segunda-feira, 16 de outubro de 2017

O DIABO VESTIU-SE DE FOGO




(Mais um domingo fatídico e a minha perplexidade aumenta; a mudança de discurso da Ministra Constança Urbano de Sousa e do secretário de Estado Jorge Gomes é confrangedora…)

Enquanto festejava pacatamente no centro do Porto os dois anos do meu neto Pedro, pensava nesse aconchego na fragilidade de uma grande maioria dos nossos territórios, designadamente os interiores longínquos e de proximidade ao litoral, em termos de vulnerabilidade aos incêndios florestais. Estava claramente marcado pela leitura do relatório da Comissão Técnica Independente que foi objeto do meu penúltimo post.

Ainda não sabia que a dimensão trágica do número de mortes iria agigantar-se à medida que cada sinal de alerta do meu telemóvel, gerado pelas notícias dos principais órgãos de comunicação social a que estou conectado, configurava uma dança macabra de ocorrências sucessivas.

O meu olhar sobre o território continental tão adestrado por motivos profissionais e académicos completa-se tragicamente com um outro indicador que passa a estar na ordem do dia, a distribuição espacial da probabilidade de morte em circunstâncias de risco florestal acrescido.

A dimensão estrutural de um problema abate-se sobretudo sobre territórios de maior fragilidade e vulnerabilidade, determinadas não apenas pelas características de localização e edafo-climáticas desses territórios, mas sobretudo pelas características das populações que lá vivem. Em tempos em que se derrete dinheiro público, comunitário e nacional, em projetos de microempreendedorismo de muito duvidosa concretização, o abandono a que votamos esses territórios é bem ilustrativo da hipocrisia com que a baixa densidade é considerada. O imenso flop que a Missão para a Valorização do Território representa ilustra na perfeição a falência de todo um discurso de boas e pias intenções para estas zonas do país que temos.

O dia de ontem não constituía uma surpresa climática. Estava marcado no calendário e a proteção civil anotou a sua excecionalidade. Pressupõe-se, por isso, que foram alocados meios em proporção à magnitude do fenómeno. Os resultados alcançados mostram que o país tem uma insuficiência de meios ou pelo menos um grau de aproveitamento deficiente de recursos disponíveis, incluindo aqui os problemas de coordenação e de governança. Tenho familiares próximos que ontem ao princípio da noite questionavam a Brisa sobre algumas interrupções de tráfego em algumas vias e que obtinham respostas de que o quilómetro em causa não estava sob a sua jurisdição. Quem respondia? Parece que o cidadão tem de saber na ponta da língua os concessionários das diferentes vias como há longos anos tínhamos de papaguear os rios e as serras de Portugal e as linhas de caminho-de-ferro das ex-colónias.

E no meio de tão trágicos acontecimentos, a ministra Constança Urbano de Sousa e o secretário de Estado Jorge Gomes mudam surpreendentemente o discurso e saem –se com estas:

  •  “Não podemos ficar à espera dos bombeiros para nos resolverem os problemas” (Jorge Gomes);

  • “As comunidades têm de tornar-se mais resilientes às catástrofes” (Constança Urbano de Sousa).

Incrédulo e perplexo e colocando-me na pele dos familiares de mortos e feridos, percebo que os dois personagens leram o Relatório da CTI onde se fala da absoluta necessidade de gerar uma outra cultura da população para com a gestão da floresta.

No estado de descoordenação e inépcia de que o Relatório reza, abundante e consistentemente, a resiliência de populações é imensa. Mas numa noite de 31 mortos e infelizmente não vamos provavelmente parar por aí, sair-se com esta do apelo à autogestão das tragédias representa para além de uma enorme estupidez e insensibilidade política um total desrespeito pelas populações.

Sabemos que os ditos não se demitem e que ninguém aparentemente os quer demitir. Mas não será possível calar-lhes a matraca?

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