Os economistas
de “mainstream” evitam o tema. Ele conspurca
a pureza dos pressupostos e incomoda. Afinal, esses mesmos economistas podem estar
indiretamente envolvidos na generalização do fenómeno, com terapias geradoras
de efeitos colaterais, que chegam até ao voto. Mas o tema do populismo não pode
estar fora das cogitações dos economistas e ser assunto apenas da ciência política.
Por isso, atribuo a maior importância a intelectuais como Simon Wren-Lewis
(Universidade de Oxford) que têm estudado o tema e discutido a política económica
que se vai fazendo à luz da vaga populista que vai grassando pelas economias
mais avançadas. Wren-Lewis está também certo quando advoga para o populismo no
centro e leste europeu outras lentes de interpretação, pelo que no post de hoje deixaremos de fora essa preocupante
onda no leste e centro da Europa, não esqueçamos já dentro da própria União Europeia.
A perspetiva
mais divulgada do populismo é o seu ódio visceral às elites e à sua falta de
perspetiva identitária com os problemas mais prementes das populações. A questão
está identificada. O melhor exemplo é o das elites tecno-burocráticas da União
Europeia. A reação contra a sua capacidade de empatia com os problemas europeus
dispara os surtos populistas por todo o lado e o ano de 2017 vai trazer com inúmeros
atos eleitorais ajustes de contas com essa onda, cujos resultados podem ser
catastróficos para a democracia europeia.
Do ponto de
vista económico, Wren-Lewis traz alguns elementos muito relevantes para a
interpretação da onda que grassa pela Europa. Identifica duas situações. Uma
diz respeito a políticas que são nefastas para o conjunto da sociedade mas que
podem ser benéficas para um conjunto bem determinado de agentes sociais. É vulgarmente
o que se passa com a proteção concedida a uma dada indústria sujeita a concorrência
internacional. Os empregos que são protegidos pela proteção concedida aquela
indústria específica regozijam obviamente com a medida, mas a teoria económica
mostra que essa proteção quando se torna permanente tende a inibir o efeito benéfico
generalizado de se poder importar a mesma mercadoria a preços mais baixos. Como
é óbvio, a discussão é mais complexa se estivermos perante uma indústria estratégia
e estruturante para o país, mas este exemplo põe em evidência uma política que
pode ser populista com um grupo de agentes sociais a apoiá-la que pode ser
significativo, tudo dependendo da massa de empregos que é protegida.
O segundo
exemplo de política populista sugerido por Wren-Lewis é formulado a partir do
Brexit no Reino Unido. Neste caso, a política populista é generalizadamente
desfavorável à sociedade e mesmo assim recebe o apoio de um conjunto
significativo de eleitores (a ponto de inverter o resultado do referendo). Ou
seja, neste caso, os beneficiários da medida são em número reduzido, mas ela
impõe-se e convence uma maioria dos eleitores de que vai ser benéfica.
Assim interpretada,
a onda populista conduz-nos a uma pergunta inevitável. Porquê então há uma onda
populista à esquerda e uma outra à direita? O populismo à esquerda tem que ver
sobretudo com o ataque à financeirização da economia, aos desvarios da banca e à
concentração de rendimento num grupo limitado de indivíduos. O populismo à
direita prende-se com as questões da imigração e dos refugiados, da identidade
nacional, da soberania do Estado-nação. Os limites ao comércio internacional do
tipo dos que Trump tem acenado para a economia americana (travando a ameaça
chinesa) tende a ser acolhida por ambas as bandas.
Simon Wren-Lewis
explica a generalização da onda populista com recurso a uma outra variável: o
tipo e diversidade de informação a que os indivíduos têm acesso. Dois grupos são
definidos: os que estão limitados ao poder de influência dos media de grande
tiragem (tipo tabloides britânicos) e os que têm acesso a mais diversificadas
fontes de informação. A variável é sugestiva e tem de facto algum poder explicativo.
E aqui entram os números mais recentes sobre o número de inscritos em partidos
políticos no Reino Unido. A viragem à esquerda do Labour, com dimensões de um
populismo de esquerda, na linha de algumas traves mestras da campanha de Bernie
Sanders nos EUA, com o ataque à financeirização da economia à cabeça, trouxe ao
Labour um crescimento significativo de inscritos. Em Julho de 2016, estavam
registados 515.000 inscritos, quase o triplo dos 149.800 inscritos nos
Conservadores (número reportado a dezembro de 2013). O que significa que a não
dependência dos tabloides de grande tiragem assegura às dimensões do populismo à
esquerda uma força eleitoral significativa.
Segundo Wren-Lewis,
o surto populista à direita não só se explica pela maior disseminação dos seus
temas de estimação na comunicação social, mas também pela participação ativa de
alguns media de grande tiragem na defesa dessas teses.
Mas o que efetivamente
me surpreendeu é o ressurgimento do Labour com a liderança de Jeremy Corbyn. O que
prova que havia questões estruturais no Reino Unido à espera de representação.
Sem surpresa, porque muitos avisaram.
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