(A convite simpático da FEDERAÇÃO MINHA TERRA, que agrupa
as associações dos Grupos de Ação Local – programa LEADER, lá estarei em
Aveiro, nas instalações da AIDA, a discutir o instrumento de política pública DLBC
(Desenvolvimento Local de Base Comunitária) e os modelos para a sua continuidade
no período 2021-2027. Oportunidade para um ponto pessoal de situação
do que se antevê em termos de políticas de coesão.)
A Federação
Minha Terra reúne amanhã e sexta-feira em Aveiro os seus associados GAL LEADER
para discutir o instrumento de política pública DLBC introduzido na programação
2014-2020 que estende a lógica Leader da política de desenvolvimento rural a um
campo de programação mais vasto. A discussão é um misto de avaliação de experiência
e projeção de expectativas para o período de programação de 2021-2027, embora não
esteja ainda disponível nenhuma avaliação sistemática e pouco (de concreto) se
saiba sobre o futuro. A simpatia da Ana Paula Xavier da ADRIMINHO é a responsável
por este convite e pela aceitação imediata.
Organizarei
a minha intervenção segundo quatro pontos fundamentais, com mensagens-chave
associadas:
- · 1. Uma abordagem testada e promissora nas garras da programação
- · 2. Alguns elementos dispersos e não sistemáticos de avaliação
- · 3. O que pode ser antecipado como futuro?
- · 4. Nota final: DLBC e consistência/coerência de opções estratégicas regionais e sub-regionais.
O PT2020
colocou uma enorme ambição nesta tentativa de estender a abordagem LEADER (essa
sim já com avaliações sistemáticas) através da inovação do instrumento de política
pública DLBC:
“O DLBC visa especialmente promover, em
territórios específicos, a concertação estratégica e operacional entre
parceiros, focalizada no empreendedorismo e na criação de postos de trabalho.
Este enfoque temático que, no âmbito do AP, será promovido de forma concertada
envolvendo os vários níveis de atuação (nacional, regional e local), pretende
dar resposta aos elevados níveis de desemprego e aos crescentes índices de pobreza, através da dinamização
económica local, da revitalização dos mercados locais e da sua articulação com
territórios mais amplos e, em geral, da diversificação das economias locais, do
estímulo á inovação social e à busca de novas respostas a problemas de pobreza
e de exclusão social em territórios … rurais, costeiros e urbanos” (Acordo de
Parceria).
Temos assim,
aparentemente, um contexto para dar certo. A abordagem LEADER é algo de
testado, maduro, com progressiva capacitação e internacionalização. A Fundação
MINHA TERRA presidirá proximamente à ELARD associação europeia que agrupa os
GAL de toda a UE envolvidos nos sucessivos programas LEADER. Para mais, um
instrumento de política pública com continuidade de aposta e por isso capacidade
de aprendizagem. Essa abordagem é alargada a intervenções em comunidades pesqueiras
e costeiras e em comunidades desfavorecidas de base urbana, numa lógica de dar
relevo ao intra-urbano e à sua pobreza em cidades com alguma dimensão. Até aqui
tudo bem e uma ideia inspiradora.
Na lógica da
programação PT2020, toda ela organizada (diríamos melhor segmentada) em
objetivos temáticos e em prioridades de investimento, tipificados à partida, a
abordagem DLBC foi organizada segundo cinco objetivos temáticos (financiados
por FEDER e FSE), não perdendo de vista a necessária complementaridade com a
política de desenvolvimento rural, a cargo do Ministério da Agricultura, outra
gaveta. A esta operação costumo chamar de “engavetamento” de uma ideia
promissora. Cada gaveta de programação tem os seus “amos e senhores”, com recursos
alocados, logo a partir de um dado momento orientados para a aplicação dos
recursos que lhes foram alocados. Como é óbvio, a arquitetura da programação não
deixa de estabelecer condições organizativas e institucionais para a coordenação
e supervisão de tudo isto, mas regra geral acaba por predominar a lógica “TMFD”
(Tudo a Monte e Fé em Deus) que é muito típica da nossa programação.
Como
imaginam tenho uma memória já vasta e diversificada da génese e implementação
de vários períodos de programação, primeiro a partir do ponto de observação
CCDR Norte e depois na consultadoria. Assisti, por exemplo, no início deste período
de programação, a uma reunião em que o anterior Presidente da CCDR Norte, o Professor
Emídio Gomes, resumia publicamente algo de semelhante a isto: vêm aí os russos,
perdoem, as DLBC urbanas, anteviam-se para o Norte nessa altura candidaturas de
cerca de vinte DLBC urbanas e a CCDR pedia encarecidamente ajuda às CIM representadas
na reunião para tentar domar a captura dos recursos disponíveis.
Apesar destas
derivas, a programação em curso trouxe à extensão da abordagem LEADER o desafio
de uma transição para uma programação em princípio orientada para resultados,
com as implicações em termos de capacitação e organização. Nestas coisas, cautela
e caldos de galinha recomendam-se. Por isso, o “em princípio” é sempre necessário
para impor algum rigor no confronto das ideias promissoras com a realidade.
Uma teoria
possível da programação de Fundos Estruturais em Portugal aponta para que nas
componentes mais inovadoras, como é o caso do instrumento DLBC, podemos falar
de uma sequência de três fases: (i) a da conceção em que as expectativas de inovação
ainda pairam no ar sob a forma de esta vez vai ser diferente; (ii) a da regulamentação
em que os “amores e senhores” das gavetas recuperam poder; (iii) a da execução
em que a inércia pode recuperar, tirando partido dos maiores constrangimentos à
execução do que é inovador na programação: a inércia adota a postura de “deixa-os
pousar”. E, assim, frequentemente, se regressa às práticas que se pretendia
alterar.
Na programação
atual, estratégias regionais, sub-regionais (as EIBT Estratégias Integradas de
Base Territorial elaboradas pelas CIMs NUTS III) e as DLBC de base local nem
sempre tiveram tempos e ritmos de elaboração sincronizados. A informação entre os
diferentes exercícios de planeamento foi heterogénea e nunca suficientemente
partilhada. A relação entre as CIMs e as DLBC exige ainda uma grande
aprendizagem, sobretudo para induzir uma lógica de cooperação e não de hierarquia.
Os municípios têm aqui um papel crucial pois estão presentes nos três espaços –
regional, sub-regional e local, e também um grande desafio à coerência da sua
intervenção nos três espaços.
Do ponto de
vista futuro, a incerteza ainda é muita, seja no plano europeu, seja no nacional.
No europeu, a ausência de uma estratégia alternativa à Europa 2020 vai colocar
a negociação da política de coesão em condições difíceis, onde diplomacia de
bisturi será necessária. As consequências para o plano nacional são agravadas
por um condicionante representado pela segunda figura que encima este post. Portugal
é segundo dados da Comissão Europeia o país da União em que os Fundos Estruturais
da Coesão representam um maior peso do investimento público, quase 85%, uma
barbaridade. Qualquer oscilação na política de coesão refletir-se-á no investimento
público nacional, a não ser que arrepiemos caminho, assumamos escolhas públicas
com maior clarividência e finalmente o investimento público de orçamento nacional
tenha desenvolvimento que se veja. A negociação será difícil e não devemos esquecer
que reformas irão produzir-se na Política Agrícola Comum orientando-a progressivamente
para o tema da “better life in rural areas”.
Do que se
conhece a nível nacional, pelo menos no objetivo transversal sustentabilidade
demográfica, a abordagem DLBC terá um papel a desempenhar, acaso para esta
prevaleça uma abordagem não estritamente demográfica. Já nos objetivos com
incidência territorial, o instrumento DLBC tem uma palavra nos domínios
“Economia do Mar” (caso haja por aqui finalmente uma clarificação de
programação e investimento), na “Competitividade e coesão na baixa densidade” e
obviamente na “Agricultura e florestas”.
Uma reflexão
final sobre o papel do instrumento DLBC na abordagem à baixa densidade. Não devemos
ignorar a mudança de perceção que os Portugueses hoje têm (após os
acontecimentos de Junho e Outubro de 2017) da baixa densidade e das suas
fragilidades e vulnerabilidades. Em meu entender, a abordagem LEADER/DLBC terá
um papel tanto mais decisivo quanto mais for possível garantir na próxima
programação: (i) opções e investimentos coerentes no plano regional e
sub-regional que a integre e reforce complementaridades entre si; (ii) Investimento
municipal alinhado e racionalizado na lógica intermunicipal e sub-regional com
as estratégias locais e (iii) investimento público consequente e gerador de
externalidades agregadoras.
Sim, tiremos
o cavalinho da chuva: inversões de tendências como aquelas que são solicitadas para a
baixa densidade em Portugal exigirão investimento público que se veja.
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