(Para além das políticas públicas, mais ou menos eficazmente
distributivas e dos modelos económicos de cada país, a desigualdade tem de ser
explicada à luz de fatores comuns à economia global. Aí está o comportamento
da desigualdade nos países escandinavos para o demonstrar.)
Quando
confrontamos os valores dos diversos indicadores de medida da desigualdade
entre vários países, nos referenciais União Europeia, OCDE ou mundo, os países
escandinavos emergem como os campeões da equidade na distribuição do
rendimento. Complementarmente, o estudo das chamadas variedades do capitalismo
mostra-nos a evidência de um modelo escandinavo. Tal modelo revela uma boa combinação
de desempenho económico (elevados níveis de rendimento per capita e de emprego qualificado),
de inovação (lugares na frente da fronteira tecnológica), de baixa desigualdade,
modelo social amplo e sustentado, forte descentralização, sindicalização
relevante. Aliás, é regra geral aos modelos escandinavos que vamos buscar a
evidência mais forte de que a equidade não penaliza nem o desempenho económico,
nem a inovação.
Esta nossa
conclusão assenta sobretudo numa visão sincrónica, através de um confronto “cross-country”, ou seja comparação entre
países para um dado momento do tempo. Outra dimensão, a que temos de estar
atentos, é da evolução ao longo do tempo. Ela é essencial para compreendermos a
incidência de fatores globais que exijam alguma duração para se manifestarem.
Nos meus
trabalhos com a colega Pilar González para a Organização Internacional do
Trabalho (OIT) sobre uma leitura comparada dos efeitos da crise sobre os “modelos
sociais europeus”, apercebi-me que os contributos do nosso colega Dominique
Anxo sobre a Suécia revelavam que o modelo sueco, embora mais resiliente do que
o dos restantes países europeus estudados, não deixava de ser também influenciado
por esses fatores. Não podemos esquecer um facto importante. Com o declínio da social-democracia
na Europa, os países escandinavos são governados por espectros políticos algo complexos
em termos de coligações e alianças políticas. A direita mais ou menos liberal tem
tido expressão na governação, o que constitui um bom teste à resiliência do
chamado modelo escandinavo.
A combinação
de análises sincrónicas e diacrónicas é crucial e podemos ter, por exemplo, o
seguinte confronto de evidências. Portugal é um país que revela desigualdade
elevada no contexto da União Europeia mas simultaneamente apresenta progressos
sensíveis em termos de redução da desigualdade, parcialmente interrompido pela
crise do ajustamento. Os países escandinavos apresentam desigualdades muito baixas
no contexto europeu, mas podem estar a atravessar um período de agravamento da
desigualdade.
Será isto o
que se passa?
Do ponto de
vista dos escandinavos parede de facto ser isto que está a ser observado.
A NORDREGIO (link aqui) é
um centro de investigação no domínio do planeamento e do desenvolvimento
regional, que resulta da cooperação entre vários países nórdicos, sediado em
Estocolmo, com produção de conhecimento muito relevante nas áreas do Ártico, governança,
espaço marítimo, migrações, inovação regional, desenvolvimento rural e planeamento
urbano. Já tive o prazer de cooperar com esta instituição, visitei-a nos anos
90 e pude constatar o rigor escandinavo, de processos e de infraestrutura,
constituindo para mim uma referência do que uma eficaz cooperação entre países
pode produzir.
Recebo
regularmente o NORDREGIO MAGAZINE (link aqui) que é uma boa e expedita forma de, segundo as
lentes dos interesses nórdicos, perceber e acompanhar o que se passa nas
instituições europeias. Ora, na sua última edição, a publicação transporta-me
para o Nordic Economic Policy Review de
2018 (link aqui), de responsabilidade do Nordic Council
of Ministers. Nessa publicação, está bem clara a resposta à minha hipótese
de trabalho. Embora os países escandinavos continuem a apresentar um nível de
desigualdade bem abaixo da média da OCDE, a verdade é que a desigualdade tem
vindo a aumentar. E isso deve-se essencialmente à influência marcante dos
rendimentos do capital, sobretudo porque dois terços da globalidade dos
dividendos beneficiam o 1% mais rico. Não é por acaso que o Nordic Economic Policy Review de 2018 é
dedicado ao tema da desigualdade, com a participação de economistas de grande
prestígio como é por exemplo o caso do Professor Lars Calmfors professor emérito
da Universidade de Estocolmo.
Projeta-se
assim a máxima (comum a outras paragens) de que os ricos estão a ficar mais
ricos e os pobres a ficar relativamente mais pobres. O período de referência é
entre meados dos anos de 90 e 2014, apanhando por isso a crise. Mas temos um contexto
em que para uma subida generalizada do rendimento, essa subida não é distribuída
segundo os padrões que associávamos ao modelo escandinavo. Os pobres não
ficaram mais pobres em termos absolutos. Ficaram mais pobres em termos
relativos e até sabemos que são os rendimentos do capital a provocar essa distorção.
E chego
aonde queria chegar. O declínio da social-democracia, combinado com as tendências
do capitalismo global, transversais às suas variedades mais avançadas, mina inclusivamente
o modelo nórdico.
O que é um sinal dos tempos (maus) que vivemos.
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