segunda-feira, 2 de outubro de 2017

REFLEXÕES PÓS AUTÁRQUICAS




(O PS navegou bem as dinâmicas de governo e da situação económica global do país, obtendo uma vitória indiscutível qualquer que seja o critério e conseguindo com esses traços globais apagar o significado da não maioria absoluta em Lisboa, da derrota no Porto e das perdas para independentes que abandonaram ou não tiveram o apoio do partido, caso típico de Vila do Conde; mas há outras reflexões a fazer…)

Devo admitir que a magnitude da vitória global do PS transcendeu o meu juízo inicial, bem como a derrocada do PSD está para além do imaginável, tão profunda ela é.

Para a mais que vitória global do PS contribuíram sobretudo os seguintes fatores: (i) minimização de danos colaterais por escolhas displicentes, imagino o que terá custado à concelhia do PS em Vila do Conde a vitória de Elisa Ferraz, agora com estatuto de independente; (ii) vitórias inesperadas tais como em Chaves, S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Pedrogão Grande (ironia trágica, direi eu) e a grande ofensiva de conquista em câmaras CDU, com relevo para Almada e Barreiro; (iii) vitórias esmagadoras como o foi por exemplo a vitória de Eduardo Rodrigues (chapéu) em Vila Nova de Gaia.

A magnitude da vitória global e regional (recuperação da Área Metropolitana do Porto, por exemplo) permite ocultar em parte o significado de algumas perdas. Primeiro, o significado da não maioria absoluta em Lisboa, que me parece sobretudo explicada pela prática assumida pela vereação de responsabilidade do Arquiteto Salgado. Há vários cenários de compromisso político possíveis no âmbito da maioria relativa obtida. Estou com curiosidade em seguir o posicionamento da CDU e do Bloco de Esquerda. Segundo, por mais que Manuel Pizarro tenha querido puxar pelos galões de uma campanha inteligente e empenhada, ela não conseguiu evitar a maioria absoluta de Rui Moreira. Podemos pintá-la da cor que quisermos, com o reconhecimento entre outros aspetos de que o PS aumentou a votação de 2013, segurando Campanhã, mas objetivamente é uma derrota. Rui Moreira venceu, pese embora a sua displicência e alguns fogachos (alguém já viu, por exemplo, alguma coisa da transformação do espaço do matadouro em polo criativo e tecnológico tão promovido pela azougada, insinuante e agora secretária de Estado Ana Lehman?), o seu braço de ferro com o PS nacional que originou, vá lá saber-se intencionalmente ou não, a separação do “tão amigos que nós éramos”.

Terceiro, nas condições atuais, a conquista de um número tão significativo de Câmaras à CDU, com relevo para os bastiões de Almada e do Barreiro talvez não fosse a vitória pretendida pelo PS dada a interrogação que ela coloca ao comportamento do PCP a nível nacional. De qualquer modo, não vem nada de mal ao mundo que a CDU também experimente o sabor da derrota e conclua que em democracia não há fidelidades para sempre. E como Jerónimo de Sousa foi o primeiro e antecipadamente a reconhecer que não há extrapolação nacional dos resultados autárquicos, seria difícil perceber uma alteração de posicionamento a nível nacional do PCP, “purificando-se” a nível nacional para capitalizar depois a nível local.

Mas para além do significado da vitória expressiva do PS há mais matéria relevante. A derrota do PSD em pleno eleitorado urbano tanto pode ser interpretada como um castigo imposto pelo eleitorado mais fiel do partido à liderança atual pela displicência e aselhice das suas escolhas, como pode ser visto como algo de mais estrutural, de uma perda urbana que demorará tempo a recuperar. Embora, tal como Pacheco Pereira o aponte, o PSD esteja hoje capturado por lideranças locais e regionais nos principais centros que se afastam bastante da matriz original social-democrata, tenho dificuldade em aderir à tese de que o PSD se “ruralizou”.

A este respeito, a nota mais enigmática da noite eleitoral foi dada por Rui Moreira quando no seu discurso de vitória investiu sobre o PSD e denunciou a tentativa concretizada de utilizar as eleições do Porto como uma espécie de pré-eleições internas. E a nota é tanto mais enigmática quanto mais foi acompanhada pelo dedo em riste apontado a três nomes, Rui Rio, Paulo Rangel e António Tavares. Para mim, a nota mais sugestiva para monitorização atenta é o dedo apontado a António Tavares. Pressuponho que Rui Moreira estaria a referir-se ao atual Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que tem aliás no seu corpo diretivo outra personagem relevante do PSD, Agostinho Branquinho. Mas é para mim algo misterioso que Rui Moreira se tenha dado ao pormenor de nomear três personalidades. Se calhar por mera coincidência (será mesmo coincidência?), o Público de hoje publica um artigo de opinião de António Tavares (link aqui), em que se reivindica do PSD de Sá Carneiro (o que também Pacheco Pereira fazia ontem no seu comentário político na SIC Notícias) e do mal-estar provocado pela ignorância da atual liderança do PSD quanto ao Estado Social e à sua relevância. Tudo isto ao mesmo tempo que os 80 anos de Valente de Oliveira, agora liberto da sua relação ao partido, saltavam entusiasmados em palco, comemorando a vitória de Moreira.

Cheira-me que se avizinham por aí movimentações interessantes no PSD. Quanto a Paulo Rangel, votava ontem na Escola de Gaia em que votei, acompanhando com cautela e devoção a sua simpática e respeitada senhora Mãe. Ontem, não me pareceu muito inclinado para movimentações de vulto, mas quem sabe?

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