domingo, 22 de outubro de 2017

UMA CITAÇÃO QUE DÁ QUE PENSAR






Javier Cercas tem hoje, no suplemento de domingo do El País, uma crónica que me encheu as medidas, recordou intuições e estranhamente me conduziu de novo a 1934. O tema é sugestivo, a história regressa, ou se quiserem reaparece, contrariando aquele dito de que ela nunca se repete.

A citação que Cercas invoca vai direitinha a um grande vulto das letras e do jornalismo catalão, Agustí Calvet, mais conhecido por Gaziel, que entre outras coisas foi diretor da La Vanguardia entre 1920 e 1936.

Para um completo e rigoroso enquadramento do argumento de Javier Cercas vou citá-lo na parte do texto em que ele próprio cita Gaziel:

É curioso que quase reconheçamos a história quando ela reaparece. Porque é certo que, ao contrário do que se crê, a história repete-se muitas vezes, só que se repete com máscaras tão distintas que é por vezes difícil reconhecê-la: ainda que a verdade seja que agora, na Catalunha, a história tenha apenas tido o pudor de mascarar-se. Basta recordar uma crónica em que o jornalista Agustí Calvet, aliás Gaziel, escreve no dia 6 de outubro de 1934., quando o governo da Generalitat se revoltou contra a legalidade democrática, proclamou o estado catalão dentro da República Federal Espanhola e cortou com o governo de Madrid. ‘É algo de formidável” escreve Gaziel pouco depois dos factos, evocando a proclamação de rotura de Lluís Companys. ‘Enquanto escuto, parece-me um sonho. Isto é, nem mais nem menos, uma declaração de guerra. E uma declaração de guerra  - que equivale a pôr tudo em jogo, audazmente, temerariamente – no preciso instante em que a Catalunha, depois de muitos séculos de submissão, tinha logrado sem risco algum, graças à República e à autonomia, uma posição incomparável dentro de Espanha, até constituir-se em verdadeiro árbitro, até ao ponto de poder jogar com os seus Governos, como lhe dava a gana. Nestas circunstâncias a Generalitat declara a guerra, isto é, força o governo de Madrid à violência, quando jamais o governo de Madrid se atreveu nem se teria atrevido a fazer o mesmo com ela. E isso porquê? (…) Por um Estado catalão que, dada a existência da Generalitat, não é para nada necessário’. Uma semana depois, Gaziel acrescentava: ‘Acontece algo de espantoso – outra coisa de Espanha – que a Constituição tenha sido rompida e pisada pelos mesmos que a votaram e os encarregados agora de a proteger são aqueles que a combateram’. Resta recordar o desastre em que tudo aquilo acabou: quando escrevo estas linhas, não se sabe como acabará tudo isto.”
Javier Cercas, El País Semanal, 22 de outubro, página 8.

Dirão os independentistas, aqueles que têm-se esforçado por acossar os intelectuais que recusam e bem o nacionalismo, que Cercas é de Cáceres, escreve como se fosse de Madrid e que por isso não merece ser ouvido. Grande erro, o deles. Talvez devessem estudar melhor os acontecimentos de 1934. A minha intuição e o que sei da República Federal Espanhola em vigor em 1934 diz-me que a rotura anunciava muita coisa que os acontecimentos de hoje viriam a confirmar: os independentistas mais radicais não são de confiar, embora isso custe ao folclore de uma certa esquerda em Portugal.

Sem comentários:

Enviar um comentário