Revendo todo o
pensamento por mim expresso neste espaço sobre a Catalunha e o verdadeiro lio
em que o radicalismo independentista colocou a autonomia, o problema atual mais
grave é o da não representação política do nacionalismo catalão não radical e de
algum independentismo que se recusa a ser capturado pelas forças mais radicais.
Explico-me.
Comecemos pela derrocada
da CiU, impulsionada sobretudo pelo pós-crise financeira de 2007-2008. A entrada
da família Pujol nas malhas da lei, por questões de corrupção, e a inábil passagem
de Artur Más pelo governo da Generalitat precipitaram a queda de relevância da
burguesia catalã nacionalista que predominou durante largo tempo na condução
dos rumos da autonomia. Pelo que conheço e tenho ouvido de amigos espanhóis,
incluindo alguns nativos da região, está por fazer a história das condições em que
Jordi Pujol assumiu o mandato da burguesia industrial e financeira da Catalunha
para assumir a governação regional. Manuel Vásquez Montalban, e o seui Pepe
Carvalho, já não estão entre nós para nos auxiliar nessa tarefa. Mas a derrocada
da CiU abre um vazio enorme na representação política do nacionalismo catalão.
Por seu lado, o PSC,
Partido Socialista da Catalunha, tem vindo a perder sucessivamente peso de representação,
num diálogo difícil com o PSOE nacional, sobretudo a partir das dificuldades da
governação de Maragall. Carme Chacón também já não está entre nós, prematuramente
desaparecida atraiçoada pelo seu coração imenso. Outros personagens como Josep
Borrell perderam infelizmente peso na condução do PSOE, na sequência dos últimos
acontecimentos marcados pelo afastamento de Sánchez e o seu regresso à
liderança do partido.
Recordo ainda que na
origem do CIUDADANOS está a saída do PSOE de algumas personalidades marcantes da
cultura socialista, desgostosos com os rumos que o relacionamento entre o PSC e
o PSOE estava a assumir. Mais tarde, com a liderança de Rivera, percebeu-se que
o Ciudadanos esperava compensar o vazio da corrupção intestina dentro do PP,
assumindo-se como uma direita modernizada, não corrupta e pretensamente ligada
com as correntes mais inovadora do empresariado catalão e espanhol.
PP (por razões óbvias), PSC
(por defender um modelo mais federal para a Constituição espanhola) e CIUDADAMOS
sempre rejeitaram o independentismo e as duas últimas formações sempre
aspiraram à defesa de um nacionalismo cultural, que desse expressão à identidade
catalã.
Por razões várias, a
população nacionalista não radical e os independentistas não radicais, que
aceitam defender o propósito da independência num quadro de negociação e
legalidade constitucional, não têm neste momento representação política. Só o
independentismo radical tem representação política, quer em termos de presença
no governo da Generalitat (Junts pel Si em que predomina a Esquerda Republicana)
e a mais radical CUP, quer do ponto de vista da ligação à sociedade (Assembleia
Nacional Catalã (ANC) e Òmnium Cultural, cujos líderes, Jordi Sànchez e Jordi
Cuixar estão neste momento presos (e não vou agora discutir se são ou não presos
políticos).
O futuro vejo-o assim. Percebe-se
que a desejada invocação e acionamento (previstos para este sábado) do 155 visa
sobretudo criar condições para eleições regionais, embora o PSOE jogue
claramente na abertura de um processo de revisão constitucional para o qual conseguiu
finalmente conquistar a não obstrução do PP. Mas, nas condições de não
representação política do nacionalismo não radical e do independentismo mais
propenso à negociação do que ao radicalismo, vaticino que eleições regionais em
janeiro de 2018 ditarão uma perda do conjunto de votos “PP + PSC + CIUDADANOS”.
Esse recuo será o produto do efeito ricochete do acionamento do 155, ainda que
mitigado. Não é seguro que o independentismo radical seja reforçado, mas pode sê-lo.
O cenário mais provável é o de um vazio aberto entre os nacionalistas não radicais
que ficarão praticamente apenas com a rua para se manifestar. Assim, a falada “reposição
da legalidade” invocada por Rajoy pode traduzir-se num bloqueamento difícil de suplantar,
o que mostra a complexidade do processo.
Entretanto, o risco da
estagnação económica avantajar-se-á se prosseguir a debandada das principais
empresas.
Não é fácil antecipar o
que pode ser a Generalitat do pós- eleições (supostas) de janeiro de 2018. E
com o radicalismo da CUP à solta nem sequer a hipótese de boicote a essas eleições
é de afastar.
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