(À medida que se vão conhecendo pormenores dos resultados
das recentes eleições na Hungria, é possível caracterizar melhor o tipo de
populismo aí instalado. O problema está em saber o que fazer com
esse conhecimento.)
A sequência
de três eleições com resultados ganhadores permitiu a Viktor Orban construir
paulatinamente e à vista de todos o que ele designa de “democracia iliberal”,
embora esteja convencido que o personagem não tenha lido as mesmas obras sobre
o que é a democracia que constituem os nossos referenciais de pensamento (ver
análise de Eamonn Butler no Social Europe, com link aqui).
Com a
esquerda ou algo que possa assemelhar-se profundamente atomizada e dividida,
apenas em Budapeste o partido de Orban enfrentou dificuldades face à oposição.
Em 16 lugares parlamentares em jogo, a oposição a Orban ganhou doze lugares, o
que contrasta significativamente com os resultados observados nas regiões mais
rurais e nos centros urbanos de bem mais pequena dimensão. Parece então aqui
emergir uma possível regularidade que é observável nos restantes processos
eleitorais em que o populismo se manifestou (com exceção do complexo e
antagónico jogo de forças populistas em Itália). Essa regularidade sugere que o
populismo tende a emergir sobretudo em territórios menos cosmopolitas e de
menor projeção urbana. O que é uma interpretação de dois gumes. Por um lado,
poderá dizer-se que a concentração de eleitores mais qualificados e
internacionalizados (globalizados) a mensagem populista tem maior dificuldade
em penetrar. Mas, por outro lado, também pode admitir-se que a representação
populista observada no outro tipo de territórios é passível de ser interpretada
como uma reação de revolta ou vingança pela marginalização e isolamento que
esses cidadãos de elite projetam para os residentes nesses outros territórios.
A outra
observação vem de Simon Wren-Lewis no Mainly Macro (ver link aqui) e avalia o
populismo de Orban à luz do pensamento de Jan-Werner Müller, que nos tem
acompanhado nas nossas incursões por tal matéria. Sabemos que a bem urdida
ofensiva de Orban é composta por uma amálgama de bandeiras populistas, onde
podemos identificar o anti-semitismo, o foco em inimigos indesejáveis apontados
como lesivos da vontade nacional (George Soros e a Eu com a imposição de quotas
de refugiados), ataques ao Islão e exploração do medo do acolhimento de
refugiados, controlo do poder judicial e capitalização e defesa da Vontade do
Povo, interpretada pelo próprio. Segundo Wren-Lewis e em
consonância com as teses de Werner Müller, o traço essencial do Orban populismo
é o ataque sistemático à democracia plural, conservando o jogo eleitoral, mas
apontando a uma democracia autocrática ou plutocrática, que parece uma
contradição em si mesmo mas existe. A subjugação do poder judicial, da imprensa
e da sociedade civil independente está em marcha há já algum tempo e, o que é
impressionante, é que isso acontece com respaldo eleitoral. Imagino, embora sem
conhecer profundamente a Hungria (a minha experiência resume-se a uma semana de
trabalho nos anos 80, ainda com a queda do comunismo relativamente fresca), que
a caminhada em curso para a autocracia ou plutocracia acabará por reduzir a
ideia de eleições livres a um verdadeiro arquétipo.
Pelo andar
da carruagem, a União Europeia corre o risco de transformar-se num laboratório
de experiências populistas. O problema é que a história ensina-nos que regra
geral estas experiências acabam mesmo mal.
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