(Reflexões matinais
sobre a Catalunha, onde cada vez mais me convenço que o radicalismo separatista
capturou o sentido mais profundo do catalanismo, e a rigidez política do PP paga agora o preço
da sua inércia …)
Acordei hoje
praticamente a fazer zapping pelos
principais canais de notícias internacionais pelos acontecimentos do 1-O na Catalunha,
com imagens do braço de ferro entre a intervenção da justiça espanhola de impedir
a operacionalidade do referendo independentista e a resistência na rua do
nacionalismo independentista catalão.
Agora que praticamente a
manhã catalã está passada e que o caos nas condições operacionais do referendo
está instalado, com a possibilidade de um recenseamento universal, isto é válido
para qualquer assembleia de voto ter sido aventada e depois bloqueada, portanto
sem controlo algum de possíveis duplicações, o que dizer do alcance do que vai
passar-se e dos votos que aparecerem depositados nas urnas?
A minha primeira sensação
é que o catalanismo profundo que sempre me tocou pela sua singularidade e
consistência está hoje capturado por um radicalismo separatista que não olha a
meios para impor a sua visão sobre toda a Catalunha. O teatro que foi hoje montado
pelas forças independentistas é demasiado tenso e perigoso para meu gosto. Oxalá
não me engane à medida que o dia avançar e que eventuais surtos de violência não
se produzam, mas a ideia de que o mundo iria ver imagens de violência repressiva
e massiva com a intervenção da Guardia Civil pode correr mal ao separatismo. Tanto
quanto se pode ver pela generalizada cobertura dos grandes canais de notícias a
nível mundial, a intervenção da Guardia Civil tem sido até à hora em que escrevo
de grande contenção e profissionalismo. Para isso contribuiu também a inexistência
de surtos de violência por parte dos manifestantes. Mas o que me parece de uma
gravidade extrema é o facto da Generalitat não ter hesitado em ceder as bases
de dados do recenseamento catalão aos mais sinistros serviços de WEB pirata
para assegurar que o bloqueio das forças de Madrid iria ser contornado com acesso
internet. É algo de impensável que nunca admiti que pudesse acontecer, o que
sugere relações estranhas, e a que a democracia tem de estar atenta, entre a
pirataria informática e algum radicalismo político.
Extrapolando o que tenho
visto até ao momento, o que podem as forças separatistas apresentar no fim da
jornada de hoje?
A captura do catalanismo
mais profundo pelas ondas do nacionalismo separatista é perigosa sobretudo do
ponto de vista do que ela representa em matéria de violação descarada dos direitos
dos catalães não independentistas. Essa violação parece-me mais grave do que a decisão
de desmantelar a operacionalidade do referendo dada a sua ilegalidade. É uma
captura que pode não ter retorno.
Quando revisitamos a
história recente, e textos de grande qualidade têm aparecido na imprensa
espanhola, apercebemo-nos que a atitude vingativa do PP de 2010 de por via
constitucional arruinar o Estatuto de Autonomia Catalã que havia sido democraticamente
sufragado na região comprometeu todo o processo de integração da autonomia catalã
numa via democrática global. A situação de hoje é um efeito retardado dessa
interrupção dos caminhos que a autonomia estava a seguir. A semana que vem aí
será provavelmente de grande agitação na Catalunha. Apesar de reconhecer que a
intervenção de hoje das forças de Madrid foi até ao momento contida e muito
profissional, tenho dúvidas de que o governo de Rajoy possa fazer regressar a
situação à mesa das negociações. Resta saber se as forças independentistas permanecerão
coesas apesar do seu radicalismo.
Em contraste profundo
com tudo isto, vou votar numa manhã solarenga, tranquila, em boa consciência. Faz
toda a diferença.
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