É sempre um prazer ouvir
Maria Flor Pedroso. A sobriedade, o rigor, a empatia, a distância equilibrada aos
entrevistados são coisas raras na comunicação social portuguesa. Flor, que nome
bonito, não precisa, como muita gente pretensamente empertigada o faz, pôr-se
em bicos de pés para se afirmar e conquistar um espaço.
A entrevista a Jerónimo
de Sousa era uma oportunidade para sentir o pulso a uma parte relevante dos
acordos à esquerda, bilaterais como o PCP não se cansa de repetir à exaustão se
for necessário, pois isso de ajuntamentos com o Bloco provocaria um nervoso
demasiado miudinho para a linha política do PCP.
Flor Pedroso percorreu
com o entrevistado todos os temas relevantes pós autárquicas, em que o PCP foi à
esquerda o principal derrotado. Os próprios resultados autárquicos, sobretudo
as razões para que, por exemplo, em Almada (derrota para o PS) e em Setúbal (maioria
absoluta), acontecessem resultados tão distintos, o Orçamento para 2018, a moção
de censura da próxima terça-feira e inevitavelmente a inépcia governamental na
gestão do curto prazo no combate aos incêndios tudo foi objeto de análise e discussão.
Já neste espaço defendi
a ideia de que a principal razão para que a solução da geringonça não seja
exportável é o facto do PCP ser uma força política que não tem similar na Europa.
Quando se fala do PCP, lembro-me de um sábio arquiteto indiano, Charles Correa,
desaparecido em 2015 quase aos 85 anos, que comparava a sociedade indiana a um
navio de grande dimensão: pouco ágil em algumas manobras, rígido na navegação,
mas resiliente e dificilmente afundável em tempos curtos. Pois o PCP tem uma
grande fiabilidade em matéria de negociação e de compromissos. Tenho para mim
que o partido definiu as suas expectativas de ganho para os seus eleitores e não
arreda pé até os conseguir. Como é óbvio, os resultados das autárquicas
representaram um poderoso alerta e os seus representantes locais não vão
oferecer vida fácil aos seus adversários nos municípios em que se viram
afastados do poder. Mas a sua sageza é de molde a não confundir esse
posicionamento local com a supressão do compromisso parlamentar, pelo menos
enquanto a sua perspetiva de retorno político não estiver concluída. Terá também
obviamente uma presença de rua mais forte através da ação sindical, mas essa
presença será sempre guiada pelos ganhos que antecipou nesta solução de apoio
parlamentar à esquerda. É nessa perspetiva que falo de fiabilidade no quadro do
acordo parlamentar à esquerda, pelo menos se o PS se mostrar contido em matéria
de tiros no pé na governação.
Para além desta
fiabilidade, que decorre do modelo de funcionamento da organização, há o
posicionamento do próprio Jerónimo. E aqui o meu critério de cidadão, que nunca
votou em eleições nacionais no PCP, tendo-o feito numa ou duas eleições locais
quando o PS apresentou candidatos não recomendáveis, é o da empatia e da confiança.
Como refiro muitas vezes, há certamente muitos políticos que não convidaria
para minha casa. O que não é o caso de Jerónimo.
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