terça-feira, 3 de outubro de 2017

DEZ CURIOSIDADES SERVIDAS FRIAS


Os comentadores são tantos e tão sapientes e cheios das suas certezas que quase não deixam nada para o vulgar cidadão apreciar de per si. Não obstante, e como sou do tipo teimoso, vou insistir no exercício, para o que me posiciono num plano de procura do menos óbvio (o que não significa, necessariamente, inédito ou especialmente irrebatível). Aí vai, então, em dez pontos.

Primeiro: os resultados de ontem voltam a evidenciar a enorme capacidade e a fina sensibilidade política de António Costa. A retumbante vitória do Partido Socialista teve contornos absolutamente históricos à escala nacional e tem a sua indelével impressão digital, quer no tocante às nove câmaras discretamente tiradas ao PCP quer no tocante ao modo como conseguiu largamente minorar as consequências de algumas discutíveis opções locais e até lograr vários ganhos improváveis (ilustráveis pelo caso máximo de Oliveira de Azeméis, nunca antes conseguido desde que existem eleições autárquicas).

Segundo: dito o que acima fica dito, foi chocante ver a vitória do PS afunilada naquela sala do Altis e naquela afinal tão limitada expressão lisboeta. Tanto mais quanto Fernando Medina apenas conseguiu vencer a Capital sem maioria absoluta – perdendo-a, aliás – mas ali não deixou de aparecer quase canonizado como o grande vencedor da noite. Mesmo quando se declara que a descentralização vai passar a estar na agenda das reformas e mesmo quando as sondagens mostravam que vitórias importantes iriam ser alcançadas por todo o lado, o centralismo prevaleceu como algo que está de tal maneira entranhado nas instituições (todas, e partidárias também) que acaba por proporcionar a ocorrência de coisas destas, objetivamente provincianas...

Terceiro: a vitória de Rui Moreira no Porto foi bem mais saliente e sólida em termos de mandatos, independentemente da análise que possa ser produzida quanto à sua rotura de maio com o PS (aliás em condições que ficarão sempre por clarificar completamente) ou quanto à dose excessiva de acrimónia do seu discurso. Mas também não quereria deixar de referenciar o lado obscuro e tendencialmente populista de uma candidatura que apenas se vê centrada nos alegados interesses de uma cidade – que por acaso é a segunda do País e a mais relevante da sua Região economicamente mais representativa e mais exportadora – e que não assume, portanto, aquelas que deveriam ser as suas inalienáveis responsabilidades regionais.

Quarto: a brutal derrota do PSD e de Passos, além do que contém de reveladora quanto à deriva “ruralista” e a-estratégica do partido e do seu aparolado e casmurro líder, teve uma expressão especialmente assinalável em Lisboa e no Porto, onde se juntou a fome à vontade de comer. E se o caso de Álvaro Almeida foi notório quanto à sua inexperiência e inabilidade política, coisas que eram mais do que previsíveis e que o próprio ultrapassará sem dificuldade se realmente o enviarem para o lugar de Rangel em Bruxelas, o de Teresa Leal Coelho foi inequívoco quanto à indigência bacoca e à irrecuperável falta de jeito da autoproclamada “senhora Lisboa”.

Quinto: a significativa derrota do PCP anuncia problemas sérios para a atual solução governativa, ao mesmo tempo que poderá vir a constituir-se no canto do cisne político de um Jerónimo de Sousa que cumpriu cabalmente a missão histórica que reconhecidamente se lhe deve, mas da qual irá agora seguramente sentir o respetivo ricochete por parte dos setores mais dogmáticos de um partido que lida péssimo com a derrota e com qualquer perda de controlo das situações.

Sexto: não creio que o resultado de Assunção Cristas traduza muito mais do que um eficaz aproveitamento da aselhice dos outros. Sem prejuízo de a presidente do CDS ter assim meritoriamente consolidado a sua posição na liderança do partido, o que me parece é que as coisas ainda estão longe de estar maduras para que os democratas-cristãos possam credivelmente aspirar a disputar o comando da “alternativa às esquerdas” ao PSD. Mesmo em termos de implantação local, não errarei muito se disser que a meia dúzia de municípios do CDS tem bem mais de circunstancial do que de efetiva presença partidária no terreno.

Sétimo: apesar da enorme derrota que sofreu, a presença do PSD permanece importante em diversas das grandes cidades do País – em termos de capitais de distrito no Continente, por exemplo, ainda consegue deter os cordelinhos do poder em sete delas, a saber: Braga, Bragança, Aveiro, Viseu, Guarda, Santarém e Faro. Ou seja: tantas quantas as que passaram a ser dominadas pelo PS (Viana do Castelo, Vila Real, Castelo Branco, Coimbra, Leiria, Lisboa e Beja), restando as exceções de Setúbal e Évora (PCP) e do Porto e Portalegre (movimentos independentes, no primeiro caso com o apoio do CDS).

Oitavo: o Bloco de Esquerda é uma força partidária sui generis, na medida em que os seus avanços recentes ainda não se traduzem em encontrar significância em termos de espalhamento nacional. É espantoso observar como um PCP em perda ganha 24 câmaras (contra nenhuma do Bloco) e elege 171 autarcas camarários (contra 12 do Bloco), verificando-se ainda que a relação entre os votos dos dois partidos rivais à esquerda é de quase 490 mil para pouco mais de 170 mil. Neste quadro, é por demais assinalável o esforço de Catarina Martins e dos principais quadros políticos – a maioria jovens – que a acompanham.

Nono: os 41,7% (34264 votos) para Isaltino em Oeiras constituem um verdadeiro buraco negro da democracia portuguesa, mesmo se os opositores Vistas e Raposo eram marcadamente frágeis para lhe fazer mossa. Alguém dizia ontem, com alguma graça, que às vezes até parece que existe um amplo acordo de regime para que ninguém faça sombra às pretensões políticas do ex-ministro do Ambiente e ex-presidiário. Já quanto aos outros dinossauros, a vida não lhes sorriu – nem Valentim nem Narciso nem Fernando Costa, entre outros (incluindo o candidato lamentavelmente patrocinado por Mário Almeida em Vila do Conde), conseguiram mais do que criar uma espécie de ruído final.

Décimo: houve candidatos que ontem se passearam eleitoralmente e que são, por isso, merecedores de uma mais concreta menção honrosa – particularmente notórios foram, a Norte, os seguintes: Vítor Paulo Pereira (PS) em Paredes de Coura (76,6%), Fernando Queiroga (PSD) em Boticas (76,2%), Amílcar Almeida (PSD) em Valpaços (75,7%), Armando Mourisco (PS) em Cinfães (75,4%), Carlos Santiago (PSD) em Sernancelhe (71,9%), João Manuel Esteves (PSD) em Arcos de Valdevez (67,8%), Paulo Cunha (PSD) em Vila Nova de Famalicão (67,4%), Paulo Pereira (PS) em Baião (67,1%), José Alberto Silva (CDS) em Vale de Cambra (65,4%) e Humberto Brito (PS) em Paços de Ferreira (64,8%).

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