quarta-feira, 4 de outubro de 2017

PENOSIDADE, NEGAÇÃO, ALGUMA DIGNIDADE

(Público on line)


(Passos Coelho sai de cena, não estou certo se totalmente consciente das razões que determinam a sua derrota, e que o que vai seguir-se vai ser, estou certo, animado, desejavelmente mais que o tom tumular que se vivia na sala do Conselho Nacional, para televisão ver …)

A imagem divulgada em alguns jornais da noite eleitoral de domingo, com Passos Coelho a sair sozinho por uma porta, algures, após a assunção da derrota, anunciava simbolicamente a saída de cena. Ela não foi anunciada na própria noite de domingo para preparar as hostes internas e talvez conversar com os mais próximos. Seguramente que essa avaliação já estava feita. O que não estou certo é que Passos tenha compreendido as razões que conduziram à sua derrota e, pior do que isso, levaram o partido a um estado lastimoso, qualquer que seja o sucessor.

Não percebo que raio de estratégia comunicacional é esta de mostrar perante o país um Conselho Nacional ainda perplexo, não com a saída de cena mas com os resultados eleitorais, acabrunhado, qual rosto mais tenso. A própria salva de palmas que interrompeu a comunicação de Passos já lá para o fim tem tudo de pouco convincente, porque era necessário deixar uma mensagem qualquer ao líder que sai de cena. Para momento motivacional de uma viragem, sabe-se lá em que direção e com que espessura, o ambiente era mais de velório do que de início de nova vida.

Embora timidamente, para não maçar o Conselho, Passos não resistiu a recordar os traços fundamentais do seu pensamento, pelos quais, anuncia, que irá continuar a bater-se, não rondando por aí, mas sempre que chamado a intervir por esse país fora. E no meio da penosidade sofrida que a intervenção revestiu, e há que reconhecer que o momento não seria fácil nem para o mais insensível, a negação começou por esta pretensão de se tratar de um líder com pensamento estruturado. A valorização da sociedade civil e da sua autonomia perante o estado teria sido um bom mote para a saída de cena, mas rapidamente esse ponto que poderia ser fulcral se apagou na sucessão de outros temas vagos e não diferenciadores, banais. Passos não terá compreendido que falhou na não preparação atempada de uma resposta consistente ao novo quadro político gerado pelo acordo parlamentar à esquerda e que mais grave do que isso permaneceu em estado de negação à medida que o tempo inexorável da melhoria da situação global do país prosseguia. É risível que pensamentos como o de José Manuel Fernandes do Observador admitam que a história do tempo longo lembrará um dia Passos Coelho. O que pode ser interessante analisar são as condições (e aqui haverá ideólogos a considerar) que alimentaram em Passos a ilusão que o ajustamento TROIKA era o contexto adequado para criar uma sociedade nova, não transformando, mas fazendo tábua rasa das condições concretas da sociedade portuguesa, apesar da penosidade do ajustamento.

Acabado o velório, vão emergir as movimentações mais interessantes. Para já, hoje mesmo, bicadas provenientes de diferentes bicos e com intensidade diversa sucederam-se com um destinatário, Rui Rio. A direita do Observador, que tem na saída de cena de Passos, uma derrota de grande expressão, bicava hoje na idade avançada dos “senadores” que Rui Rio terá consultado no putativo jantar de Azeitão como um mau presságio do que virá por aí em termos de projeto para o PSD. José Manuel Fernandes dava-se ao luxo de até recordar as idades de Sá Carneiro, Cavaco Silva e Durão Barroso quando chegaram à governação para mostrar que as primeiras filas do Conselho Nacional e os senadores de Azeitão estavam demasiado envelhecidas para protagonizar uma mudança. Mas o problema para direita do Observador é outro. Os Passos, os piu-piu Maçães, os Lombas e outros que tais que ousaram aparecer à boleia do ajustamento da Troika para disseminar a agenda liberal do novo país, liberto do que entendem ser os arcaísmos a abater, desapareceram da circulação. O Observador ancora hoje essa direita, zangada com a ausência de protagonistas e com a derrocada do seu símbolo na governação.

Por isso, ou muito me engano, ou Rio vai ter, não uma passadeira laranja para a sua entrada em jogo, mas uma série de vespas a cruzar-se no seu caminho. Para já, Paulo Rangel tem pelo menos um esboço de pensamento estruturado para animar o debate. Receio que o espírito necessariamente defensivo do aparelho e as vespas saltitantes se choquem, abafando o debate de ideias, em dois meses turbulentos. O próprio Rio é pouco propenso a grandes elaborações de pensamento e está por avaliar a sua entrada no voto urbano que não fala à Porto.


Sem comentários:

Enviar um comentário