(Será que Carles
Puigdemont pretende em outubro de 2017 ser o Lluís Companys de outubro de 1934?;
ou breves reflexões sobre
o 1-O de ontem…)
O editorial do El Mundo
de hoje escreve o seguinte:
“O 1 de outubro de 2017 não será recordado
como o dia em que se realizou o referendo da independência da Catalunha, mas
apenas como a jornada sinistra em que a irresponsabilidade de uma Generalitat
ocupada por iluminados e a inoperância de um Governo ausente durante largo
tempo se combinaram para iluminar o caos.” (http://www.elmundo.es/opinion.html?intcmp=MENUHOM24801&s_kw=opinion)
Estar de acordo com os
editoriais do El Mundo não é frequente. Mas neste caso, a síntese deste
parágrafo resume na perfeição o meu estado de espírito relativamente ao modo
como evoluiu a partir de ontem a questão catalã. Em relação ao meu post de ontem, escrito manhã cedo de
domingo 1-O, tenho de admitir que os iluminados da Generalitat “ganharam” a
batalha mediática da violência. A imagem final que ficou está longe de
representar a ideia de contenção, proporcionalidade e profissionalismo das
forças de segurança que as primeiras horas da manhã pareciam ir determinar.
O pedido de investigação das Nações Unidas pode também ser considerado uma vitória para os independentistas. Mas, como hoje sabemos, a imagem mediática destes acontecimentos nunca será a
imagem real que pretenderíamos. Mas o facto das autoridades internacionais,
embora reconhecendo claramente a ilegalidade do referendo, terem condenado a
violência observada constitui inequivocamente uma vitória
para a liderança independentista. O choque entre os meios de comunicação é de
tal maneira violento (designadamente entre a TV3 independentista a toda a brida
e os restantes meios de comunicação) que se constitui em elemento intrínseco da
fratura já consumada. É verdade que do ponto de vista mediático a Generalitat
perdeu a batalha mediática sobre a legalidade do referendo, aquelas imagens das
urnas não seladas que se abriram com boletins de voto lá dentro é profundamente
corrosiva para a legalidade democrática do nacionalismo em curso.
Já há alguns anos que o
Professor Catedrático de Direito Constitucional na Universidade Autónoma de
Barcelona Francesc de Carreras é um dos meus referenciais de opinião na
Catalunha. Francesc De Carreras é um dos fundadores do CIUDADANOS, embora o
partido de Rivera e de Arrimadas se tenha afastado irreversivelmente dos
princípios liberais e sociais-democratas do manifesto que deu origem ao
movimento. Já em 20 de julho de 2015, De Carreras escrevia assim numa tribuna
do El País:
“Já há vários anos que o desprezo pelo
direito – pela Constituição, leis e sentenças – se instalou comodamente na
Catalunha oficial. O presidente da Generalitat, conselheiros, deputados e
dirigentes dos partidos nacionalistas declaram com frequência que estão
dispostos a saltar por cima da lei o não cumprir uma sentença e aqui não se
passa nada. Os editoriais dos periódicos, os colunistas de referência, as
tertúlias da rádio e da televisão, salvo muito raras exceções, não prestam
especial atenção às constantes violações do estado de direito. Pelos vistos,
consideram isso como algo de normal, habitual, um pormenor sem a mínima
importância”.
Há gente que tem esta
capacidade de compreender antecipadamente e à distância as doenças da sua
sociedade. De Carreras é um exemplo. O caldo catalão para o não respeito da
lei, orgulhosamente defendido em torno de uma perspetiva revolucionária do
caminho para a independência, teve o seu clímax nos acontecimentos de ontem e
evoluirá muito provavelmente para uma declaração universal da independência.
Todo despautério que se vai descobrindo sobre a gestão oculta dos Pujol
ajuda-nos a compreender quão fundo se tornou aquele caldo anotado por De
Carreras.
Os nacionalistas
catalães radicais pelam-se por uma boa analogia histórica, nem que para isso
falseiem esta última.
Nos últimos tempos, sob
a carga simbólica do mês de outubro, tem sido muito recordada a declaração
unilateral do Estado catalão em outubro de 1934, vivia então a sua curta vida a
República em Espanha, o que muitos historiadores consideram uma traição de
Lluís Companys à então República. O evoluir da guerra de Espanha com a vitória
dos franquistas haveria de levar Companys ao cadafalso, fuzilado sumariamente
por um conselho militar franquista.
Como é óbvio, qualquer
tentativa de equiparar o governo democrático atual de Espanha com o franquismo
é pura loucura, embora a batalha mediática em torno da violência de ontem sirva
a analogia a todo o custo. Não vou enveredar por ridicularizar a comparação
autoassumida pelos radicais independentistas entre Puigdemont, Junqueras ou
Trullul com Lluís Companys, pois não tenho conhecimento histórico aprofundado das
personalidades. Mas há sempre personagens menores a que as circunstâncias da
história dão um relevo desproporcionado. Será esse provavelmente o caso.
Mas pergunta-se, o que
virá por aí esta semana e depois? Vai o governo espanhol depois de ouvir o PSOE
e o Ciudadanos antecipar-se a uma eventual declaração unilateral de
independência e acionar a bazuca do 155 da Constituição, suspender a autonomia
e marcar eleições na Catalunha, para com um outro governo regional negociar
alguma coisa de frutífero? Mas esse processo só parece compatível com a
disponibilidade para transformar a Espanha num país federal, à semelhança do
estado alemão. Terá o PP a flexibilidade para admitir essa solução? Será isso
possível com o atual Rajoy? Ou a imagem de umas novas eleições regionais em que
as forças independentistas as ganhem democraticamente (cenário possível face à
evolução dos acontecimentos) atormentará a mente do infeliz Rajoy?
Por cá, uma certa
esquerda portuguesa, tão sensível ao estilo PODEMOS e tão afincadamente
divulgadora da sua inserção democrática, ganharia em perceber o perigoso caldo
antidemocrático em que as lideranças políticas catalãs no poder se deixaram
mergulhar. Afinal, um surto de legitimidade revolucionária é sempre algo de
precioso no século XXI. Podemos dizer o pior do governo de Rajoy, da sua
lassidão perante a corrupção, da sua rigidez centralista e da incapacidade que
PP e PSOE, incluindo o PSOE catalão, tiveram para compreender o que se passava
na Catalunha desde o afundamento da Convergência até ao presente. Mas convinha
lembrar que, apesar de tudo isso, é um governo democrático e que está dentro da
lei. A conversão à democracia não pode ser pontual, admitindo recaídas
revolucionárias. Afinal, quem não quer ser lobo …
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