(A questão dos
lesados do BES e o aumento do salário mínimo em sede de concertação social
fecham o ano em termos de iniciativa governamental, ambos constituem comunicacionalmente um
instrumento de consolidação da solução governativa, mas estou com António Lobo Xavier
quando neles encontra uma forte dualidade em matéria de boas práticas de
governação…)
A questão dos lesados do BES, para além de ter contribuído para as agruras de
envelhecimento e consumição do meu amigo Carlos Costa, governador do Banco de
Portugal, representou em seu devido tempo uma alucinada convergência de iliteracia
financeira, de pouca vergonha e vigarice descarada, de ganância pelo ganho fácil,
de primária exploração da sanha sensacionalista dos media e da própria
fragilidade do sistema financeiro português. Como cidadão totalmente imunizado face
ao canto da sereia dos produtos financeiros, que deles foge como o diabo da
cruz, estou em crer que no grupo dos lesados teremos por certo especuladores e
outros especialistas, dando também de barato que no grupo estará gente de boa-fé,
sem informação, que cedeu ao charme de um gestor ou de uma gestora de conta,
pressionado(a) pela necessidade de cumprir objetivos. Incomoda-me profundamente
que esta distinção não tenha sido concretizada e que possamos estar a
comprometer recursos públicos para resolver os problemas dos mais esclarecidos
e informados. Mas estou com António Lobo Xavier, quando ele se foca na má prática
de apresentação mediática de uma solução que aparentemente tem o acordo da
associação de lesados, negociada pelo amigo do peito de António Costa, mas
cujos contornos escapam ao mais avisado e informado cidadão. Nestas comunicações,
só se ouve que o dinheiro dos contribuintes está a salvo e não será tocado, mas
tal qual história do Pedro e do lobo acho que já ninguém acredita nesta música
celestial. Não é de facto uma boa prática apresentar uma solução como bondosa (e
não estou a rejeitar a ideia de que ela o seja) sem que todos os seus pormenores
de negociação e compromisso sejam devidamente apresentados. E de facto fica no
ar a ideia de que o BES é mercearia fina: condescendência que bastou até ao estouro
final e pressupostamente um tratamento diferenciado para com os investidores nesse
desvario. O que dirá o governador do Banco de Portugal de tudo isto?
Claro que para os lesados que brandiram nas ruas a sua raiva e se mexeram
por todos os cordelinhos possíveis ficará um governo que lhes minimizou o problema.
Quem imaginaria há um ano esta possibilidade?
Já quanto ao acordo em sede de concertação social celebrado em torno do
aumento do salário mínimo para 557 euros e das compensações em matéria de redução
da TSU oferecidas às empresas, estou também com António Lobo Xavier quando ele
o considera uma prova de coragem política. Do ponto de vista dos princípios, estarei
mais perto da CGTP do que do acordo alcançado, pois me parece que poderemos
pagar caro as reduções de TSU em termos de sustentabilidade futura da segurança
social. Mas, no plano das realizações concretas e da necessidade de compatibilizar
a subida do salário mínimo com a manutenção de condições nas empresas para o investimento
e para o crescimento económico, a negociação impulsionada pelo ministro Vieira
da Silva é sábia. Aliás, o nó górdio desta solução de governação com apoio parlamentar
à esquerda está na compatibilização de condições de crescimento com o programa
reivindicativo do acordo à esquerda. Não é seguramente a solução perfeita, pois
essa deveria ser encontrada num outro ritmo de crescimento da produtividade. Mas
enquanto a variável da produtividade não se transformar em algo de mais amigável
para a redistribuição possível, teremos de levantar o chapéu à solução encontrada.
A CGTP esbracejou e vociferou um pouco, talvez tenha exagerado na ideia de
chantagem patronal. Mas o Governo ao tomar posição e comprometer-se perante todos
e mostrando que não está refém de um acordo parlamentar à esquerda afirmou uma
posição que marcará o futuro. E neste caso não houve número mediático com
informação oculta para mais tarde ser revelada às pinguinhas. Uma boa prática e
valorização quanto baste da concertação social, também uma boa estreia para
Correia de Campos.
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