quarta-feira, 11 de abril de 2018

MAIS SOBRE O ORBAN-POPULISMO



(À medida que se vão conhecendo pormenores dos resultados das recentes eleições na Hungria, é possível caracterizar melhor o tipo de populismo aí instalado. O problema está em saber o que fazer com esse conhecimento.)

A sequência de três eleições com resultados ganhadores permitiu a Viktor Orban construir paulatinamente e à vista de todos o que ele designa de “democracia iliberal”, embora esteja convencido que o personagem não tenha lido as mesmas obras sobre o que é a democracia que constituem os nossos referenciais de pensamento (ver análise de Eamonn Butler no Social Europe, com link aqui).

Com a esquerda ou algo que possa assemelhar-se profundamente atomizada e dividida, apenas em Budapeste o partido de Orban enfrentou dificuldades face à oposição. Em 16 lugares parlamentares em jogo, a oposição a Orban ganhou doze lugares, o que contrasta significativamente com os resultados observados nas regiões mais rurais e nos centros urbanos de bem mais pequena dimensão. Parece então aqui emergir uma possível regularidade que é observável nos restantes processos eleitorais em que o populismo se manifestou (com exceção do complexo e antagónico jogo de forças populistas em Itália). Essa regularidade sugere que o populismo tende a emergir sobretudo em territórios menos cosmopolitas e de menor projeção urbana. O que é uma interpretação de dois gumes. Por um lado, poderá dizer-se que a concentração de eleitores mais qualificados e internacionalizados (globalizados) a mensagem populista tem maior dificuldade em penetrar. Mas, por outro lado, também pode admitir-se que a representação populista observada no outro tipo de territórios é passível de ser interpretada como uma reação de revolta ou vingança pela marginalização e isolamento que esses cidadãos de elite projetam para os residentes nesses outros territórios.

A outra observação vem de Simon Wren-Lewis no Mainly Macro (ver link aqui) e avalia o populismo de Orban à luz do pensamento de Jan-Werner Müller, que nos tem acompanhado nas nossas incursões por tal matéria. Sabemos que a bem urdida ofensiva de Orban é composta por uma amálgama de bandeiras populistas, onde podemos identificar o anti-semitismo, o foco em inimigos indesejáveis apontados como lesivos da vontade nacional (George Soros e a Eu com a imposição de quotas de refugiados), ataques ao Islão e exploração do medo do acolhimento de refugiados, controlo do poder judicial e capitalização e defesa da Vontade do Povo, interpretada pelo próprio. Segundo Wren-Lewis e em consonância com as teses de Werner Müller, o traço essencial do Orban populismo é o ataque sistemático à democracia plural, conservando o jogo eleitoral, mas apontando a uma democracia autocrática ou plutocrática, que parece uma contradição em si mesmo mas existe. A subjugação do poder judicial, da imprensa e da sociedade civil independente está em marcha há já algum tempo e, o que é impressionante, é que isso acontece com respaldo eleitoral. Imagino, embora sem conhecer profundamente a Hungria (a minha experiência resume-se a uma semana de trabalho nos anos 80, ainda com a queda do comunismo relativamente fresca), que a caminhada em curso para a autocracia ou plutocracia acabará por reduzir a ideia de eleições livres a um verdadeiro arquétipo.

Pelo andar da carruagem, a União Europeia corre o risco de transformar-se num laboratório de experiências populistas. O problema é que a história ensina-nos que regra geral estas experiências acabam mesmo mal.

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