(Com a exceção do Partido Socialista em Portugal, graças à
ultrapassagem do mito do arco da governação e à dinâmica de um acordo
parlamentar à esquerda, o centro-esquerda parece no mundo e na Europa ter
sucumbido à ofensiva populista. Para tentar combater esse declínio,
é necessário compreender melhor as razões pelas quais uma passadeira vermelha
foi proporcionada ao populismo pela inação do centro-esquerda. Dani Rodrik
fornece-nos alguns elementos para pensar essa questão.)
Por muito
esforço que a nossa análise realize não é possível a não ser em Portugal
encontrar alguma manifestação de presença política e eleitoral do
centro-esquerda. Assistimos a um longo declínio que se materializa no
afundamento do centro-esquerda italiano, com a derrota eleitoral do PD, no
quase desaparecimento do PS francês, na perda de fulgor da retoma do poder no
PSOE por parte de Pedro Sánchez, na queda do SPD alemão, só para falar nas
manifestações mais icónicas. Neste contexto de declínio generalizado, a exceção
política da solução à esquerda em Portugal tem pouco que ganhar no plano
europeu, tamanha é a crise de confiança que os socialistas e o centro-esquerda em
geral vivem por estes dias. Qualquer animação de tropas a que António Costa
pudesse aspirar depara com exércitos atomizados, sem rumo, decapitados
eleitoralmente, mau período para comandar qualquer coisa.
A pergunta
inevitável é a seguinte: como se chegou até aqui? Como foi possível o
centro-esquerda abrir o caminho da insatisfação aos populismos de diferente
origem e conteúdo de aspirações e perder espaço de federação de vontades
reivindicativas?
Poucos se têm
chegado à frente para contribuir com uma explicação. O economista Dani Rodrik,
tão referenciado neste espaço de reflexão, tem sido persistente na procura de
explicações, trazendo para o debate a sua compreensão profunda dos mecanismos da
globalização e puxando pelos galões do seu reformismo consequente.
Rodrik, na
sua coluna regular no Project Syndicate (link aqui), alerta para o facto do declínio do
centro-esquerda ter começado a acentuar-se a partir do momento em que face ao
aumento da desigualdade na distribuição do rendimento se esqueceram os ensinamentos
mais consensuais da economia política. Com o incremento da desigualdade, a
resposta de uma governação progressista consiste em taxar os mais ricos e aplicar
os resultados dessa cobrança na melhoria das condições dos mais pobres. Rodrik
assinala que, em contradição com esse princípio de bom senso económico, a
progressividade dos impostos diretos tem diminuído, avançam os impostos sobre o
consumo, regressivos (atenção Mário Centeno!) e as políticas de austeridade como
abordagem à crise deram a machadada final numa trajetória com pretensões
redistributivas pró-pobres. Em simultâneo com esta tendência, o centro-esquerda
de origem socialista desde os tempos de Blair e Schroeder e seus pares, no seu
afã de integrar o mercado no paradigma socialista, começaram aproximar-se
perigosamente dos interesses económicos e do sistema financeiro. Com o pretexto
da defesa da estabilidade sistémica do setor financeiro, iniciou-se a injeção
de recursos públicos nos bancos tolhidos e, ameaçados pela ganância e pela cumplicidade
com a captura política do sistema financeiro, o centro-esquerda perdeu
irremediavelmente a defesa dos interesses dos penalizados pela concentração do
rendimento. Rodrik tem razão em completar o quadro de cedência do centro-esquerda
com a perda da batalha das ideias. O keynesianismo perdeu fulgor e a base
social do centro-esquerda começou a ser ocupada por uma determinada elite, pouco
propensa ao redistributivismo e defensora de uma meritocracia, ou melhor um racional
que justifica as altas remunerações e os desvios face às mais baixas.
Creio que
para combater este estado de coisas não é necessário fazer prova de uma tão séria
ingenuidade quanto ao papel de um banco público como a que José Pacheco Pereira
apresentou ontem a propósito da Caixa Geral de Depósitos. Estou de acordo que o
modo como o centro-esquerda se tem posicionado face ao descalabro do sistema
financeiro, injetando sistematicamente fundos púbicos sem nacionalizar, contribui
seriamente para agravar a exiguidade da sua base social.
Como é compreensível,
este é tema para uma longa reflexão que transcende este post. Mas inverter esta situação exige um retorno aos chamados “basics”
da economia política face ao incremento da desigualdade: taxar os mais ricos
para melhorar as condições dos mais pobres. E resistir à chantagem de que taxar
os mais poderosos significa necessariamente abdicar da capacidade de investimento.
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