamente, a clivagem Sunitas versus Xiitas sempre constituiu um barril de
pólvora. Os Curdos sempre representaram uma fonte de instabilidade adicional. O
foco construído das armas de destruição maciça colocou o Iraque na mira das
armas e da invasão da coligação ocidental, apostada em derrubar o ditador
Saddam Hussein. A que se seguiu um longo vazio de poder. A formação de um país
periclitante e as brechas abertas lançaram vastas zonas do país sob a
influência do Estado islâmico. O espelho fiel da incapacidade ocidental de
mexer sem estragar em universos que não domina e não manejáveis por categorias abstratas e ocidento-cêntricas.
Perante tamanha intensidade de desgraça, esperar-se-ia que os deuses fossem
mais clementes. Porém, a antecipação de uma crónica da New Yorker da família de
“A Reporter at Large”, a publicar na
edição de 2 de janeiro de 2017, sugere que a população iraquiana, pelo menos a
que reside na área de influência da cidade de Mosul, também ela vivendo as
agruras da guerra contra o Estado Islâmico, correrá riscos bem maiores do que
os da guerra.
Que perigos estão no horizonte?
A reportagem de Dexter Filkins para a New Yorker fala simplesmente da
barragem/dique mais perigoso do mundo, o de Mosul e dos riscos de rompimento
que a infraestrutura hoje apresenta. Os riscos de rompimento resultam segundo o
jornalista da NY de uma má localização que obriga a contínuas e sistemáticas
intervenções preventivas e as condições desfavoráveis para que essas
intervenções tenham a regularidade e a eficácia necessárias para suster o
problema. A infraestrutura é gigantesca: cerca de 13 quilómetros de comprimento
no rio Tigre e uma massa de água gigantesca estimada em 11 mil milhões de pés
cúbicos (cada pé cúbico equivale a cerca de 28,317 litros). Segundo relatos da
engenharia americana, uma série de brechas estão abertas na infraestrutura
entre as quais a água circula, ameaçando a estabilidade global da mesma. O
risco de desastre assume proporções tsunâmicas de uma onda bíblica que pode
arrasar o entorno de Mosul e que se estima poder em quatro dias atingir Bagdad
depois de arrasar tudo no seu caminho incluindo a capacidade agrícola da
Região.
Estranha clivagem enfrenta a população iraquiana: fugir da guerra ou do
dilúvio?
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