terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O IRAQUE DE TODOS OS DESASTRES




(É com o mais profundo respeito que sigo as vicissitudes do povo iraquiano, primeiro sofrendo os efeitos do autoritarismo de Saddan, depois enfrentando a ofensiva do Estado islâmico, aberta pelo vazio que se seguiu à queda do ditador. Pois, pelo relato mais recente da New Yorker, outros perigos devastadores estão na calha para tão martirizada população)

Os deuses têm sido impiedosos e inclementes para a população iraquiana. Historicamente, a clivagem Sunitas versus Xiitas sempre constituiu um barril de pólvora. Os Curdos sempre representaram uma fonte de instabilidade adicional. O foco construído das armas de destruição maciça colocou o Iraque na mira das armas e da invasão da coligação ocidental, apostada em derrubar o ditador Saddam Hussein. A que se seguiu um longo vazio de poder. A formação de um país periclitante e as brechas abertas lançaram vastas zonas do país sob a influência do Estado islâmico. O espelho fiel da incapacidade ocidental de mexer sem estragar em universos que não domina e não manejáveis por categorias abstratas e ocidento-cêntricas.

Perante tamanha intensidade de desgraça, esperar-se-ia que os deuses fossem mais clementes. Porém, a antecipação de uma crónica da New Yorker da família de “A Reporter at Large”, a publicar na edição de 2 de janeiro de 2017, sugere que a população iraquiana, pelo menos a que reside na área de influência da cidade de Mosul, também ela vivendo as agruras da guerra contra o Estado Islâmico, correrá riscos bem maiores do que os da guerra.

Que perigos estão no horizonte?

A reportagem de Dexter Filkins para a New Yorker fala simplesmente da barragem/dique mais perigoso do mundo, o de Mosul e dos riscos de rompimento que a infraestrutura hoje apresenta. Os riscos de rompimento resultam segundo o jornalista da NY de uma má localização que obriga a contínuas e sistemáticas intervenções preventivas e as condições desfavoráveis para que essas intervenções tenham a regularidade e a eficácia necessárias para suster o problema. A infraestrutura é gigantesca: cerca de 13 quilómetros de comprimento no rio Tigre e uma massa de água gigantesca estimada em 11 mil milhões de pés cúbicos (cada pé cúbico equivale a cerca de 28,317 litros). Segundo relatos da engenharia americana, uma série de brechas estão abertas na infraestrutura entre as quais a água circula, ameaçando a estabilidade global da mesma. O risco de desastre assume proporções tsunâmicas de uma onda bíblica que pode arrasar o entorno de Mosul e que se estima poder em quatro dias atingir Bagdad depois de arrasar tudo no seu caminho incluindo a capacidade agrícola da Região.

Estranha clivagem enfrenta a população iraquiana: fugir da guerra ou do dilúvio?

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