(A linguagem pode
não ser a mais apropriada para a atmosfera do Natal, mas a prosa de Robert
Skidelsky está para além das conveniências, talvez todos os economistas devessem sobre ela refletir…)
Robert Skidelsky, biógrafo incontornável de Keynes, profusamente mencionado
neste blogue, economista prestigiado e membro da British House of Lords, não poupa na contundência das palavras para
expressar o seu repúdio pelo naufrágio alegre com que os economistas têm respondido
à divergência entre a inércia do pensamento económico e as exigências da
realidade.
O artigo do economista inglês no Project Syndicate vai na linha do grupo restrito de economistas que não têm
hesitado em reconhecer que o rei vai nu em matéria do contributo que os
economistas podem hoje oferecer à economia e ao seu melhor funcionamento. Skidelsky
ironiza sobre a medida da impotência e da ignorância que a invocação da
necessidade de reformas estruturais efetivamente representa, pois os desafios são
tamanhos e demasiado diversificados para poderem ser acomodados pelo termo reforma
estrutural, o qual não tem entre os economistas a mesma conotação e conteúdo. Nos
últimos tempos, os desafios multiplicam-se e a complexidade decorre de muitos
deles estarem conexionados.
Assim, sob a cobertura do manto de uma recuperação muito mais lenta do que
o esperado face ao descalabro de 2007-2008, temos uma mistura de problemas: as economias
avançadas apresentam sintomas de estagnação secular, este sim, um verdadeiro
problema estrutural; a globalização recua, as cadeias de valor globais parecem
ter encolhido e ninguém consegue forjar uma saída positiva para essa globalização;
os impactos negativos dessa globalização misturam-se de novo com as ameaças tecnológicas
destruidoras de emprego, repondo hoje historicamente a fobia de outros tempos
para com os avanços da tecnologia, hoje representadas nos riscos da robotização,
mesmo admitindo que está ainda muito longe a emergência da última inovação
humana; a desigualdade intensificada nas economias mais maduras e avançadas
conflitua abertamente com a melhoria da desigualdade a nível mundial, puxada
pela redução da pobreza e pela afirmação de classes médias nas principais
economias emergentes; os dogmas da política monetária têm caído um após outro,
desde a ideia peregrina de que o ciclo económico e a turbulência tinham sido
finalmente domesticados, até à independência dos bancos centrais e ao retorno à
ideia de que a política fiscal, apesar das suas impurezas políticas, não está
morta, antes pelo contrário; o instrumento fundamental de trabalho dos
economistas, os modelos, estão sob fogo, não só pela quebra do seu poder preditivo,
mas também pela insistência em representações da realidade postas violentamente
em causa pelos acontecimentos.
What a mess!
A divisão do trabalho científico, assunto que já preocupava Adam Smith, o
que é espantoso, penetrou fundo nos economistas e longe vai o tempo da ideia de
que os economistas insignes eram sobretudo homens de ciência e de cultura abrangente.
Homens que sabiam muito de economia e que influenciavam o rumo das coisas, pelo
simples facto de que não sabiam apenas de economia, tinham a clarividência da perceção
dos vícios do imperialismo económico das ideias. O artigo de Skildelsky situa
essa deriva na conceção da economia como um sistema mecânico e daí a sobreinfluência
que a representação matemática da economia acabou por receber. Certamente que a
matematização da economia constitui ela própria uma causa de perigosa deriva,
como aliás o concedemos quando abrimos o espaço deste blogue a uma controvérsia
largamente desapercebida em Portugal iniciada pelo economista americano Paul
Romer (“mathiness”) quando ele
denunciou que, oculta na matematização, a economia está cheia de falta de rigor
e de honestidade, furtando resultados ao confronto aberto entre pares. Mas não
creio que a matematização seja a fonte da pobreza atual da economia. Acho mais
importante a vulgarização em que os economistas se deixaram acomodar. As formas
de progressão na carreira e o reconhecimento científico entre pares passaram a
ser determinados por uma profunda divisão do trabalho, ignorando que o
aprofundamento do conhecimento em economia não segue o panorama das ciências exatas
ou naturais. Mas as regras de progressão na carreira e no reconhecimento internacional
na academia afastaram os economistas de visões mais holísticas da sociedade. Chegámos
hoje a um paradoxo que é também uma encruzilhada. Os problemas mundiais que
implicam a economia existem, estão identificados, mas para a sua fixação e
resolução ninguém hoje se lembra de recorrer ao conhecimento dos economistas. Mas
a verdade é que se uma governação mais iluminada a eles recorresse, teria
extrema dificuldade em escolher a quem pedir essa solução.
O valor social dos economistas está pelas ruas da amargura. Nos mais recentes
surtos de populismo e barafunda política, Brexit e Trumpismo, os pareceres,
estudos e tomadas de posição de economistas foram colocados no caixote do lixo
dessas grandes manifestações políticas. Ignorados, pura e simplesmente, apesar
das grandes coligações que se formaram entre diferentes Escolas de pensamento, preocupadas
com o rumo dos acontecimentos.
Skidelsky fala dos economistas como os idiotas sábios do nosso tempo. Palavras
duras. Mas não me parece que seja a deriva matemática a causa dessa degradação.
A história para mim é outra. A progressão na carreira exige o abandono das
posições mais holísticas. Quem rejeita essa via é penalizado. Quem a segue
incorre frequentemente em inércia de habituação. Alcançam o prestígio entre
pares mas não têm a coragem de denunciar o circo em que se meteram. Não
esqueçamos o que Paul Romer disse quando se atirou frontalmente contra os
seguidores da Mathiness: se não tivesse deixado de ser um economista académico,
nunca provavelmente teria tido coragem para fazer a referida denúncia. Acusação
muito grave e disso não tenho dívidas Romer não é um sábio idiota do nosso
tempo, optou em devido tempo.
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