Javier Cercas tem hoje,
no suplemento de domingo do El País, uma crónica que me encheu as medidas, recordou
intuições e estranhamente me conduziu de novo a 1934. O tema é sugestivo, a
história regressa, ou se quiserem reaparece, contrariando aquele dito de que
ela nunca se repete.
A citação que Cercas
invoca vai direitinha a um grande vulto das letras e do jornalismo catalão,
Agustí Calvet, mais conhecido por Gaziel, que entre outras coisas foi diretor
da La Vanguardia entre 1920 e 1936.
Para um completo e
rigoroso enquadramento do argumento de Javier Cercas vou citá-lo na parte do
texto em que ele próprio cita Gaziel:
“É curioso que quase reconheçamos a história quando ela reaparece. Porque
é certo que, ao contrário do que se crê, a história repete-se muitas vezes, só
que se repete com máscaras tão distintas que é por vezes difícil reconhecê-la:
ainda que a verdade seja que agora, na Catalunha, a história tenha apenas tido
o pudor de mascarar-se. Basta recordar uma crónica em que o jornalista Agustí
Calvet, aliás Gaziel, escreve no dia 6 de outubro de 1934., quando o governo da
Generalitat se revoltou contra a legalidade democrática, proclamou o estado catalão
dentro da República Federal Espanhola e cortou com o governo de Madrid. ‘É algo de formidável” escreve Gaziel pouco depois dos factos, evocando a proclamação de
rotura de Lluís Companys. ‘Enquanto escuto,
parece-me um sonho. Isto é, nem mais nem menos, uma declaração de guerra. E uma
declaração de guerra - que equivale a pôr
tudo em jogo, audazmente, temerariamente – no preciso instante em que a
Catalunha, depois de muitos séculos de submissão, tinha logrado sem risco
algum, graças à República e à autonomia, uma posição incomparável dentro de
Espanha, até constituir-se em verdadeiro árbitro, até ao ponto de poder jogar
com os seus Governos, como lhe dava a gana. Nestas circunstâncias a Generalitat
declara a guerra, isto é, força o governo de Madrid à violência, quando jamais
o governo de Madrid se atreveu nem se teria atrevido a fazer o mesmo com ela. E
isso porquê? (…) Por um Estado catalão que, dada a existência da Generalitat, não
é para nada necessário’. Uma semana
depois, Gaziel acrescentava: ‘Acontece algo de
espantoso – outra coisa de Espanha – que a Constituição tenha sido rompida e
pisada pelos mesmos que a votaram e os encarregados agora de a proteger são
aqueles que a combateram’. Resta
recordar o desastre em que tudo aquilo acabou: quando escrevo estas linhas, não
se sabe como acabará tudo isto.”
Javier Cercas, El País Semanal,
22 de outubro, página 8.
Dirão os independentistas,
aqueles que têm-se esforçado por acossar os intelectuais que recusam e bem o nacionalismo,
que Cercas é de Cáceres, escreve como se fosse de Madrid e que por isso não merece
ser ouvido. Grande erro, o deles. Talvez devessem estudar melhor os
acontecimentos de 1934. A minha intuição e o que sei da República Federal
Espanhola em vigor em 1934 diz-me que a rotura anunciava muita coisa que os
acontecimentos de hoje viriam a confirmar: os independentistas mais radicais não
são de confiar, embora isso custe ao folclore de uma certa esquerda em Portugal.
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