quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

A SAÍDA DE CENA DE RENZI




(A ascensão de Renzi ao poder desde a governação da bela Florença não foi propriamente canónica e, por isso, talvez não possa aplicar-se a expressão de entrada de leão e saída de sendeiro, mas conviria compreender melhor as razões de tão convincente vitória do não no referendo que o próprio Renzi dramatizou…)

A saída de cena de Matteo Renzi depois da falhada tentativa de dramatizar os resultados do referendo sobre as mudanças constitucionais propostas pode ter várias interpretações. Pode ser um simples recarregar de energias, uma folga para recuperar da carga de trabalhos que deve ser reformar a inércia italiana, auto-oferecendo-se umas férias com a sua amada consorte, para voltar à luta política num cenário eleitoral. Pode representar uma capitulação, uma espécie de declaração de impotência, não sabemos se apenas determinada pela questão nacional, ou se também induzida pelo muro europeu intransponível face às pretensões das economias do sul. Sabe-se lá o que é que bem lá no fundo levou Renzi a dramatizar um resultado que não tinha necessariamente de ser dramatizado, sobretudo no contexto em que a constituição que se pretendia alterar tem ainda para os italianos uma espessura histórica do pós-segunda guerra mundial.

Mas talvez mais importante do que a dissolução de uma personalidade que se pensou poder introduzir na União Europeia alguma mudança na relação de forças dada a dimensão da Itália será talvez perceber o que é está na origem de uma vitória tão significativa.

Parece-me precipitado associar ao referendo a máxima com que Luigi Zingales, um dos editores do Pro-Market, blogue do Stigler Center da Booth School of Business da Universidade de Chicago, cunhou o referendo em Itália: “Chamam-lhe populismo, eu chamar-lhe-ia democracia”. A máxima pode ser considerada provocatória e com origem na Universidade de Chicago podemos ser tentados a despachá-la para canto. Embora não partilhe interpretação tão estilizada, há aspetos no referendo que não podem ser ignorados, entre os quais o facto da rejeição da reforma constitucional (o Não) não ter propriamente o conteúdo antiglobalização que, de certo modo, as vitórias de Trump e do BREXIT apresentaram como fator de mobilização. Não há na verdade uma afirmação direta antiglobalização, mas o apoio mais determinante do 5 Estrelas e o mais secundário da Liga do Norte. A rejeição da reforma constitucional parece ter sido para o 5 Estrelas e para a Liga do Norte mais instrumental do que substancial, sobretudo a partir do momento em que Renzi decidiu imolar-se voluntariamente, dramatizando os resultados. O populismo pode estar latente embora o “Não” não seja propriamente o resultado da sua afirmação. Zingales está, entretanto, a meu ver certo quando identifica no referendo italiano uma componente comum à das vitórias de Trump e do Brexit, traduzida na derrota da imprensa mais representativa e das elites económicas e políticas. E esta componente como elemento de novos contextos para o exercício eleitoral da democracia não está devidamente estudada. Não era entretanto tão efusivo como Zingales na celebração da democracia que o referendo em Itália representaria.

Mas como a antecipação de uma rejeição possível da reforma constitucional já era conhecida e com algum tempo persiste a interrogação do que é que terá determinado a dramatização aparentemente a despropósito de Renzi.

Teremos uma edição retocada do “pântano” que determinou a saída de cena de Guterres?

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