quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O QUE É QUE O TRUMPISMO TRAZ AO INTERVENCIONISMO ECONÓMICO?




(Os referenciais estão fortemente baralhados, a globalização recuou e é necessário compreender de que modo o Trumpismo torna ainda mais complexa a perceção do que é que o progressismo pode representar em tempos tão revoltos, em busca de novas orientações para o planeamento, para a política económica e para a social-democracia em geral …)

Estamos em tempos revoltos e de forte turbulência. Leituras mais apressadas podem encontrar na imprevisibilidade de Donald Trump e no seu intervencionismo de circunstância respostas ao que muitos (designadamente à esquerda) reclamavam de necessário para suster os rumos da globalização. É preciso cautela. O que temos de novo (e anterior à ascensão de Trump) é o recuo da globalização após uma digestão mal feita dos efeitos da crise de 2007-2008. Recuo que tem determinado sentenças tão ao gosto de alguns jornalistas. Pablo Pardo no El Mundo não hesita em falar que “assim chegou a morte da globalização”. Pese embora a tendência para a asneira descontrolada, o que não há dúvida é que entre os “amigos” da globalização por agora se contam apenas as chamadas “meta-empresas globais”, em nítida rota de colisão com os Estados-Nação mais representativos. Veja-se, por exemplo, toda a controvérsia em torno dos acordos regionais de comércio, Atlântico e Pacífico, na qual foi notório que, apesar da bondade da abertura de oportunidades de comércio e de investimento, a questão chave era a prerrogativa atribuída às meta-empresas para escaparem às legislações nacionais, o último bastião do Estado-nação.

Krugman interrogava-se há dias se o Trumpismo iria ou não assegurar a dose de estímulos fiscais para a economia americana que os intervencionistas keynesianos vinham reclamando para a economia americana, embora a situação atual não tenha comparação possível com o contexto de tais exigências há três ou quatro anos. Os Republicanos são estranhamente mais amigos da contenção fiscal na oposição, barrando o caminho no Congresso e no Senado a quaisquer veleidades de aumento de intervencionismo fiscal. Quando, porém, chegam ao poder, é conhecida a sua tendência para gerar défices, sobretudo por via da redução descontrolada de impostos para agradar à sua base de apoio. Os resultados não são claros, sobretudo em termos líquidos. A sanha de destruição de estímulos e programas sociais pode não ser plenamente compensada com algum reforço do investimento público em infraestruturas, pelo que não é seguro que tenhamos intervencionismo líquido.

Mas há um conjunto de questões que continuam sem resposta e que podem alterar decisivamente o contexto da economia mundial. Uma das mais intrigantes questões consistirá em saber se o Trumpismo vai ou não ter efeitos no posicionamento da China nos fluxos de comércio e de capitais à escala mundial. Aliás, a evolução interna da própria China, em busca de um penoso equilíbrio de, por um lado, liberalizar em termos de mercado e, por outro, disciplinar a corrupção interna do Partido Comunista, continua ela própria a representar uma profunda interrogação.

Um cenário possível consistirá em virmos a ter uma gestão mais musculada da economia mundial por parte dos seus principais protagonistas. Não direi que tal cenário dê necessariamente origem a uma série perigosa de guerras comerciais do tipo “beggar-my-neighbour” ou de guerras cambiais associadas. Mas que os Estados vão querer reassumir algum protagonismo na gestão das trocas, colocando um travão às empresas globais, parece-me evidente que isso vai acontecer. Não é seguro que um cenário dessa natureza conduza daqui a alguns anos a uma situação de bem-estar mais elevado a nível global. Trata-se, além disso, de um cenário desfavorável a pequenas economias como Portugal, incapazes de ditar regras na gestão global do comércio internacional. Além do mais, é um cenário em que a Europa vai movimentar-se com dificuldade, depois de um tempo tão prolongado do mais elementar “laissez-faire”, como o foi por exemplo a pouco cuidada gestão do desmantelamento aduaneiro face à China, designadamente no domínio dos têxteis, mas não só. Face ao risco de outras gestões musculadas do comércio mundial, que governação europeia vai impor-se para que não seja um saco de gatos a impor a solução? Estou profundamente descrente da possibilidade da União Europeia se movimentar agilmente neste cenário.

Mas o que o Trumpismo anuncia, e não conhecemos ainda a sua repercussão em termos de formação de comportamentos replicantes, é um capitalismo não baseado em regras transparentes e escrutináveis. Este comportamento desviante pode ser entusiasticamente recebido por populações em perda, carecidos de defesa face à desproteção da globalização. Foi assim que o chamado “rust belt” industrial dos EUA apoiou eleitoralmente Trump. Um capitalismo sem regras antecipáveis e fruto de negociações caso a caso, como parece ser o estilo de Trump (a expressão de Lawrence Summers, “ad-hoc deal capitalism”, cunha bem o fenómeno), anuncia o pior. É o contrário do que a gestão da instabilidade e da incerteza exigiriam. Mas com eleitores a bater palmas, não ignoremos esse facto.

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