(Mais um domingo
fatídico e a minha perplexidade aumenta; a mudança de discurso da Ministra Constança Urbano de Sousa e do
secretário de Estado Jorge Gomes é confrangedora…)
Enquanto festejava pacatamente no centro do
Porto os dois anos do meu neto Pedro, pensava nesse aconchego na fragilidade de
uma grande maioria dos nossos territórios, designadamente os interiores
longínquos e de proximidade ao litoral, em termos de vulnerabilidade aos
incêndios florestais. Estava claramente marcado pela leitura do relatório da
Comissão Técnica Independente que foi objeto do meu penúltimo post.
Ainda não sabia que a dimensão trágica do
número de mortes iria agigantar-se à medida que cada sinal de alerta do meu
telemóvel, gerado pelas notícias dos principais órgãos de comunicação social a
que estou conectado, configurava uma dança macabra de ocorrências sucessivas.
O meu olhar sobre o território continental
tão adestrado por motivos profissionais e académicos completa-se tragicamente
com um outro indicador que passa a estar na ordem do dia, a distribuição
espacial da probabilidade de morte em circunstâncias de risco florestal
acrescido.
A dimensão estrutural de um problema abate-se
sobretudo sobre territórios de maior fragilidade e vulnerabilidade,
determinadas não apenas pelas características de localização e edafo-climáticas
desses territórios, mas sobretudo pelas características das populações que lá
vivem. Em tempos em que se derrete dinheiro público, comunitário e nacional, em
projetos de microempreendedorismo de muito duvidosa concretização, o abandono a
que votamos esses territórios é bem ilustrativo da hipocrisia com que a baixa
densidade é considerada. O imenso flop
que a Missão para a Valorização do Território representa ilustra na perfeição a
falência de todo um discurso de boas e pias intenções para estas zonas do país
que temos.
O dia de ontem não constituía uma surpresa
climática. Estava marcado no calendário e a proteção civil anotou a sua
excecionalidade. Pressupõe-se, por isso, que foram alocados meios em proporção à
magnitude do fenómeno. Os resultados alcançados mostram que o país tem uma insuficiência
de meios ou pelo menos um grau de aproveitamento deficiente de recursos disponíveis,
incluindo aqui os problemas de coordenação e de governança. Tenho familiares próximos
que ontem ao princípio da noite questionavam a Brisa sobre algumas interrupções
de tráfego em algumas vias e que obtinham respostas de que o quilómetro em
causa não estava sob a sua jurisdição. Quem respondia? Parece que o cidadão tem
de saber na ponta da língua os concessionários das diferentes vias como há
longos anos tínhamos de papaguear os rios e as serras de Portugal e as linhas
de caminho-de-ferro das ex-colónias.
E no meio de tão trágicos acontecimentos, a
ministra Constança Urbano de Sousa e o secretário de Estado Jorge Gomes mudam
surpreendentemente o discurso e saem –se com estas:
- “Não podemos ficar à espera dos bombeiros para nos resolverem os problemas” (Jorge Gomes);
- “As comunidades têm de tornar-se mais resilientes às catástrofes” (Constança Urbano de Sousa).
Incrédulo e perplexo e colocando-me na pele
dos familiares de mortos e feridos, percebo que os dois personagens leram o
Relatório da CTI onde se fala da absoluta necessidade de gerar uma outra cultura
da população para com a gestão da floresta.
No estado de descoordenação e inépcia de que
o Relatório reza, abundante e consistentemente, a resiliência de populações é
imensa. Mas numa noite de 31 mortos e infelizmente não vamos provavelmente parar
por aí, sair-se com esta do apelo à autogestão das tragédias representa para além
de uma enorme estupidez e insensibilidade política um total desrespeito pelas
populações.
Sabemos que os ditos não se demitem e que
ninguém aparentemente os quer demitir. Mas não será possível calar-lhes a
matraca?
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