segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

OS SÁBIOS IDIOTAS DO NOSSO TEMPO




(A linguagem pode não ser a mais apropriada para a atmosfera do Natal, mas a prosa de Robert Skidelsky está para além das conveniências, talvez todos os economistas devessem sobre ela refletir…)

Robert Skidelsky, biógrafo incontornável de Keynes, profusamente mencionado neste blogue, economista prestigiado e membro da British House of Lords, não poupa na contundência das palavras para expressar o seu repúdio pelo naufrágio alegre com que os economistas têm respondido à divergência entre a inércia do pensamento económico e as exigências da realidade.

O artigo do economista inglês no Project Syndicate vai na linha do grupo restrito de economistas que não têm hesitado em reconhecer que o rei vai nu em matéria do contributo que os economistas podem hoje oferecer à economia e ao seu melhor funcionamento. Skidelsky ironiza sobre a medida da impotência e da ignorância que a invocação da necessidade de reformas estruturais efetivamente representa, pois os desafios são tamanhos e demasiado diversificados para poderem ser acomodados pelo termo reforma estrutural, o qual não tem entre os economistas a mesma conotação e conteúdo. Nos últimos tempos, os desafios multiplicam-se e a complexidade decorre de muitos deles estarem conexionados.

Assim, sob a cobertura do manto de uma recuperação muito mais lenta do que o esperado face ao descalabro de 2007-2008, temos uma mistura de problemas: as economias avançadas apresentam sintomas de estagnação secular, este sim, um verdadeiro problema estrutural; a globalização recua, as cadeias de valor globais parecem ter encolhido e ninguém consegue forjar uma saída positiva para essa globalização; os impactos negativos dessa globalização misturam-se de novo com as ameaças tecnológicas destruidoras de emprego, repondo hoje historicamente a fobia de outros tempos para com os avanços da tecnologia, hoje representadas nos riscos da robotização, mesmo admitindo que está ainda muito longe a emergência da última inovação humana; a desigualdade intensificada nas economias mais maduras e avançadas conflitua abertamente com a melhoria da desigualdade a nível mundial, puxada pela redução da pobreza e pela afirmação de classes médias nas principais economias emergentes; os dogmas da política monetária têm caído um após outro, desde a ideia peregrina de que o ciclo económico e a turbulência tinham sido finalmente domesticados, até à independência dos bancos centrais e ao retorno à ideia de que a política fiscal, apesar das suas impurezas políticas, não está morta, antes pelo contrário; o instrumento fundamental de trabalho dos economistas, os modelos, estão sob fogo, não só pela quebra do seu poder preditivo, mas também pela insistência em representações da realidade postas violentamente em causa pelos acontecimentos.

What a mess!

A divisão do trabalho científico, assunto que já preocupava Adam Smith, o que é espantoso, penetrou fundo nos economistas e longe vai o tempo da ideia de que os economistas insignes eram sobretudo homens de ciência e de cultura abrangente. Homens que sabiam muito de economia e que influenciavam o rumo das coisas, pelo simples facto de que não sabiam apenas de economia, tinham a clarividência da perceção dos vícios do imperialismo económico das ideias. O artigo de Skildelsky situa essa deriva na conceção da economia como um sistema mecânico e daí a sobreinfluência que a representação matemática da economia acabou por receber. Certamente que a matematização da economia constitui ela própria uma causa de perigosa deriva, como aliás o concedemos quando abrimos o espaço deste blogue a uma controvérsia largamente desapercebida em Portugal iniciada pelo economista americano Paul Romer (“mathiness”) quando ele denunciou que, oculta na matematização, a economia está cheia de falta de rigor e de honestidade, furtando resultados ao confronto aberto entre pares. Mas não creio que a matematização seja a fonte da pobreza atual da economia. Acho mais importante a vulgarização em que os economistas se deixaram acomodar. As formas de progressão na carreira e o reconhecimento científico entre pares passaram a ser determinados por uma profunda divisão do trabalho, ignorando que o aprofundamento do conhecimento em economia não segue o panorama das ciências exatas ou naturais. Mas as regras de progressão na carreira e no reconhecimento internacional na academia afastaram os economistas de visões mais holísticas da sociedade. Chegámos hoje a um paradoxo que é também uma encruzilhada. Os problemas mundiais que implicam a economia existem, estão identificados, mas para a sua fixação e resolução ninguém hoje se lembra de recorrer ao conhecimento dos economistas. Mas a verdade é que se uma governação mais iluminada a eles recorresse, teria extrema dificuldade em escolher a quem pedir essa solução.

O valor social dos economistas está pelas ruas da amargura. Nos mais recentes surtos de populismo e barafunda política, Brexit e Trumpismo, os pareceres, estudos e tomadas de posição de economistas foram colocados no caixote do lixo dessas grandes manifestações políticas. Ignorados, pura e simplesmente, apesar das grandes coligações que se formaram entre diferentes Escolas de pensamento, preocupadas com o rumo dos acontecimentos.

Skidelsky fala dos economistas como os idiotas sábios do nosso tempo. Palavras duras. Mas não me parece que seja a deriva matemática a causa dessa degradação. A história para mim é outra. A progressão na carreira exige o abandono das posições mais holísticas. Quem rejeita essa via é penalizado. Quem a segue incorre frequentemente em inércia de habituação. Alcançam o prestígio entre pares mas não têm a coragem de denunciar o circo em que se meteram. Não esqueçamos o que Paul Romer disse quando se atirou frontalmente contra os seguidores da Mathiness: se não tivesse deixado de ser um economista académico, nunca provavelmente teria tido coragem para fazer a referida denúncia. Acusação muito grave e disso não tenho dívidas Romer não é um sábio idiota do nosso tempo, optou em devido tempo.

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