quarta-feira, 11 de outubro de 2017

(N) INDEPENDÊNCIA




(Se era necessária melhor prova de que o radicalismo catalão está a conduzir a identidade catalã a um abismo, precipitando com ele o governo de Rajoy, aí a tivemos ontem na farsa parlamentar de declarar a independência suspensa; o pior é que no enredo dessa farsa temos como cointérprete o governo de Rajoy, que não escolheu melhor passo do que perguntar à Generalitat se afinal declarou ou não a independência…)

Somos tão severos, por vezes, clamando que a nossa classe política anda pelas ruas da amargura intelectual e humanamente indigente. Tendo em conta o que passa na Catalunha deveríamos ser talvez menos severos.

De facto, se analisarmos a sequência dos acontecimentos na Catalunha até hoje, culminando ontem com o híper-declarativo momento parlamentar da independência, a qualidade dos intérpretes é demasiado má, precipitando-nos na incómoda perceção de que a estabilidade europeia está afinal dependente de gente que não se recomenda ou não se recebe em nossa casa.

Puigdemont inventou ontem uma figura nova, a independência suspensa. O desatino está em curso e revela-se a todo o momento, Ontem, um parlamentar do PDeCAT, Feliu Guillaumes, brandia uma página do Economist de 2012 para demonstrar que a imprensa internacional estava com os independentistas na denúncia da violência policial. O desatino já entrou na perda da noção de tempo. Mas a intervenção de Puigdemont é uma farsa. Existe um documento assinado pelas duas forças independentistas que controlam o parlamento catalão, Junts pel Si e a CUP, que pode ser considerado um texto de declaração de independência. Mas o presidente da Generalitat proclamou a independência suspensa. Desconcertante, não?

Mas a fugir também para a farsa é a decisão de Rajoy de solicitar à Generalitat que esclareça se proclamou ou não a independência. Será que ouvi bem? É pura verdade e a estranheza da situação levou Ferreira Fernandes no Diário de Notícias a uma crónica deliciosa em que faz o paralelo com os chistes de Solnado.

Atentemos no lio que está criado. Por um lado, Rajoy prepara-se para acionar o 155º da Constituição e suspender a autonomia, afirmando que o fará se a Generalitar responder que declarou a independência. Por seu lado, Puigdemont e seus pares afirmam que se o 155º for ativado então a independência será declarada. Ou seja, quem desatar o nó fará explodir a bomba. Entretanto, o radicalismo da CUP (e as massas que tem capturado) ficaram incomodados com a independência suspensa e ameaçam romper. Afinal nos últimos dias duas coisas ficaram demonstradas: (i) a outra Catalunha existe e recusa-se a não falar e a ser capturada; (ii) a economia dita as suas leis e os grandes símbolos da economia catalã procuram sedes em locais mais recomendáveis. Como não podia deixar de ser, num “procès” tão dinâmico, essas duas evidências não poderiam deixar de influenciar o rumo dos acontecimentos.

Por outro lado, espíritos mais musculados começam a ficar incomodados com a falta de espinha do governo Rajoy. Um bom exemplo, que conheço bem de algumas lides galegas, é o de Xosé Luís Barreiros Rivas, professor de ciência política na Universidade de Santiago e cronista vociferador na Voz de Galícia. Rivas, partidário de que Rajoy tivesse há mais de seis meses cortado cerce o processo com o 155º e proposto eleições para a normalização da situação, escreve hoje no seu tom desabrido e peculiar (mantenho o castelhano porque em português a vociferação não tem o mesmo tom) (link aqui):

“(…)Y lo que nos queda ahora, a España entera, es que, en vez de morir de un infarto, vamos a morir de lepra, cólera, peste y depresión, ¡todo junto! Lo peor que podía pasar -entrar en tierra de nadie, embarrada y purulenta- ya pasó ayer. Y hoy, cuando ya no podemos esperar nada de la inteligencia y el sentido común, me temo que tampoco cabe esperar que alguien aplique con eficacia la defensa de la Constitución. Pero no nos engañemos, porque lo que buscaba Puigdemont -y lo que de hecho consiguió- era demostrar que España se está macerando en el conflicto catalán, y que con tiempo, y con el apoyo de los buenistas y los posmodernos, España entera acabará pidiendo que se vayan de una vez.”

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