sábado, 21 de outubro de 2017

A ENTREVISTA DE JERÓNIMO





É sempre um prazer ouvir Maria Flor Pedroso. A sobriedade, o rigor, a empatia, a distância equilibrada aos entrevistados são coisas raras na comunicação social portuguesa. Flor, que nome bonito, não precisa, como muita gente pretensamente empertigada o faz, pôr-se em bicos de pés para se afirmar e conquistar um espaço.

A entrevista a Jerónimo de Sousa era uma oportunidade para sentir o pulso a uma parte relevante dos acordos à esquerda, bilaterais como o PCP não se cansa de repetir à exaustão se for necessário, pois isso de ajuntamentos com o Bloco provocaria um nervoso demasiado miudinho para a linha política do PCP.

Flor Pedroso percorreu com o entrevistado todos os temas relevantes pós autárquicas, em que o PCP foi à esquerda o principal derrotado. Os próprios resultados autárquicos, sobretudo as razões para que, por exemplo, em Almada (derrota para o PS) e em Setúbal (maioria absoluta), acontecessem resultados tão distintos, o Orçamento para 2018, a moção de censura da próxima terça-feira e inevitavelmente a inépcia governamental na gestão do curto prazo no combate aos incêndios tudo foi objeto de análise e discussão.

Já neste espaço defendi a ideia de que a principal razão para que a solução da geringonça não seja exportável é o facto do PCP ser uma força política que não tem similar na Europa. Quando se fala do PCP, lembro-me de um sábio arquiteto indiano, Charles Correa, desaparecido em 2015 quase aos 85 anos, que comparava a sociedade indiana a um navio de grande dimensão: pouco ágil em algumas manobras, rígido na navegação, mas resiliente e dificilmente afundável em tempos curtos. Pois o PCP tem uma grande fiabilidade em matéria de negociação e de compromissos. Tenho para mim que o partido definiu as suas expectativas de ganho para os seus eleitores e não arreda pé até os conseguir. Como é óbvio, os resultados das autárquicas representaram um poderoso alerta e os seus representantes locais não vão oferecer vida fácil aos seus adversários nos municípios em que se viram afastados do poder. Mas a sua sageza é de molde a não confundir esse posicionamento local com a supressão do compromisso parlamentar, pelo menos enquanto a sua perspetiva de retorno político não estiver concluída. Terá também obviamente uma presença de rua mais forte através da ação sindical, mas essa presença será sempre guiada pelos ganhos que antecipou nesta solução de apoio parlamentar à esquerda. É nessa perspetiva que falo de fiabilidade no quadro do acordo parlamentar à esquerda, pelo menos se o PS se mostrar contido em matéria de tiros no pé na governação.

Para além desta fiabilidade, que decorre do modelo de funcionamento da organização, há o posicionamento do próprio Jerónimo. E aqui o meu critério de cidadão, que nunca votou em eleições nacionais no PCP, tendo-o feito numa ou duas eleições locais quando o PS apresentou candidatos não recomendáveis, é o da empatia e da confiança. Como refiro muitas vezes, há certamente muitos políticos que não convidaria para minha casa. O que não é o caso de Jerónimo.

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