domingo, 18 de dezembro de 2016

CORNUCÓPIA




(No meio de uma onda mediática, mais afetiva do que propriamente proporcionadora de informação relevante para os portugueses compreenderem de vez as razões da possível desistência da Companhia, continuo a não perceber exatamente o que explica a dramática saída de cena de Luís Miguel Cintra e da sua Companhia…)

Os portugueses pelam-se por este tipo de situações, em que a afetividade se sobrepõe a qualquer tentativa de compreensão do que efetivamente explica o propósito da Cornucópia fechar portas, pelo menos com o figurino atual. E quando um Presidente que vai a todas com um sorriso de “paz e amor” se junta mediaticamente ao problema, trazendo consigo o Ministro da tutela, a coisa ainda mais se complica.

Para já, gostaria de saber se as razões da desistência da Cornucópia se devem em primeira linha ao método-processo seguido pelo Ministério da Cultura para gerir a atribuição de verbas plurianuais de apoio ao funcionamento das companhias de teatro existentes pelo País. Se for esse o caso e pressupondo que uma Companhia como a Cornucópia não está a conseguir responder às exigências de tal processo, conviria avaliar que traços tem o processo de atribuição de recursos públicos que expliquem as dificuldades experimentadas por uma Companhia com estas características. Não estou seguro que se trate liminarmente dessa possibilidade. Luís Miguel Cintra terá dito que é também uma questão de cansaço e que a sua Companhia já não tinha energia que aguentasse a repetição sucessiva de ciclos de acesso ao referido tipo de concursos. Depreende-se que a Cornucópia pugnaria pela possibilidade de acesso a uma massa de recursos públicos concedida em período longo, dispensando a Companhia de ter de se ajustar a um financiamento que pode ser muito variável, não potenciando a desejável estabilidade em termos de dotação de recursos humanos.

A entrada em cena do Presidente e do Ministro fez emergir no ar a ideia de uma situação possível de excecionalidade, uma espécie de alteração à lei que garantisse à Cornucópia essa desejada discriminação positiva. A Cornucópia poderia planear e programar a longo prazo e as restantes companhias planeariam e programariam ao ritmo dos concursos públicos e à massa de resultados obtidos pelas companhias concorrentes
Será que terei ouvido bem? Discriminação positiva para a Cornucópia e competitividade aberta para as restantes? Tenho o maior respeito pela obra de Luís Miguel Cintra como ator e encenador e personagem da nossa Cultura e não tenho dúvidas em concordar com o argumento de que a Cornucópia foi e é uma grande Escola de Teatro. Mas será que por esse país fora e imagino até na concentração da capital não haverá outras companhias tão heroicas como a Cornucópia e que paulatinamente, concurso a concurso, lutam pela sobrevivência, indo à luta, em busca dos recursos de que necessitam? Com que critérios gerais vai a discriminação positiva ser concedida à Cornucópia?

Se a comunidade teatral acha que as regras do processo de concurso estão erradas e conduzem a efeitos perversos que se pronunciem que eu gostaria de compreender por que razões o processo se mantém. Se é uma questão de cansaço e a Cornucópia pensa já não ter energia para se sujeitar a um processo dessa natureza, posso concluir que as instituições também morrem e muitas desapareceram ao longo do tempo. Quanto à discriminação positiva gostaria de a ver integrada numa visão mais lata do estado das companhias em Portugal, precisando de compreender se outras companhias porventura a merecem também.

Curiosamente, para lá do impacto mediático da “última sessão” reina um silêncio sepulcral sobre as razões do acontecido. Que aos interessados pode interessar, mas que não me convence.

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