sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

OS ACORDOS




(A questão dos lesados do BES e o aumento do salário mínimo em sede de concertação social fecham o ano em termos de iniciativa governamental, ambos constituem comunicacionalmente um instrumento de consolidação da solução governativa, mas estou com António Lobo Xavier quando neles encontra uma forte dualidade em matéria de boas práticas de governação…)

A questão dos lesados do BES, para além de ter contribuído para as agruras de envelhecimento e consumição do meu amigo Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, representou em seu devido tempo uma alucinada convergência de iliteracia financeira, de pouca vergonha e vigarice descarada, de ganância pelo ganho fácil, de primária exploração da sanha sensacionalista dos media e da própria fragilidade do sistema financeiro português. Como cidadão totalmente imunizado face ao canto da sereia dos produtos financeiros, que deles foge como o diabo da cruz, estou em crer que no grupo dos lesados teremos por certo especuladores e outros especialistas, dando também de barato que no grupo estará gente de boa-fé, sem informação, que cedeu ao charme de um gestor ou de uma gestora de conta, pressionado(a) pela necessidade de cumprir objetivos. Incomoda-me profundamente que esta distinção não tenha sido concretizada e que possamos estar a comprometer recursos públicos para resolver os problemas dos mais esclarecidos e informados. Mas estou com António Lobo Xavier, quando ele se foca na má prática de apresentação mediática de uma solução que aparentemente tem o acordo da associação de lesados, negociada pelo amigo do peito de António Costa, mas cujos contornos escapam ao mais avisado e informado cidadão. Nestas comunicações, só se ouve que o dinheiro dos contribuintes está a salvo e não será tocado, mas tal qual história do Pedro e do lobo acho que já ninguém acredita nesta música celestial. Não é de facto uma boa prática apresentar uma solução como bondosa (e não estou a rejeitar a ideia de que ela o seja) sem que todos os seus pormenores de negociação e compromisso sejam devidamente apresentados. E de facto fica no ar a ideia de que o BES é mercearia fina: condescendência que bastou até ao estouro final e pressupostamente um tratamento diferenciado para com os investidores nesse desvario. O que dirá o governador do Banco de Portugal de tudo isto?

Claro que para os lesados que brandiram nas ruas a sua raiva e se mexeram por todos os cordelinhos possíveis ficará um governo que lhes minimizou o problema. Quem imaginaria há um ano esta possibilidade?

Já quanto ao acordo em sede de concertação social celebrado em torno do aumento do salário mínimo para 557 euros e das compensações em matéria de redução da TSU oferecidas às empresas, estou também com António Lobo Xavier quando ele o considera uma prova de coragem política. Do ponto de vista dos princípios, estarei mais perto da CGTP do que do acordo alcançado, pois me parece que poderemos pagar caro as reduções de TSU em termos de sustentabilidade futura da segurança social. Mas, no plano das realizações concretas e da necessidade de compatibilizar a subida do salário mínimo com a manutenção de condições nas empresas para o investimento e para o crescimento económico, a negociação impulsionada pelo ministro Vieira da Silva é sábia. Aliás, o nó górdio desta solução de governação com apoio parlamentar à esquerda está na compatibilização de condições de crescimento com o programa reivindicativo do acordo à esquerda. Não é seguramente a solução perfeita, pois essa deveria ser encontrada num outro ritmo de crescimento da produtividade. Mas enquanto a variável da produtividade não se transformar em algo de mais amigável para a redistribuição possível, teremos de levantar o chapéu à solução encontrada. A CGTP esbracejou e vociferou um pouco, talvez tenha exagerado na ideia de chantagem patronal. Mas o Governo ao tomar posição e comprometer-se perante todos e mostrando que não está refém de um acordo parlamentar à esquerda afirmou uma posição que marcará o futuro. E neste caso não houve número mediático com informação oculta para mais tarde ser revelada às pinguinhas. Uma boa prática e valorização quanto baste da concertação social, também uma boa estreia para Correia de Campos.

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