(No mundo híper
especializado da economia, a atribuição do Nobel é sempre uma oportunidade para
autoavaliar o estado da arte dos nossos conhecimentos, tarefa cada vez mais
difícil de gerir porque não há ninguém com vida normal que consiga acompanhar
tal divisão do trabalho no universo da economia; o que não significa devermos ignorar o
debate que o Nobel deste ano configura…)
Assim é, de facto.
Confesso que a economia comportamental (behavioural
economics) não é dos domínios que tenha merecido atenção relevante da minha
parte. Outras prioridades se têm levantado, explicadas sobretudo por uma
trajetória de atualização e aprofundamento de aprendizagens anteriores. Mas a
economia comportamental, largamente influenciada pela fertilização cruzada
entre a economia e outras disciplinas, com relevo particular para a psicologia,
disputa um lugar à parte enquanto contributo para uma ciência económica,
abstrata sim, mas menos distante da realidade. Uma larga franja dos fundamentos
microeconómicos da macroeconomia, e particularmente toda a economia financeira,
é construída com base em pressupostos de agentes racionais a tomar decisões
racionais. Facilitado em grande medida por considerações de formalização
matemática, o pressuposto da racionalidade dos agentes económicos, embora tenha
ganho os galões de mainstream, sempre
enfrentou perspetivas alternativas. Limito-me para estes efeitos a dois tipos
de contributos: os da racionalidade limitada que os trabalhos de Herbert Simon
nos anos 50 desenvolveram, com grande importância para as ciências da
organização que nunca engoliram o paradigma da racionalidade dos agentes e os
da informação imperfeita e assimétrica, com ênfase particular na obra de Joseph
Stiglitz.
Os contributos de
Richard H. Thaler que a academia sueca premiou este ano, e que o próprio Thaler
se apressou, apesar da surpresa, a declarar que iria gastar do modo mais
irracional, distinguem-se sobretudo pelo modo combinado como três dimensões da
psicologia do agente económico são integradas na modelização económica: a
informação limitada, a perceção da justiça e a falta de autocontrolo.
As implicações do
trabalho de Thaler, quase sempre em colaboração com Cass Sunstein, são várias e
envolvem domínios como a motivação no trabalho, a formulação de preços, a
poupança para a reforma, as políticas de saúde e a valoração dos serviços
prestados. O que sugere que não se trata de efeitos despiciendos e
negligenciáveis. O próprio Thaler tem uma consultora financeira onde aplica
princípios derivados da sua economia comportamental, pelos vistos com clientes
o que sugere aplicabilidade e utilidade dos mesmos.
O aspeto que menos me
entusiasma na economia comportamental é o facto de ela tender para uma economia
experimental, com intensificação dos trabalhos laboratoriais com grupos de
indivíduos, normalmente estudantes porque são mais facilmente mobilizados para
as experiências. As condições em que são constituídos os grupos em questão,
realizadas as experiências e a generalização de resultados a partir dessas
experiências podem gerar a falsa ideia de que a economia pode equiparar-se a
outras ciências com capacidade de criação de ambientes laboratoriais
rigorosamente puros. É corrente que deve ser respeitada, porque há gente séria
a trabalhar nesse universo. Mas inspira-me a desconfiança de poder gerar uma
falsa ideia sobre a experimentação em economia.
Mas o que é relevante é
perceber a animosidade que os trabalhos de Thaler, veremos se com o Nobel 2017
se essa animosidade vai ou não desvanecer-se, têm suscitado junto dos
inveterados defensores da informação perfeita e agentes racionais. Uma dessas
reações é uma falácia e mostra bem como o paradigma dominante recorre a todos
os meios para se perpetuar. O argumento é mais ou menos este. Se em cada agente
económico há desvios ao comportamento racional, que podem e devem ser
estudados, o seu significado é simplesmente micro e não macro. No plano macro,
como que por magia, o princípio das harmonias universais faria com que esses
desvios se anulassem, produzindo uma decisão agregada racional, ou melhor,
conforme aos pressupostos da racionalidade, o que não tem ponta por onde se lhe
pegue.
A título de leituras
suplementares, recomendo uma mais simples, a de Tomothy Taylor, editor do Jornal of Economic Perspectives
(link aqui) e a do sempre combativo Noah Smith, focada sobretudo na
desmontagem de algum criticismo à obra de Thaler (link aqui).
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