(Lawrence Summers)
(Ricardo Reis)
(Há debate para
lá das minudências geograficamente circunscritas do putativo conflito entre o
governador do Banco de Portugal e o ministro das Finanças, com gente de relevo a nele participar e isso
é o que fundamentalmente me interessa …)
O governador do Banco de
Portugal nas suas tomadas de posição públicas, essencialmente intervenções em
conferências, sobre a matéria da independência dos bancos centrais não foi
suficientemente claro para evitar que a economicamente iletrada imprensa
portuguesa centrasse o assunto no putativo conflito com o ministro das
Finanças. O tom utilizado permitiu que se gerasse a ideia de que está em curso
uma grave ameaça à independência dos bancos centrais, um movimento maléfico de
controlo político, sendo necessário cerrar fileiras para o evitar. Daí a que a
mensagem fosse interpretada como uma referência a um caso concreto de ameaça,
neste caso nativa, ou seja um pequeno presente para jornalistas excitados com o
sangue que poderia jorrar.
Mas, muito sinceramente,
como se diz depreciativamente em algum jargão político, isso são amendoins face
à importância do debate que o assunto encerra, sem qualquer menosprezo para as
duas personalidades em causa, internacionalmente reconhecidas por vias,
experiências e razões diversas.
A prova do que digo está
no facto do Banco de Inglaterra (link aqui) ter dedicado a conferência dos 20 anos do seu
estatuto de independência ao tema. Não podemos ignorar que o ambiente de pós Brexit estará a levar as relações entre
o canadiano Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra, e Theresa May ao
rubro. Mas o tom geral das presenças na conferência atesta a relevância do
debate, por mais sinistras ameaças que alguém mais cabalístico esteja disposto
a identificar no seu seio. Afinal, como dizia no meu post anterior sobre o assunto, o abalo de 2007-2008 não foi um
abanão de circunstância. Várias disciplinas da economia estão a rever padrões e
paradigmas, embora a tarefa seja gigantesca. Não é fácil antecipar o sentido
das mudanças, quando estamos nelas mergulhados.
Do lado de lá do
Atlântico, Lawrence Summers (link aqui) entrou recentemente no debate e não é um personagem
qualquer. Sobretudo porque nos anos 80 e 90 foi um defensor dessa
independência. Não se trata de fazer um julgamento sumário e concluir pela sua
inadequação. Um debate sério sobre o tema deverá incidir na alteração das
condições de contexto que podem justificar uma valoração diversa das vantagens
e custos da opção pela independência. Por se tratar de uma conferência em que a
segunda intervenção do governador do Banco de Portugal foi realizada, teria
havido oportunidade para nesse contexto de debate o governador ter defendido a
sua posição. Outra teria sido a interpretação.
A generalidade dos
intervenientes no debate reconhece que os anos 80 e 90 foram anos de
independência dos bancos centrais com atividade económica mais intensa e
inflação mais baixa e estável. Trata-se de evidência suficientemente relevante.
Mas como Summers refere, a questão transcende a limitada posição de que “os experts são sempre melhores do que os
políticos”. Em tempos de degenerescência da base moral de muitos agentes de
mercado, esse argumento também não me convence.
Summers é metódico na
sua avaliação.
Do ponto de vista das vantagens da independência, há três
fatores que as minimizam face ao contexto anterior: (i) primeiro, os políticos
parecem globalmente mais disciplinados, claro que no mundo civilizado, não no
mundo do delírio de Maduro, entre outros, e não deixa de ser curioso que sejam
os falcões mais ortodoxos a protagonizar as críticas mais violentas aos bancos
centrais; (ii) segundo, hoje estamos com inflação a menos e não com inflação a
mais e assim estaremos no horizonte mais mediato; (iii) terceiro, os tempos da
armadilha da liquidez aconselham a que os bancos centrais não travem demasiado
cedo a potencial pressão inflacionária gerada pela recuperação; (iv) quarto, a
partir do momento em que os BC são remunerados pelas reservas que acolhem, será
baixo o incentivo para que um banco central não independente monetarize défices
excessivos.
Quanto aos custos, Summers
admite que no contexto de hoje a cooperação entre ministros das Finanças e
bancos centrais seja mais necessária, podendo dizer-se que a coordenação com
conexão política é mais fácil do que sem ela. O argumento de Summers alonga-se
por várias matérias em que essa cooperação é crucial, destacando-se nelas algo
que assinalei no post anterior. Hoje,
no mix de política fiscal-política
monetária a primeira tem redobrado de importância. Aliás, essa cooperação é
demasiado importante para não ser accountable.
Como cidadão, tenho todo o direito em reivindicar que a cooperação hoje
necessária entre ministério das Finanças e Banco Central esteja a salvo de
qualquer conflito institucional pu pessoal.
Mas o debate existe
porque existe outra conflitualidade que não podemos ignorar, a da própria
economia e a da gestão macroeconómica. Essa conflitualidade esbateu-se nos anos
de maior atividade e menor inflação. Reacendeu-se após o abalo de 2007-2008.
Por exemplo, na
conferência do Banco de Inglaterra, se projetarmos a intervenção do nosso
internacionalmente reconhecido Ricardo Reis (link aqui), hoje na London School of
Economics, a sua intervenção é bem menos questionadora do pressuposto da independência.
Ambos economistas não petrificados e abertos ao pensamento crítico, têm
perspetivas diferenciadas sobre o tema. Assim é e será por mais tempo, pelo
menos enquanto permanecer a dúvida se o pós abalo vai ser ou não desta vez diferente. É essa a indeterminação, a par de
outras.
Tudo isto vale mais do
que análises de jornalistas economicamente iletrados. Sempre invocando a máxima de
Bradford DeLong, “Oh Oh why can’t we have
better press corps?”
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