sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

POPULISMOS À DIREITA E À ESQUERDA





Os economistas de “mainstream” evitam o tema. Ele conspurca a pureza dos pressupostos e incomoda. Afinal, esses mesmos economistas podem estar indiretamente envolvidos na generalização do fenómeno, com terapias geradoras de efeitos colaterais, que chegam até ao voto. Mas o tema do populismo não pode estar fora das cogitações dos economistas e ser assunto apenas da ciência política. Por isso, atribuo a maior importância a intelectuais como Simon Wren-Lewis (Universidade de Oxford) que têm estudado o tema e discutido a política económica que se vai fazendo à luz da vaga populista que vai grassando pelas economias mais avançadas. Wren-Lewis está também certo quando advoga para o populismo no centro e leste europeu outras lentes de interpretação, pelo que no post de hoje deixaremos de fora essa preocupante onda no leste e centro da Europa, não esqueçamos já dentro da própria União Europeia.

A perspetiva mais divulgada do populismo é o seu ódio visceral às elites e à sua falta de perspetiva identitária com os problemas mais prementes das populações. A questão está identificada. O melhor exemplo é o das elites tecno-burocráticas da União Europeia. A reação contra a sua capacidade de empatia com os problemas europeus dispara os surtos populistas por todo o lado e o ano de 2017 vai trazer com inúmeros atos eleitorais ajustes de contas com essa onda, cujos resultados podem ser catastróficos para a democracia europeia.

Do ponto de vista económico, Wren-Lewis traz alguns elementos muito relevantes para a interpretação da onda que grassa pela Europa. Identifica duas situações. Uma diz respeito a políticas que são nefastas para o conjunto da sociedade mas que podem ser benéficas para um conjunto bem determinado de agentes sociais. É vulgarmente o que se passa com a proteção concedida a uma dada indústria sujeita a concorrência internacional. Os empregos que são protegidos pela proteção concedida aquela indústria específica regozijam obviamente com a medida, mas a teoria económica mostra que essa proteção quando se torna permanente tende a inibir o efeito benéfico generalizado de se poder importar a mesma mercadoria a preços mais baixos. Como é óbvio, a discussão é mais complexa se estivermos perante uma indústria estratégia e estruturante para o país, mas este exemplo põe em evidência uma política que pode ser populista com um grupo de agentes sociais a apoiá-la que pode ser significativo, tudo dependendo da massa de empregos que é protegida.

O segundo exemplo de política populista sugerido por Wren-Lewis é formulado a partir do Brexit no Reino Unido. Neste caso, a política populista é generalizadamente desfavorável à sociedade e mesmo assim recebe o apoio de um conjunto significativo de eleitores (a ponto de inverter o resultado do referendo). Ou seja, neste caso, os beneficiários da medida são em número reduzido, mas ela impõe-se e convence uma maioria dos eleitores de que vai ser benéfica.

Assim interpretada, a onda populista conduz-nos a uma pergunta inevitável. Porquê então há uma onda populista à esquerda e uma outra à direita? O populismo à esquerda tem que ver sobretudo com o ataque à financeirização da economia, aos desvarios da banca e à concentração de rendimento num grupo limitado de indivíduos. O populismo à direita prende-se com as questões da imigração e dos refugiados, da identidade nacional, da soberania do Estado-nação. Os limites ao comércio internacional do tipo dos que Trump tem acenado para a economia americana (travando a ameaça chinesa) tende a ser acolhida por ambas as bandas.

Simon Wren-Lewis explica a generalização da onda populista com recurso a uma outra variável: o tipo e diversidade de informação a que os indivíduos têm acesso. Dois grupos são definidos: os que estão limitados ao poder de influência dos media de grande tiragem (tipo tabloides britânicos) e os que têm acesso a mais diversificadas fontes de informação. A variável é sugestiva e tem de facto algum poder explicativo. E aqui entram os números mais recentes sobre o número de inscritos em partidos políticos no Reino Unido. A viragem à esquerda do Labour, com dimensões de um populismo de esquerda, na linha de algumas traves mestras da campanha de Bernie Sanders nos EUA, com o ataque à financeirização da economia à cabeça, trouxe ao Labour um crescimento significativo de inscritos. Em Julho de 2016, estavam registados 515.000 inscritos, quase o triplo dos 149.800 inscritos nos Conservadores (número reportado a dezembro de 2013). O que significa que a não dependência dos tabloides de grande tiragem assegura às dimensões do populismo à esquerda uma força eleitoral significativa.

Segundo Wren-Lewis, o surto populista à direita não só se explica pela maior disseminação dos seus temas de estimação na comunicação social, mas também pela participação ativa de alguns media de grande tiragem na defesa dessas teses.

Mas o que efetivamente me surpreendeu é o ressurgimento do Labour com a liderança de Jeremy Corbyn. O que prova que havia questões estruturais no Reino Unido à espera de representação. Sem surpresa, porque muitos avisaram.

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