quinta-feira, 26 de abril de 2018

ATÉ NA ESCANDINÁVIA



(Para além das políticas públicas, mais ou menos eficazmente distributivas e dos modelos económicos de cada país, a desigualdade tem de ser explicada à luz de fatores comuns à economia global. Aí está o comportamento da desigualdade nos países escandinavos para o demonstrar.)

Quando confrontamos os valores dos diversos indicadores de medida da desigualdade entre vários países, nos referenciais União Europeia, OCDE ou mundo, os países escandinavos emergem como os campeões da equidade na distribuição do rendimento. Complementarmente, o estudo das chamadas variedades do capitalismo mostra-nos a evidência de um modelo escandinavo. Tal modelo revela uma boa combinação de desempenho económico (elevados níveis de rendimento per capita e de emprego qualificado), de inovação (lugares na frente da fronteira tecnológica), de baixa desigualdade, modelo social amplo e sustentado, forte descentralização, sindicalização relevante. Aliás, é regra geral aos modelos escandinavos que vamos buscar a evidência mais forte de que a equidade não penaliza nem o desempenho económico, nem a inovação.

Esta nossa conclusão assenta sobretudo numa visão sincrónica, através de um confronto “cross-country”, ou seja comparação entre países para um dado momento do tempo. Outra dimensão, a que temos de estar atentos, é da evolução ao longo do tempo. Ela é essencial para compreendermos a incidência de fatores globais que exijam alguma duração para se manifestarem.

Nos meus trabalhos com a colega Pilar González para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre uma leitura comparada dos efeitos da crise sobre os “modelos sociais europeus”, apercebi-me que os contributos do nosso colega Dominique Anxo sobre a Suécia revelavam que o modelo sueco, embora mais resiliente do que o dos restantes países europeus estudados, não deixava de ser também influenciado por esses fatores. Não podemos esquecer um facto importante. Com o declínio da social-democracia na Europa, os países escandinavos são governados por espectros políticos algo complexos em termos de coligações e alianças políticas. A direita mais ou menos liberal tem tido expressão na governação, o que constitui um bom teste à resiliência do chamado modelo escandinavo.

A combinação de análises sincrónicas e diacrónicas é crucial e podemos ter, por exemplo, o seguinte confronto de evidências. Portugal é um país que revela desigualdade elevada no contexto da União Europeia mas simultaneamente apresenta progressos sensíveis em termos de redução da desigualdade, parcialmente interrompido pela crise do ajustamento. Os países escandinavos apresentam desigualdades muito baixas no contexto europeu, mas podem estar a atravessar um período de agravamento da desigualdade.

Será isto o que se passa?

Do ponto de vista dos escandinavos parede de facto ser isto que está a ser observado.

A NORDREGIO (link aqui) é um centro de investigação no domínio do planeamento e do desenvolvimento regional, que resulta da cooperação entre vários países nórdicos, sediado em Estocolmo, com produção de conhecimento muito relevante nas áreas do Ártico, governança, espaço marítimo, migrações, inovação regional, desenvolvimento rural e planeamento urbano. Já tive o prazer de cooperar com esta instituição, visitei-a nos anos 90 e pude constatar o rigor escandinavo, de processos e de infraestrutura, constituindo para mim uma referência do que uma eficaz cooperação entre países pode produzir.

Recebo regularmente o NORDREGIO MAGAZINE (link aqui) que é uma boa e expedita forma de, segundo as lentes dos interesses nórdicos, perceber e acompanhar o que se passa nas instituições europeias. Ora, na sua última edição, a publicação transporta-me para o Nordic Economic Policy Review de 2018 (link aqui), de responsabilidade do Nordic Council of Ministers. Nessa publicação, está bem clara a resposta à minha hipótese de trabalho. Embora os países escandinavos continuem a apresentar um nível de desigualdade bem abaixo da média da OCDE, a verdade é que a desigualdade tem vindo a aumentar. E isso deve-se essencialmente à influência marcante dos rendimentos do capital, sobretudo porque dois terços da globalidade dos dividendos beneficiam o 1% mais rico. Não é por acaso que o Nordic Economic Policy Review de 2018 é dedicado ao tema da desigualdade, com a participação de economistas de grande prestígio como é por exemplo o caso do Professor Lars Calmfors professor emérito da Universidade de Estocolmo.

Projeta-se assim a máxima (comum a outras paragens) de que os ricos estão a ficar mais ricos e os pobres a ficar relativamente mais pobres. O período de referência é entre meados dos anos de 90 e 2014, apanhando por isso a crise. Mas temos um contexto em que para uma subida generalizada do rendimento, essa subida não é distribuída segundo os padrões que associávamos ao modelo escandinavo. Os pobres não ficaram mais pobres em termos absolutos. Ficaram mais pobres em termos relativos e até sabemos que são os rendimentos do capital a provocar essa distorção.

E chego aonde queria chegar. O declínio da social-democracia, combinado com as tendências do capitalismo global, transversais às suas variedades mais avançadas, mina inclusivamente o modelo nórdico.

O que é um sinal dos tempos (maus) que vivemos.

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