Regresso ao tema “a macroeconomia não pode continuar a ser a
mesma” no ar desde os acontecimentos de 2007-2008. Aliás, a intensidade com
que nos aparece este epíteto “tudo agora
tem de ser diferente” ou o ”desta vez
vai ser diferente” é um excelente indicador do ambiente global em que nos
movemos. Não tenho a certeza se todos estamos a navegar na mesma onda de
compreensão do que deve entender-se por mudança e já nem estou a pensar no dito
já transformado em vulgata “tudo deve
mudar para que tudo fique como está” (Príncipe de Falconeri na pena de Lampedusa).
Já há alguns anos, neste
mesmo período de outubro-novembro, em Washington numa conferência organizada
pelo FMI, Lawrence Summers introduziu no debate económico o tema da estagnação
secular, revivendo um conceito cunhado pelo economista Alvin Hansen com âmbito
mais restrito. Como disse, alguns anos passaram e parece-me que as evidências empíricas
e o trabalho teórico realizado a partir de então apontam mais para a relevância
do conceito do que para o seu apagamento. Isto apesar dos surtos especulativos
nos mercados de capitais, em alguns mercados imobiliários e do aparente
regresso do crescimento, mas com o espectro do “zero lower bound” e das taxas negativas ainda perfilado no horizonte.
Já aqui chamei a atenção
para o contexto atual em que as ideias económicas se disseminam. O período que
medeia entre a submissão de um artigo a uma revista prestigiada toca já quase os
dois anos. A publicação de livros para esse efeito anda também pelo mesmo gap temporal. Isto significa que a
disseminação de ideias económicas se faz essencialmente por três vias: a das
conferências, a da blogosfera económica e a do ambiente de produção-discussão
vivido nas massas críticas mais representativas a nível mundial de recursos
humanos e de investigação. O acesso às duas primeiras é relativamente simples e
praticamente em condições de streaming.
O acesso à terceira está vedado aos mais pequenos (às ligas inferiores) e a
nossa chance é esses ambientes manterem com a blogosfera uma relação intensa e
honesta.
Todo este longo introito
para vos falar de uma importante conferência organizada por Olivier Blanchard e
Lawrence Summers para o think-tank Peterson Institute for International Economics,
abundantemente invocado neste blogue. O tema da conferência era “Rethinking Macroeconomic Policy” (link aqui).
Da conferência retenho
sobretudo a intervenção de enquadramento e problematização da conferência a
cargo de Summers e Blanchard (link aqui), o paper de Ben Bernanke (link aqui),
alguém do universo académico da política monetária que meteu a mão na massa (como
eu os aprecio) a partir do FED – USA e apresentação do economista-chefe do Bank of England, Andrew Haldane (link aqui), um
economista europeu de fina água, sobre estabilidade financeira. Há ainda a
referir duas outras comunicações, a de Auerbach sobre política fiscal e de
Jason Furman sobre a desigualdade e seu impacto macroeconómico.
Por hoje, fico-me com a
reflexão dos organizadores da conferência. Blanchard e Summers, este último,
como sabem, sobrinho de Paul Samuelson e de Kenneth Arrow (uma família-berço de
ouro).
As lições que segundo Blanchard
e Summers interpelam a macroeconomia são essencialmente três: a necessidade
imperiosa de integrar no quadro analítico e e de modelização da macroeconomia o
setor financeiro e as suas instabilidades; o imperioso alargamento, diversificação
e engenhosidade do kit de ferramentas
para combater recessões e, finalmente, a internalização da convicção de que, ao
contrário do pensado pela calmaria dos anos 80 e 90, as recessões podem ser bem
mais longas.
Estou seguro que os jovens
da elite da investigação macroeconómica (sobretudo americana) estarão já a
produzir pensamento relevante sobre estas três orientações, das quais me interessam
sobretudo as duas últimas. A sofisticação da primeira não está ao alcance de
muitos. As duas últimas parecem-me de grande amplitude futura. O retorno da política
fiscal é um desafio enorme e obrigou muito bom académico a meter a violinha no
saco. Mas a ideia de que poderemos viver com recessões cada vez mais longas
interpela-nos em várias frentes. Não, elas não são aleatórias, nem se corrigem
rapidamente. E uma das interpelações que importa aqui destacar é a grande honestidade
que ela exige a quem ensina hoje macroeconomia. Não estou certo de que muitos
dos que continuam em regime de inércia a ensinar o mesmo tenham esta exigência
de honestidade. Grande parte dos aparatos de manuais e de ferramentas pedagógicas
não estão preparados para esta interrogação. Por isso, a criatividade honesta, como
lhe chamo, é fundamental. Os alunos que estejam atentos.
Será difícil fazer contribuições originais optando pelo espaço "ortodoxo", de que, apesar de tudo, os dois autores referidos são oriundos. O que se fará nesse campo será ou irrelevante ou limitar-se-á a apresentar com vestes diferentes inovações que já se fizeram nas diversas correntes de pensamento heterodoxo, às quais pouca atenção se presta nas escolas de economia portuguesas (postkeynesianos, marxistas, institucionalistas, etc.). Atrevo-me a prever que, dada a sua apetência para a modelização e utilização de técnicas matemáticas e econométricas sofisticadas, a corrente postkeynesiana se transformará na nova "ortodoxia" sem que em Portugal se dê por isso.
ResponderEliminarHá diferentes níveis de ortodoxia e de flexibilidade nessa ortodoxia.Gosto de trabalhar com essa heterogeneidade. Mas o perigo da sofisticação matemática e econométrica é real. Mas tendo em conta a necessidade da modelização sobretudo para os bancos centrais, tenderá a ser uma questão eterna.
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