sexta-feira, 13 de abril de 2018

O CENTRO-ESQUERDA E O POPULISMO




(Com a exceção do Partido Socialista em Portugal, graças à ultrapassagem do mito do arco da governação e à dinâmica de um acordo parlamentar à esquerda, o centro-esquerda parece no mundo e na Europa ter sucumbido à ofensiva populista. Para tentar combater esse declínio, é necessário compreender melhor as razões pelas quais uma passadeira vermelha foi proporcionada ao populismo pela inação do centro-esquerda. Dani Rodrik fornece-nos alguns elementos para pensar essa questão.)

Por muito esforço que a nossa análise realize não é possível a não ser em Portugal encontrar alguma manifestação de presença política e eleitoral do centro-esquerda. Assistimos a um longo declínio que se materializa no afundamento do centro-esquerda italiano, com a derrota eleitoral do PD, no quase desaparecimento do PS francês, na perda de fulgor da retoma do poder no PSOE por parte de Pedro Sánchez, na queda do SPD alemão, só para falar nas manifestações mais icónicas. Neste contexto de declínio generalizado, a exceção política da solução à esquerda em Portugal tem pouco que ganhar no plano europeu, tamanha é a crise de confiança que os socialistas e o centro-esquerda em geral vivem por estes dias. Qualquer animação de tropas a que António Costa pudesse aspirar depara com exércitos atomizados, sem rumo, decapitados eleitoralmente, mau período para comandar qualquer coisa.

A pergunta inevitável é a seguinte: como se chegou até aqui? Como foi possível o centro-esquerda abrir o caminho da insatisfação aos populismos de diferente origem e conteúdo de aspirações e perder espaço de federação de vontades reivindicativas?

Poucos se têm chegado à frente para contribuir com uma explicação. O economista Dani Rodrik, tão referenciado neste espaço de reflexão, tem sido persistente na procura de explicações, trazendo para o debate a sua compreensão profunda dos mecanismos da globalização e puxando pelos galões do seu reformismo consequente.

Rodrik, na sua coluna regular no Project Syndicate (link aqui), alerta para o facto do declínio do centro-esquerda ter começado a acentuar-se a partir do momento em que face ao aumento da desigualdade na distribuição do rendimento se esqueceram os ensinamentos mais consensuais da economia política. Com o incremento da desigualdade, a resposta de uma governação progressista consiste em taxar os mais ricos e aplicar os resultados dessa cobrança na melhoria das condições dos mais pobres. Rodrik assinala que, em contradição com esse princípio de bom senso económico, a progressividade dos impostos diretos tem diminuído, avançam os impostos sobre o consumo, regressivos (atenção Mário Centeno!) e as políticas de austeridade como abordagem à crise deram a machadada final numa trajetória com pretensões redistributivas pró-pobres. Em simultâneo com esta tendência, o centro-esquerda de origem socialista desde os tempos de Blair e Schroeder e seus pares, no seu afã de integrar o mercado no paradigma socialista, começaram aproximar-se perigosamente dos interesses económicos e do sistema financeiro. Com o pretexto da defesa da estabilidade sistémica do setor financeiro, iniciou-se a injeção de recursos públicos nos bancos tolhidos e, ameaçados pela ganância e pela cumplicidade com a captura política do sistema financeiro, o centro-esquerda perdeu irremediavelmente a defesa dos interesses dos penalizados pela concentração do rendimento. Rodrik tem razão em completar o quadro de cedência do centro-esquerda com a perda da batalha das ideias. O keynesianismo perdeu fulgor e a base social do centro-esquerda começou a ser ocupada por uma determinada elite, pouco propensa ao redistributivismo e defensora de uma meritocracia, ou melhor um racional que justifica as altas remunerações e os desvios face às mais baixas.

Creio que para combater este estado de coisas não é necessário fazer prova de uma tão séria ingenuidade quanto ao papel de um banco público como a que José Pacheco Pereira apresentou ontem a propósito da Caixa Geral de Depósitos. Estou de acordo que o modo como o centro-esquerda se tem posicionado face ao descalabro do sistema financeiro, injetando sistematicamente fundos púbicos sem nacionalizar, contribui seriamente para agravar a exiguidade da sua base social.

Como é compreensível, este é tema para uma longa reflexão que transcende este post. Mas inverter esta situação exige um retorno aos chamados “basics” da economia política face ao incremento da desigualdade: taxar os mais ricos para melhorar as condições dos mais pobres. E resistir à chantagem de que taxar os mais poderosos significa necessariamente abdicar da capacidade de investimento.

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