(No meio de uma
onda mediática, mais afetiva do que propriamente proporcionadora de informação
relevante para os portugueses compreenderem de vez as razões da possível desistência
da Companhia, continuo a não
perceber exatamente o que explica a dramática saída de cena de Luís Miguel Cintra
e da sua Companhia…)
Os portugueses pelam-se por este tipo de situações, em que a afetividade se
sobrepõe a qualquer tentativa de compreensão do que efetivamente explica o propósito
da Cornucópia fechar portas, pelo menos com o figurino atual. E quando um
Presidente que vai a todas com um sorriso de “paz e amor” se junta
mediaticamente ao problema, trazendo consigo o Ministro da tutela, a coisa
ainda mais se complica.
Para já, gostaria de saber se as razões da desistência da Cornucópia se
devem em primeira linha ao método-processo seguido pelo Ministério da Cultura
para gerir a atribuição de verbas plurianuais de apoio ao funcionamento das
companhias de teatro existentes pelo País. Se for esse o caso e pressupondo que
uma Companhia como a Cornucópia não está a conseguir responder às exigências de
tal processo, conviria avaliar que traços tem o processo de atribuição de
recursos públicos que expliquem as dificuldades experimentadas por uma Companhia
com estas características. Não estou seguro que se trate liminarmente dessa possibilidade.
Luís Miguel Cintra terá dito que é também uma questão de cansaço e que a sua
Companhia já não tinha energia que aguentasse a repetição sucessiva de ciclos
de acesso ao referido tipo de concursos. Depreende-se que a Cornucópia pugnaria
pela possibilidade de acesso a uma massa de recursos públicos concedida em período
longo, dispensando a Companhia de ter de se ajustar a um financiamento que pode
ser muito variável, não potenciando a desejável estabilidade em termos de dotação
de recursos humanos.
A entrada em cena do Presidente e do Ministro fez emergir no ar a ideia de
uma situação possível de excecionalidade, uma espécie de alteração à lei que
garantisse à Cornucópia essa desejada discriminação positiva. A Cornucópia
poderia planear e programar a longo prazo e as restantes companhias planeariam
e programariam ao ritmo dos concursos públicos e à massa de resultados obtidos
pelas companhias concorrentes
Será que terei ouvido bem? Discriminação positiva para a Cornucópia e competitividade
aberta para as restantes? Tenho o maior respeito pela obra de Luís Miguel Cintra
como ator e encenador e personagem da nossa Cultura e não tenho dúvidas em
concordar com o argumento de que a Cornucópia foi e é uma grande Escola de
Teatro. Mas será que por esse país fora e imagino até na concentração da
capital não haverá outras companhias tão heroicas como a Cornucópia e que paulatinamente,
concurso a concurso, lutam pela sobrevivência, indo à luta, em busca dos
recursos de que necessitam? Com que critérios gerais vai a discriminação
positiva ser concedida à Cornucópia?
Se a comunidade teatral acha que as regras do processo de concurso estão
erradas e conduzem a efeitos perversos que se pronunciem que eu gostaria de compreender
por que razões o processo se mantém. Se é uma questão de cansaço e a Cornucópia
pensa já não ter energia para se sujeitar a um processo dessa natureza, posso
concluir que as instituições também morrem e muitas desapareceram ao longo do
tempo. Quanto à discriminação positiva gostaria de a ver integrada numa visão
mais lata do estado das companhias em Portugal, precisando de compreender se
outras companhias porventura a merecem também.
Curiosamente, para lá do impacto mediático da “última sessão” reina um silêncio
sepulcral sobre as razões do acontecido. Que aos interessados pode interessar,
mas que não me convence.
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